quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Um conselho à presidenta Dilma

       Presidenta Dilma, pense, reflita e aprenda a lição das urnas. Foi uma advertência clara. No seu segundo mandato, faça um verdadeiro governo de participação popular. Conte com os Movimentos Sociais Populares organizados (respeitando e valorizando sua autonomia e sua identidade), com os Sindicatos autênticos (não pelegos) dos Trabalhadores e Trabalhadoras, com o povo das Comunidades rurais e das Comunidades das periferias urbanas, sobretudo das grandes cidades e com todos aqueles e aquelas - entidades e pessoas - que lutam por um novo Brasil. Todos e todas deram-lhe um crédito de confiança. Faça alianças com esses Movimentos, Sindicatos e Comunidades (e não com os poderosos). Viva no meio do povo, ouça o povo, caminhe com o povo, seja povo (sem palácios e sem mordomias). Tome posições políticas claras (sem ambiguidades), com coragem e com firmeza. Não titubeie.
Inaugure um novo jeito de governar, “o jeito popular” de governar ou, em outras palavras, o jeito de governar do povo, para o povo e com o povo: jeito simples, humano, fraternal e sororal, servindo com amor. Volte às origens, mas enfrente - em profunda sintonia com o povo - os grandes e urgentes desafios do Brasil de hoje. “Povo unido, jamais será vencido!”. Experimente a força do povo. Não tenha medo dos poderosos. O povo organizado e mobilizado é mais forte do que o poder econômico. Busque a “governabilidade popular” e não a “governabilidade dos grandes do mundo”.
Presidenta Dilma, não bastam os programas sociais, embora - na atual conjuntura - sejam necessários, devam continuar e ser melhorados. Precisamos urgentemente de mudanças estruturais, abrindo caminhos para um novo Brasil.
Pessoalmente - como religioso dominicano e professor universitário aposentado - dou-lhe um conselho de irmão, que ama o Brasil, que acredita no trabalho de base, que vive com o povo e que aprendeu (e ainda aprende) muito mais com a sabedoria popular do que com a academia.
O meu conselho é este: que a “Carta Compromisso da 5ª Semana Social Brasileira” seja uma das estrelas-guia do seu novo governo. Leia a Carta, medite-a, faça dela seu livro de cabeceira. Ela pode ser uma luz que ilumina o seu novo governo para que seja um serviço ao povo.
A 5ª Semana Social Brasileira (2 a 5 de setembro de 2013) pensou e discutiu o tema: “o Estado que temos e o Estado que queremos”. “Analisou a realidade brasileira e global, escutou os clamores populares e celebrou a caminhada dos Movimentos Sociais (Populares) e das Igrejas, na defesa e na promoção da vida”.
Ela “é um esforço conjunto das Organizações Sociais na defesa dos direitos humanos e da natureza como expressão da solidariedade e da profecia cristã. (...) As manifestações de rua, que acontecem no país desde junho/13, deixam um alerta para a sociedade. Não é mais possível negar os direitos e a participação dos cidadãos/ãs invisibilizados/as. O modelo desenvolvimentista assumido pelo Estado Brasileiro atual, baseado em políticas compensatórias, submete a nação às determinações da mundialização neoliberal em crise, reprimariza a economia, explorando os bens naturais e humanos para a exportação, transformando-os em commodities. Este modelo viola o direito dos povos e ameaça a vida do planeta, impactando as comunidades rurais e urbanas, as classes trabalhadoras e a população em geral”.
Citando o documento “Exigências Éticas da Ordem Democrática” (CNBB, 1989), a 5ª Semana, de maneira contundente, afirma: “os pobres são os juízes da vida democrática de uma nação”.
Para promover o Estado que queremos, a 5ª Semana Social Brasileira assume os seguintes compromissos (que, Presidenta Dilma, desejo sejam também seus compromissos):
1.    “Defender o trabalho para todos/as. Trabalho digno e não precarizado. Nenhum direito a menos. Redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais sem redução dos salários como repartição dos abusivos ganhos de produtividade do capital. Reaparelhamento do aparato fiscalizador do Ministério do Trabalho. Fortalecer a Economia Popular Solidária como uma política de Estado.
2.    Promover a formação para a cidadania, apoiando a proposta da Coalizão Democrática pela Reforma Política e Eleições Limpas e da convocação de um Plebiscito para uma Assembleia Nacional Constituinte Exclusiva (foi também o pedido do Plebiscito Popular, com seus quase 8 milhões de votos). Participar da Campanha saúde +10; 10% do orçamento da União para a educação e os demais direitos sociais; contra a privatização dos serviços públicos. 
3.    Retomar e fortalecer a metodologia das Assembleias Populares, com a criação de Tribunais Populares, pela democratização do Judiciário e do acesso à justiça e a reestruturação do Sistema de Segurança Pública, visando à construção de um Estado defensor dos direitos humanos e ambientais.
4.    Apoiar a Reforma Agrária, a agricultura familiar e agroecológica; o reconhecimento dos territórios dos Povos Originários e Comunidades Tradicionais: camponeses, indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores artesanais, extrativistas, recicladores, e demais grupos sociais fragilizados, cujos direitos são garantidos pela Constituição Federal e que não são cumpridos.
5.    Fortalecer a Campanha pela Democratização dos Meios de Comunicação Social e participar de Fóruns específicos.
6.    Garantir a efetivação dos Conselhos de Juventudes para o controle social das políticas públicas; assumir a Campanha contra o extermínio de jovens, principalmente pobres e negros; contra a redução da maioridade penal e a violência às mulheres.
7.    Incentivar políticas de defesa civil, com participação da sociedade, para a prevenção dos impactos socioambientais dos projetos desenvolvimentistas e a proteção e garantia de direitos das populações afetadas.
8.    Exigir do Governo Federal a implementação do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil e que haja sua efetiva participação.
9.    Incentivar a criação e o fortalecimento dos Fóruns Populares que monitoram e propõem políticas urbanas nos bairros, nas regiões administrativas e nos municípios.
10.  Informar e mobilizar a sociedade sobre a gestão dos recursos públicos, participando de Campanhas pela revisão da distribuição orçamentária da União; por uma reforma tributaria progressiva e participativa; contra uma política de endividamento público e de gestão do orçamento social e ambiental irresponsável. Exigir do Governo o fim dos leiloes do petróleo, pela plena reestatização da Petrobras, bem como a auditoria da dívida pública, conforme o artigo 26 das Disposições Transitórias da Constituição Federal”.
             Presidenta Dilma, como mulher, honre tantas mulheres do povo, verdadeiras heroínas, e diga “não a uma economia da exclusão e da desigualdade social. Essa economia mata” (Papa Francisco. O Evangelho da Alegria. 53). Um novo Brasil é possível e necessário! Lutemos por ele! Presidenta Dilma, entre de cheio nessa luta! Prove que merece o crédito de confiança, que o povo lhe deu!



Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
                                                                                       Goiânia, 29 de outubro de 2014

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Em apoio aos ocupantes da Fazenda Santa Mônica

No dia 3 de setembro, a Comissão Pastoral da Terra Nacional (CPT) publicou a Nota “Solidariedade aos ocupantes da Fazenda Santa Mônica (GO)”. São mais de 3 mil famílias de sem-terra, que no dia 31 de agosto ocuparam a Fazenda Santa Mônica, em Corumbá de Goiás, de propriedade do senador cearense Eunício de Oliveira.
“Essa ação - diz a Nota - visa, sobretudo, chamar a atenção da sociedade brasileira sobre uma realidade cada vez mais recorrente da concentração da propriedade da terra em nosso país”. E relata: “são constantes as denúncias das formas mais absurdas utilizadas pelo senador para cada vez incorporar mais áreas à sua propriedade”. Ele “já é dono de mais da metade do município. A Fazenda Santa Mônica é apenas uma entre os muitos imóveis rurais em nome do senador”.
            Pasmem! Segundo os dados da Nota da CPT, “na declaração de bens apresentada ao Tribunal Superior Eleitoral, neste ano, constam 88 imóveis rurais em Goiás, quase todos em Corumbá de Goiás. Na declaração anterior (2010), o numero declarado era de 72 propriedades. Em quatro anos, 16 novas propriedades foram incorporadas ao seu patrimônio. E chama a atenção o valor declarado das mesmas. A Santa Mônica, apesar de ter 21 mil hectares, tem seu valor declarado como de apenas R$ 386.720,00. Outros imóveis tem um ínfimo valor declarado, a partir de R$ 746,27, o valor de um deles, passando por outros de R$ 1.000, 1.500, 2.000... O total do patrimônio declarado do atual candidato ao governo do Ceará é de R$ 99.022.714,17, o mais rico entre todos os candidatos a governador. Se considerarmos que na declaração de bens de 2010, o valor declarado foi de R$ 36.737.673,19, temos em quatro anos uma aumento razoável de 170% no seu patrimônio!”.
            Como é possível que, em pleno século XXI, ainda existam situações como essa? Além de ser uma situação totalmente injusta, é muito atraso! O pior - continua a Nota - é que o Senador “goza do apoio das autoridades locais”. O juiz Levine Raja Gabaglia Artiaga, quinze dias antes da ocupação, em ação de reintegração de posse, “determina que o MST se abstenha de esbulhar ou turbar ou invadir as terras da Fazenda Santa Mônica”. No dia seguinte à ocupação, ele emite liminar de reintegração de posse. Reparem com que rapidez tomou as providências. “Recebeu os autos do processo, às 12:38h de 1/9/2014, e um minuto depois, às 12:39h, já estavam assinados e remetidos à escrivania”.
A Nota conclui com ironia: “ainda há gente que diz que a justiça é morosa!”. Por fim, ela faz um apelo: “a Coordenação da CPT pede às autoridades competentes, Justiça Federal, Polícia Federal e outras, uma investigação séria e profunda do crescimento do patrimônio de um cidadão que, em quatro anos, quase triplica seus bens, e dos métodos utilizados para isto”.
O documento da CNBB “A Igreja e a questão agrária brasileira no início do século XXI”, deste ano, em relação ao latifúndio, afirma: “É imperativo ético, espiritual, social, econômico e ambiental a luta pela posse da terra e seus bens naturais como forma de erradicar a pobreza”. E ainda: “toda e qualquer propriedade mantida como fonte de especulação, de exploração e de poder não é legítima. É moralmente inaceitável o uso da terra para a especulação e a hegemonia do dinheiro internacional para inflar os preços da comercialização de alimentos, especialmente as chamadas ‘commodities’”. Declara, pois, com veemência: “isso é pecado que clama aos céus” (142-143).
Diz o documento: “urge apoiar as lutas dos pequenos que buscam oportunidades de vida na terra, na floresta e nas águas” (161). “Denunciamos a idolatria da propriedade, da riqueza e do poder, que é a causa da violência que acompanha a luta pela terra”. Com firmeza, proclama: “são criminosos, pecadores todos os que querem sacralizar a propriedade da terra neste país de extensão continental! Sacramentar a usurpação, dignificar a grilagem é crime, é pecado” (206 - Citando o documento “Quem comete crime hediondo neste país”, assinado pela Coordenadoria Ecumênica de Serviço - CESE e outras 11 entidades ecumênicas, em dezembro de 2005).
E ainda: “reafirmamos ser a terra considerada dom e dádiva para a humanidade inteira, ‘terra de trabalho’, lugar de viver, e não mercadoria, ‘terra de negócio’. Nossos compromissos são de vida e vida em abundância para os mais pobres: os pobres da terra, das águas e da floresta” (208).

Todos e todas - entidades e pessoas - que estamos comprometidos com os Direitos Humanos, unimo-nos no apoio e na solidariedade à luta dos sem-terra, que ocupam a Fazenda Santa Mônica e fazemos uma advertência: que o Poder Público (Executivo, Legislativo e Judiciário), em conluio com os latifundiários, não ouse desafiar a justiça de Deus, praticando atos de violência contra os pobres. Cuidado! Deus está do lado deles e delas! “Clamarão a mim e eu ouvirei seu clamor” (Ex 22,22).





Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
                                                                                       Goiânia, 22 de outubro de 2014  

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Auxílio-moradia dos juízes: imoralidade pública legalizada

Em setembro passado, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF) acatou os pedidos da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA), da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e da Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE) - entidades nacionais que representam os magistrados brasileiros - alegando que o auxílio-moradia para juízes federais e estaduais não é pago pela Justiça Federal, apesar de ser garantido pela lei.
Concedendo a liminar (decisão provisória), o ministro determinou o pagamento do benefício com base na Lei Orgânica da Magistratura (LOMAN). Conforme o Artigo 65, além dos salários, os juízes podem receber vantagens, como ajuda de custo para moradia nas cidades onde não há residência oficial à disposição.
            Depois de obtida a liminar, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) regulamentou o pagamento de auxílio-moradia para os magistrados. De acordo com a resolução - aprovada no dia 7 do mês corrente pelo plenário do Conselho - o benefício é garantido aos Ministros do STF, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e aos conselheiros do CNJ. 
O auxílio-moradia não poderá ser maior do que o valor pago aos ministros do STF (R$ 4.377,73) e não poderá ser pago a magistrados aposentados e nos casos em que o Tribunal coloque residência oficial à disposição do juiz.
Como a maioria dos 16,4 mil juízes e 12,2 mil procuradores terão direito ao pagamento, o governo calculou que o auxílio-moradia deve custar mais de R$ 1 bi por ano aos cofres públicos.
Luís Inácio Adams, da Advocacia-Geral da União (AGU), recorreu ao STF para evitar o pagamento do benefício, por considera-lo ilegal.
Na sexta-feira, dia 10, a ministra Rosa Weber, do STF, rejeitou o pedido da AGU para suspender o pagamento de auxílio-moradia a juízes e procuradores de todo o país.
Na segunda-feira, dia 13, a AGU recorreu novamente ao STF, protocolando uma petição para que a decisão sobre o pagamento de auxílio-moradia aos juízes federais seja levada ao plenário da Corte.
No entanto, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO) não perdeu tempo e na quarta-feira, dia 15, reajustou o valor do auxílio-moradia de 375 magistrados para R$ 4.377,73 (mesmo valor do teto estipulado pelo CNJ). O valor médio anterior era de R$ 2,3 mil. O aumento é retroativo a 15 de setembro. Com o reajuste, o TJ-GO gastará, todo ano, cerca de R$ 15 milhões só com o pagamento do benefício. O “roubo oficial” espalha-se rapidamente por todo o Brasil.
Infelizmente, essa é a realidade! É uma verdadeira aberração! É um deboche na cara dos trabalhadores e trabalhadoras! É uma pouca vergonha institucionalizada! É uma imoralidade legalizada! É um assalto aos cofres públicos!
Pessoalmente, tenho nojo de toda essa polêmica despudorada, em torno de artifícios legais, para tentar justificar e legitimar o auxílio-moradia. Ele pode até ser legal, mas com certeza, é injusto e antiético.
A grande maioria dos trabalhadores e trabalhadoras, no Brasil e no mundo, gostaria muito de receber o valor do auxílio-moradia dos juízes como salário bruto, mas não consegue. Por que tanta mordomia para os juízes? Por que tanta desigualdade social e tanta falta de sensibilidade humana? Será que esses juízes colocam a lei - que muitas vezes é injusta - acima da razão? Não dá para entender! Como é possível confiar nesses juízes? Eles têm a autoridade legal, mas não têm nenhuma autoridade moral para julgar e fazer justiça.
Além de reivindicar o auxílio-moradia, os juízes e suas Associações corporativistas pressionam o Congresso por aumento de salário. Por que - no lugar de pensar só nos seus interesses - os juízes não pressionam o Congresso para aumentar significativamente o salário mínimo?
Para ilustrar o tamanho da falcatrua dos magistrados - que é muito maior do que se possa imaginar - cito na íntegra um exemplo publicado, há mais de dois anos, pelo Sindicato dos Servidores da Justiça do Rio Grande do Sul e extraído pelo JusBrasil.
Eis o texto: “o salário, mais os inúmeros penduricalhos agregados ao contracheque, pode levar um juiz, mesmo que ainda em início de carreira, a receber salários que variam de R$ 40 mil a R$ 150 mil. Esta é a situação do Judiciário do RJ, mas que se repete em outros Estados. A folha de subsídios do TJ-RJ mostra que a remuneração de R$ 24.117,62 é figurativa. Alguns magistrados chegam a receber cerca de R$ 400 mil por ano em ‘vantagens eventuais’. As informações estão na folha de pagamentos, que o próprio TJ divulgou em obediência à Resolução 102 do CNJ. Um desembargador chegou a receber, em dezembro/2011, um salário de cerca de R$ 511 mil. Outro, no mesmo mês, teve depósitos de R$ 462 mil, além do salário. No total, 72 desembargadores receberam mais de R$ 100 mil. Em novembro de 2011, 107 dos 178 desembargadores receberam valores acima de R$ 50 mil. Em setembro/2011, 120 desembargadores receberam mais de R$ 40 mil e 23 foram contemplados com mais de R$ 50 mil. Dezenas receberam mais que R$ 80 mil”.
O Sindicato fala, pois, com certa ironia, do “auxílio-tudo” dos juízes e continua relatando: “os dados mostram que, além dos salários, os magistrados têm direito a inúmeros benefícios, como auxílio-creche, auxílio-saúde, auxílio-locomoção, ajuda de custo, ajuda de custo para transporte e mudança, auxílio-refeição, auxílio-alimentação, só para citar alguns. Também desfrutam de montanhas de vantagens eventuais, como gratificação hora-aula, adicional de insalubridade, adicional noturno, gratificação de substituto, terço constitucional de férias, gratificação de Justiça itinerante, correção abono variável, abono de permanência, parcela autônoma de equivalência, indenização de férias”.
Conclui com uma constatação: “frente a este exemplo, não é de admirar que o Judiciário, como um todo, se rebele tanto contra mecanismos que se propõem a dar mais transparência ao Poder. É preciso ficar claro para onde e para quem está sendo destinado o maior percentual do orçamento do Poder” (http://sindjus-rs.jusbrasil.com.br/noticias/2998176/no-rj-salario-de-juizes-podem-chegar-a-r-150-mil).

 “Ai dos juízes injustos e dos que decretam leis injustas, que não deixam haver justiça para os pobres (...)” (Is 10,1-2). Um outro Judiciário é possível e necessário! Lutemos por ele! A esperança nunca morre!

Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
                                                                                       Goiânia, 16 de outubro de 2014  

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Homenagem dos índios Krahô a Dom Tomás

No último fim de semana de setembro, por três dias, os índios Krahô fizeram uma homenagem ritual de despedida a Dom Tomás Balduino - considerado por eles e elas, parente e amigo inesquecível - como finalização do luto e em agradecimento pelo seu compromisso evangélico na defesa dos pobres e, de maneira especial, dos povos indígenas.
Segundo o depoimento dos que participaram - foi uma homenagem muito bonita, emocionante, profundamente humana e impregnada de uma mística extraordinária.
Os índios Krahô - hoje em torno de 3.200 pessoas - são um povo, que faz parte da grande nação Timbira, vivendo em 28 aldeias nos municípios de Goiatins e Itacajá, no Tocantins.
Na homenagem ritual foi anunciado solenemente: “Dom Tomás está aqui. Eu vi. Uma pessoa quando morre fica entre nós, ele não foi embora. Ele está aqui. Ele está olhando por nós. São poucos os que ajudam os povos indígenas. Tem que continuar o trabalho, a luta de D. Tomás”.
Estiveram presentes na homenagem - recebidos e recebidas com carinho pelas lideranças da comunidade - representantes dos povos indígenas Xerente e Apinajé, diversas pessoas (da CPT, do CIMI e outras) comprometidas com as causas populares e, sobretudo, com a causa indígena, parentes, amigos e amigas de Dom Tomás, dois frades dominicanos (Ordem Religiosa à qual Dom Tomás pertencia), representando a Província Frei Bartolomeu de Las Casas, do Brasil e o bispo da Diocese de Goiás, sucessor de Dom Tomás, Dom Eugênio.
Por ocasião do falecimento de Dom Tomás, Gercília, uma grande liderança do povo, exigiu: “eu só participo do ritual na Igreja de Goiás, se depois puder fazer o ritual dele, em minha aldeia, conforme a nossa cultura”. Ela considerava Dom Tomás como tio, que, para o povo Krahô, tem - na vida da comunidade - uma relevância tão importante quanto a do pai.
Nos três dias celebrativos houve - sem nunca perder a esperança que um outro mundo é possível - inúmeros depoimentos, marcados por profunda indignação pelos preconceitos, pelas omissões e pelas violências praticadas contra os povos indígenas e contra a Mãe Terra.
“Foi muito forte ver as mulheres indígenas Krahô, Xerente e Apinajé falar para D. Eugênio do sofrimento dos povos indígenas, do impacto dos grandes projetos e do agronegócio, como a soja, eucalipto, arroz, barragens, estradas, hidrovia e ferrovia, assim como também, da precariedade no atendimento à saúde pública. E falaram como Dom Tomás sempre defendeu os povos indígenas, os ribeirinhos, os quilombolas, os camponeses e os pobres das cidades” (Sara Sánchez Sánchez. CIMI, GO-TO, 01/10/14).
Em diálogo com Gercília, numa homenagem permeada de gestos simbólicos (troca de presentes e outros) e ouvindo a cantoria ritual no centro do pátio da aldeia, foi selado o compromisso com Dom Eugênio e todos os presentes, de dar continuidade - seguindo as pegadas de Dom Tomás - ao trabalho em defesa da vida, da natureza e dos povos indígenas, na busca incansável da Terra Sem Males (cf. também: Egon Heck. Dom Tomás no ritual dos índios Krahô. CIMI, GO-TO, 01/10/14).
Quanta sabedoria, quanta mística, quanta espiritualidade e quanta profundidade humana encontramos na cultura indígena! Temos muito a aprender com os nossos irmãos e irmãs índios e índias!
Precisamos redescobrir o conceito milenar do “Bem Viver” ou “Viver bem”. “A expressão ‘Viver Bem’, própria dos povos indígenas da Bolívia, significa, em primeiro lugar ‘viver bem entre nós’. Trata-se de uma convivência comunitária intercultural e sem assimetrias de poder (...). É um modo de viver sendo e sentindo-se parte da comunidade, com sua proteção e em harmonia com a natureza (...), diferenciando-se do ‘viver melhor’ ocidental, que é individualista e que se faz geralmente à custa dos outros e, além disso, em contraponto à natureza” (Isabel Rauber, em: http://isabelrauber.blogspot.com, 22/08/2010).

Que a nossa vida seja permeada de uma verdadeira mística e de uma verdadeira espiritualidade!  É o que nossos irmãos e irmãs índios e índias nos ensinam.


Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
                                                                                       Goiânia, 08 de outubro de 2014  

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Eleições e mudança do sistema político

As eleições - mesmo com todas as limitações do sistema político vigente - são um momento ímpar para o exercício da cidadania. Quais os critérios que devem orientar a escolha dos candidatos e candidatas?
Temos que olhar não só a história de vida dos candidatos e candidatas, mas também e sobretudo o projeto político que eles e elas e seus partidos defendem atualmente. Digo "atualmente", porque existem partidos e candidatos e candidatas, que renegaram - se não com palavras, pelo menos de fato - toda sua história de luta ao lado do povo pobre, oprimido e excluído, e se aliaram ao sistema econômico dominante, defendendo seus interesses.
            Existem também candidatos e candidatas, que se dizem "cristãos" ou “cristãs” e fazem questão de defender alguns valores importantes no campo da bioética, mas que "encontram-se muitas vezes em contradição com as opções e compromissos que estes mesmos candidatos e candidatas têm em relação aos direitos humanos, à economia, à vida social e política e, de modo especial, às necessidades dos pobres.
(...) A defesa de alguns valores importantes pode ser feita por estes candidatos e candidatas para iludir e esconder compromissos e práticas que estão, na verdade, a serviço da cultura da morte. A defesa da cultura da vida exige que os valores da bioética não sejam separados dos valores da ética social" (CNBB. Eleições 2010: o chão e o horizonte).
Hoje, "na verdade, o governo procura quebrar a combatividade dos movimentos, dividi-los, desmobilizá-los e mantê-los apenas como massa de apoio quando necessário. Conseguiu, em boa parte, seu intento de colocar como limite máximo de utopia as mudanças dentro dos quadros do neoliberalismo (ou do neodesenvolvimentismo, que - apesar de seus aspectos positivos imediatos - é mais uma tapeação dos trabalhadores e trabalhadoras). Muitos, nos movimentos, contentam-se com as pequenas conquistas obtidas.
Há insatisfação, sem dúvida: uma outra parte dos movimentos tem uma posição crítica. Esta divisão, esta confusão, esta aparência de governo do povo, sendo preferencialmente governo dos banqueiros, dificulta o posicionamento dos movimentos sociais (populares).
(...) Existe uma mobilização autônoma, porém, em vários setores, e em vários movimentos: para dar um exemplo, na Assembleia Popular, que é uma articulação de diversos movimentos, pastorais e entidades da sociedade civil. Foi a única articulação que produziu um projeto de sociedade (‘o Brasil que queremos’), distinto do vigente, crítico ao modelo neoliberal (ou - acrescento eu - neodesenvolvimentista). Este tipo de articulação pode crescer, porque vem de encontro aos anseios de muitos que estão insatisfeitos" (Entrevista com o sociólogo Ivo Lesbaupin, concedida, por e-mail, à IHU On Line, abril 2010).
Delfim Netto, homem forte da economia no regime militar e um dos principais conselheiros do governo Lula, afirma que o governo foi o primeiro a perceber "que o capitalismo deve aos programas de distribuição de renda sua sobrevivência no país" e que o governo "mudou o pais de forma importante, de forma a salvar o capitalismo" (Entrevista de Aguinaldo Novo. Em: O Globo, 20/09/09).
Infelizmente, a maioria dos candidatos e candidatas (mesmo quando se dizem cristãos ou cristãs), da situação ou da oposição, são reformistas. Não querem mudar as estruturas do sistema político dominante; querem simplesmente "maquiá-lo", colocando remendinhos novos numa roupa velha.
As diferenças e as brigas entre eles e elas se referem unicamente à reformas e não à mudanças estruturais. Para esses políticos e políticas, os chamados "programas sociais de distribuição de renda" (que em situações emergenciais são necessários e aliviam o sofrimento dos pobres, mas que não mudam a estrutura do sistema capitalista) são como balinhas que se costuma dar às crianças para que não chorem, e servem para legitimar o "sistema econômico iniquo" vigente (às vezes, até com argumentos religiosos, usando o nome de Deus em vão) e para manter o povo, pobre, oprimido e excluído em situação de dependência dos poderosos e do governo, evitando assim possíveis revoltas.
É o caso do chamado neodesenvolvimentismo, que pretende dar uma face aparentemente “humana” ao capitalismo neoliberal, mas que, na realidade, engana o povo e encobre a iniquidade estrutural do sistema dominante.
"A misericórdia (leia-se: obras sociais, programas sociais de distribuição de renda e outros) sempre será necessária, mas não deve contribuir para criar círculos viciosos que sejam funcionais para um sistema econômico iníquo. Requer-se que as obras de misericórdia sejam acompanhadas pela busca da verdadeira justiça social (...)" (Documento de Aparecida - DA, 385).
O papa Francisco - lembrando-nos que “o sistema social e econômico é injusto em sua raiz” e “um mal embrenhado nas estruturas” - afirma com clareza: “devemos dizer ‘não a uma economia da exclusão e da desigualdade social’. Essa economia mata. (...) Hoje, tudo entra no jogo da competitividade e da lei do mais forte, em que o poderoso engole o mais fraco. (...) O ser humano é considerado, em si mesmo, como um bem de consumo que se pode usar e depois lançar fora. Assim teve início a cultura do ‘descartável’, que, aliás, chega a ser promovida. (...) Os excluídos e excluídas não são ‘explorados’, mas resíduos, ‘sobras’” (A Alegria do Evangelho - EG, 53 e 59).
            Atualmente - como falou o sociólogo Ivo Lesbaupin - a maioria dos movimentos populares são cooptados pelo governo, atrasando de muitos anos a organização popular. Basta, por exemplo, lembrar a festa do primeiro de maio, reduzida a um show para os trabalhadores e trabalhadoras.
Precisamos reverter essa situação iníqua e votar em políticos e políticas, que - conforme nos lembra a 5ª Semana Social Brasileira (setembro 2013) - estejam de acordo com o projeto "o Brasil que queremos", "projeto popular", alternativo, justo, humano, fraterno e estruturalmente diferente (o projeto do “bem viver”). Mesmo que muitos deles ou delas não ganhem agora as eleições, marcam presença, fazem avançar o processo democrático e abrem caminhos novos para que o "projeto popular" aconteça.

Eleitores e eleitoras, vamos abrir os olhos, refletir e tomar nossas decisões. O seu voto é muito importante e faz a diferença. "Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância" (Jo, 10, 10). 

Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
                                                                                       Goiânia, 01 de outubro de 2014