segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Reocupação da Usina Santa Helena: solidariedade e apoio às famílias trabalhadoras


Na manhã do dia 31 de julho passado, na cidade de Santa Helena de Goiás, cerca de 1000 famílias trabalhadoras Sem Terra organizadas pelo MST reocuparam o latifúndio de pouco mais de 20 mil hectares da Usina Santa Helena (USH).
Segundo a Nota “Latifúndio de grande devedor da União é ocupado em Goiás”, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST-GO), do mesmo dia 31 de julho, “o objetivo da ação é exigir a imediata desapropriação da Usina e o assentamento das 6.500 famílias acampadas em Goiás”.
A Usina Santa Helena - continua a Nota - “que deve mais de 1 bilhão de reais para a União e aos trabalhadores, faz parte do Grupo Naoum, o qual é recorrente em crimes ambientais e débitos bilionários com antigos trabalhadores e a União em outras usinas do grupo, como a localizada no município de Jaciara (MT). O latifúndio ocupado já foi objeto de adjudicação pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional em Goiás, que firmou protocolo de intenção com o INCRA para destinar a área ao assentamento de famílias sem terra”.
A Nota diz ainda: “A ocupação é também uma resposta à tentativa de criminalização do MST. O Juiz da Comarca de Santa Helena é o mesmo que pediu a prisão de quatro Sem Terra, dos quais Luiz Batista e José Valdir Misnerovicz encontram-se presos injustamente e dois outros encontram-se exilados. A absurda acusação é que os militantes, ao lutarem por Reforma Agrária, estão participando de uma organização criminosa”.
O MST em Goiás “reafirma que nenhuma tentativa de criminalização irá impedir a luta popular pela Reforma Agrária. Ao contrário, a determinação das famílias aumenta à medida em que fica clara a posição ideológica do agronegócio, do latifúndio e do Judiciário goiano em tentar manter seus interesses”.
A Nota termina declarando: “seguiremos lutando pela Reforma Agrária Popular e Contra a Criminalização da Luta Popular!”.
Companheiros e companheiras, trabalhadores e trabalhadoras, lutar pela Reforma Agrária Popular e contra a criminalização dos Movimentos Populares são causas justas. Todos e todas que defendemos a Justiça e os Direitos Humanos estamos com vocês. A garra que vocês demostram na luta pelo direito à Terra, que - como diz o Papa Francisco - é um direito sagrado, nos edifica a todos e a todas, renovando a nossa esperança.
Como cidadão, consciente de sua cidadania, como cristão, que acredita no projeto de vida de Jesus de Nazaré, como religioso, membro da Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil, e como animador da Paróquia Nossa Senhora da Terra em Goiânia quero - em meu nome pessoal e em nome da Comissão e da Paróquia - reiterar a nossa total solidariedade e irrestrito apoio às famílias trabalhadoras ocupantes da Usina Santa Helena e ao MST. Estamos com vocês e pedimos a Deus que fortaleça a todos e a todas.
Faço agora um apelo às Comunidades, Paróquias e Igrejas - sobretudo às que estão geograficamente mais próximas - para que sejam solidárias e apoiem a luta dos ocupantes da Usina Santa Helena, do MST e dos Movimentos Populares. É essa solidariedade e esse apoio que são a verdadeira Pastoral Social e Ambiental.
Os cristãos e cristãs lembremos as palavras - cheias de ternura e de calor humano - do Papa Francisco: “Soube que são muitos na Igreja aqueles que se sentem mais próximos dos Movimentos Populares. Muito me alegro por isso! Ver a Igreja com as portas abertas a todos vocês, que se envolve, acompanha e consegue sistematizar em cada Diocese, em cada Comissão ‘Justiça e Paz’, uma colaboração real, permanente e comprometida com os Movimentos Populares. Convido-vos a todos, bispos, sacerdotes e leigos, juntamente com as Organizações Sociais das periferias urbanas e rurais, a aprofundar este encontro” (Discurso aos participantes do 2º Encontro Mundial dos Movimentos Populares. S. Cruz de la Sierra - Bolívia, 9 de julho de 2015). Irmãos e irmãs não sejamos omissos! Vamos à luta por um outro mundo possível!
No dia 9 deste mês, quando estava por concluir o meu escrito, recebi uma boa notícia. Em Nota Pública, o MST de Goiás “vem compartilhar a importante conquista das famílias acampadas na ocupação estadual Leonir Orback, localizada na fazenda Ouro Branco, de propriedade da Usina Santa Helena”.
A Nota comunica que “no final do dia 08 de agosto, o Tribunal de Justiça de Goiás, decidiu pela suspensão da reintegração de posse da Usina, que havia sido autorizada pelo juiz da Comarca de Santa Helena, Thiago Brandão Boghi, o mesmo que lidera o processo de criminalização do MST em Goiás”.
Em sua decisão, o Tribunal “acolheu os argumentos de que: a) o imóvel ocupado não cumpre a função social especialmente porque a empresa encontra-se em recuperação judicial e que, contraditoriamente, cede parte considerável da área para cultivo de soja; b) o novo Código de Processo Civil brasileiro incentiva a mediação de conflitos e a decisão da Justiça de Santa Helena simplesmente ignora tal orientação, decidindo pela reintegração sem dar qualquer possibilidade de defesa das famílias; c) a realização de um despejo em uma área comprovadamente de uma empresa fraudulenta em detrimento ao Direito à Reforma Agrária poderia alavancar um grave conflito no local”.
Esta decisão - diz a Nota - “expõe a carga ideológica dos processos conduzidos pela Comarca de Santa Helena e deixa claro para as famílias o vínculo entre o Judiciário local e as forças do agronegócio. Também vai ao encontro da inocência dos dois presos políticos e dos dois exilados, ao deixar claro que a luta das famílias é uma luta justa e digna, pela Reforma Agrária, não uma ação criminosa”.
Enfim, embora essa pequena vitória seja parcial e temporária, a Nota reafirma “a importância da pressão popular” e “da solidariedade (estadual, nacional e internacional) de pessoas e organizações sindicais, populares, religiosas e partidárias”.
Termina, pois, declarando: “Seguiremos na luta pelo assentamento das 6.500 famílias acampadas em Goiás, pela melhoria da vida nos assentamentos e pela libertação dos nossos presos e perseguidos políticos”

 “Lutar, Construir Reforma Agrária Popular!”.








Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 10 de agosto de 2016

Uma desumanidade gritante: a “pena de morte” na Saúde Pública


No final de maio de 2015, no artigo “Falta de vagas em UTIs: “pena de morte” para trabalhadores” (leia o artigo na internet), escrevia: “A Saúde Pública encontra-se em estado de descalabro total. É um caos generalizado. É uma situação de calamidade, que clama por justiça diante de Deus. A omissão de socorro por falta de vaga em UTIs é uma realidade de todo dia”.
Infelizmente, essa realidade não mudou, continua a mesma. A “pena de morte” na Saúde Pública é uma desumanidade gritante.
Entre os muitos casos que poderiam ser lembrados, cito um dos últimos: a morte de Wiliam Pereira da Silva, no Centro de Atendimento Integral à Saúde (Cais) do Setor Campinas.
Chegando ao Cais, o repórter de O Popular pergunta: “- O senhor Willian Pereira da Silva está aqui? - Estava! - Ele já foi transferido? - Não. Acabou de morrer! Willian tinha 65 anos. Morreu às 12:30h de 28 de junho, seis dias depois de ser internado às pressas (reparem: seis dias depois de ser internado às pressas!) no Cais do Setor Campinas, em Goiânia. Uma enfermeira do pronto-socorro confirmou a morte no exato momento em que conversava com a reportagem de O Popular. Ele teve parada cardiorrespiratória antes de ser transferido a uma Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). Não suportou mais o martírio (reparem: o martírio!). Médicos relatam que pacientes são obrigados a aguardar até 10 dias para conseguir um leito de UTI pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em Goiânia, mesmo com o aumento de vagas no Estado”. Que iniquidade!
Durante uma semana, entre o final de junho e o começo de julho, O Popular acompanhou link disponibilizado pela Prefeitura em seu site que mostra em tempo real a fila por uma vaga de UTI pelo SUS, a origem dos pacientes na espera e o número de vagas liberadas nas 24 horas que antecedem a consulta ao site. Em média, a fila conta com 52 pessoas de 10 cidades diferentes e 18 vagas de UTI foram liberadas a cada 24 horas. Ou seja, em média, os pacientes nesta fila aguardaram quase 3 dias para conseguir uma vaga” (http://www.opopular.com.br/editorias/vida-urbana/levantamento-em-site-da-prefeitura-mostra-espera-de-3-dias-em-m%C3%A9dia-por-vaga-na-uti-1.1115249).
Segundo a Lei municipal nº 9.756 de 19 de março de 2016, o site da Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia tem a obrigação de divulgar a quantidade de pacientes que aguardam por UTI. A Lei visa dar maior transparência ao processo de regulação das vagas de UTI na capital para a população.
Ora, dar maior transparência, divulgando a quantidade de pessoas que aguardam por UTI, não resolve o problema. Ele só será resolvido com o atendimento imediato a todos e todas (crianças, jovens, adultos e idosos) que precisam de UTI. Esse atendimento imediato é obrigação do Poder Público (Federal, Estadual e Municipal), mesmo que seja a pagamento. Quando um médico especialista encaminha um paciente para ser internado na UTI, quer dizer que o caso é urgente e não pode esperar. A demora na internação é crime de omissão de socorro, é “pena de morte” decretada. O Poder Público deve ser processado, julgado e condenado. A questão das vagas é um problema do Poder Público e não do paciente. Para os que podem pagar sempre tem vagas!
Conforme dizia no artigo citado: “Na Saúde Pública, além do grave problema da falta de vagas em UTIs, existem muitos outros problemas como a falta de estrutura física adequada, a falta de material básico para um atendimento digno, o descaso para com os pacientes, o atendimento precário e, muitas vezes, a longa demora para consegui-lo”.
O ministro da Saúde, Ricardo Barros, do “golpista interino” Michel Temer, ao invés de pensar em privatizar a Saúde, criando o chamado “Plano de Saúde Popular” (mais acessível, com custo e cobertura menor), deveria assumir suas obrigações constitucionais e lembrar que saúde de qualidade é direito de todo(a) cidadão(ã) e obrigação do Estado.
Enfim, o direito à saúde, que é o direito à vida, deve ser sempre prioritário. O que precisa ser mudada - em nível federal, estadual e municipal - é a política de Saúde Pública (e a política em geral), que está a serviço dos interesses dos poderosos e não do povo. Uma outra política de Saúde Pública é possível e necessária! Movimentos Populares, Conselhos de Saúde e Comunidades lutemos por ela. Um SUS de qualidade para todos e para todas!
Os cristãos e cristãs lembremos: fazer Pastoral da Saúde não é somente visitar doentes nas casas e nos hospitais (embora essas visitas sejam muito importantes, como sinal concreto de irmandade e solidariedade), mas é também e sobretudo participar ativamente - como profetas e profetisas do Reino de Deus - dos Movimentos Populares, Conselhos de Saúde e outras Organizações que lutam por uma Saúde Pública de qualidade para todos e para todas.





Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 03 de agosto de 2016