sábado, 24 de agosto de 2019

Governo Bolsonaro: a prova que os “demônios” existem


Hoje, no Brasil, o Governo Bolsonaro é a prova que os “demônios” existem. As falas e as atitudes do presidente são tão perversas, iniquas, arrogantes e cínicas - sobretudo em relação aos pobres - que só podem ser de um “demônio”, apoiado por outros “demônios” (ministros, familiares e outros). 
Bolsonaro e membros de seu Governo são agentes do Mal (o Antirreino de Deus), que - hipócrita e oportunisticamente - pretendem institucionalizar e legitimar, usando o nome de Deus em vão e falsificando o sentido do Evangelho, inclusive com as “bênçãos” de alguns líderes religiosos (padres, pastores e outros) ingênuos ou interesseiros. 
Um exemplo desse comportamento “demoníaco” (além de muitos outros: o incentivo ao porte de armas e à prática da violência; a exaltação da ditadura civil-militar, chamando torturadores de heróis; o aumento da desigualdade social; a destruição do meio ambiente; etc.) é a chamada Reforma (na verdade, Antirreforma) da Previdência.  
Segundo a Constituição da República Federativa do Brasil, “a Seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à Saúde, à Previdência e à Assistência Social” (art. 194).
A Antirreforma da Previdência do Governo Bolsonaro é a destruição da Seguridade Social. Quem paga a conta dessa Antirreforma são os trabalhadores, sobretudo os que ganham menos. Os ricos tornam-se cada vez mais ricos às custas dos pobres cada vez mais pobres.
Temos muitos estudos e pesquisas científicas que - inquestionavelmente - mostram essa realidade “demoníaca”. (Para ter uma visão geral da situação, leia o artigo: Ivo Lesbaupin. A destruição da Previdência Social e o empobrecimento da população.  Em: http://www.sindipublicos.com.br/a-destruicao-da-previdencia-social-e-o-empobrecimento-da-populacao/).
Os deputados e senadores que - sabendo disso (e todos sabem...) votaram e/ou votarão a favor da Antirreforma, são também verdadeiros “demônios”, que matam os pobres (e Jesus de Nazaré na pessoa dos pobres), mesmo quando - farisaicamente - se dizem cristãos, fazem parte da Frente Parlamentar Católica (ou Evangélica) e participam de Movimentos de Igreja como a Renovação Carismática Católica. Quanta hipocrisia! Quanto farisaísmo! Dá nojo!
Na “Mensagem da CNBB ao Povo Brasileiro” (7/5/19), os bispos - reunidos na 57ª Assembleia Geral (Aparecida - SP, 1-10/5/19) - declararam: “Nenhuma Reforma será eticamente aceitável se lesar os mais pobres” (premissa maior). Infelizmente, os bispos não completaram o raciocínio (o silogismo). Como profetas, deveriam ter acrescentado: “A Antirreforma da Previdência do Governo Bolsonaro lesa os mais pobres” (premissa menor). Portanto, “ela não é eticamente aceitável” (conclusão). Quem sabe, um pouco de lógica aristotélico-tomista não poderia ajudar os bispos!
Como Igreja que - no Brasil e no mundo de hoje - tem uma missão profética - nunca esqueçamos as palavras de Santo Oscar Romero: “Num país de injustiças, se a Igreja não é perseguida, é porque é conivente com a injustiça”. 
Parabéns à Arquidiocese de Londrina pelo testemunho profético que nos deu, posicionando-se de maneira clara - com coragem e sem medo - contra a Antirreforma da Previdência do Governo Bolsonaro. A nossa solidariedade a todos os irmãos e irmãs da Arquidiocese, que - por causa de sua postura evangélica - recebem inúmeros ataques. Estamos com vocês!
Ah, se todas as Igrejas no Brasil tivessem tomado ou tomassem a mesma posição da Arquidiocese de Londrina! Infelizmente, a omissão e o comportamento “diplomático” (no Evangelho não existe “diplomacia”) são duas faces “demoníacas” do pecado estrutural da Igreja. “Que o sim de vocês seja sim, e o não seja não. O que passa disso vem do demônio” (Mt 5,37).
Não percamos a esperança! A vitória é nossa! “Neste mundo vocês terão aflições, mas tenham coragem! Eu venci o mundo (do Mal)” (Jo 16,33).

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Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 21 de agosto de 2019

domingo, 18 de agosto de 2019

Omissões que falam por si


Numa leitura atenta das “Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil” (DGAE 2019-2023) da CNBB - aprovadas em 6 de maio passado na 57ª Assembleia Geral (Aparecida - SP, 1-10/05/19) - notam-se imediatamente algumas “omissões” que falam por si. 
Mesmo fazendo - em linguagem atualizada - valiosas reflexões teóricas (como orientações gerais) sobre os desafios do mundo e do Brasil de hoje (a questão da cultura urbana, do meio ambiente, da missionariedade das Comunidades Eclesiais e outras), as Diretrizes revelam de maneira muito clara que, na caminhada pastoral da Igreja no Brasil, está em andamento - embora com muitas resistências - um processo de volta ao modelo de Igreja pré-conciliar. Um retrocesso lamentável!
A primeira omissão é o “esquecimento” do Documento (composto por 16 Mini - Documentos) da II Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e Caribenho de Medellín - 1968 (A Igreja na atual transformação da América Latina e do Caribe, à luz do Concílio Vaticano II). Nas Diretrizes não há uma referência sequer a esse Documento. Consequentemente, nem é citado na “Lista das Siglas” dos Documentos da Igreja universal e latino-americana utilizados na elaboração das Diretrizes.
Em 2018 comemoramos os 50 anos do Documento de Medellín. Infelizmente, notou-se na Igreja - com raras exceções - uma indiferença muito grande em relação a essa data jubilar. Em maio deste ano (2019), a “homenagem” que a CNBB - na elaboração das Diretrizes - prestou ao Documento de Medellín foi o seu “esquecimento”. A Assembleia Geral da CNBB poderia ter sido uma oportunidade para - oficialmente - fazer a memória do jubileu desse Documento e retomar seus principais ensinamentos, destacando sua atualidade.
O Documento de Medellín é a aplicação do Concílio Vaticano II, ou melhor, é o próprio Concílio Vaticano II para a América Latina e o Caribe. Como muito bem disse Clodovis Boff, é o Documento fundante da Igreja Latino-Americana e Caribenha enquanto tal. Até então, a Igreja Latino-Americana e Caribenha era a Igreja Europeia transplantada na América Latina e no Caribe. Os participantes da Conferência de Medellín podem ser considerados os Padres da Igreja Latino-Americana e Caribenha.
O Documento de Puebla - 1979 (Evangelização no presente e no futuro da América Latina e Caribe), o Documento de Santo Domingo - 1992 (Nova Evangelização, Promoção Humana e Cultura Cristã) e o Documento de Aparecida - 2007 (Discípulos missionários de Jesus Cristo para que nossos povos Nele tenham vida) só podem ser lidos (analisados e interpretados) à luz do Documento de Medellín e em “continuidade criativa” com ele. 
A segunda omissão é o “desaparecimento” das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) do texto das Diretrizes (não da vida, graças a Deus). A palavra CEBs encontra-se somente duas vezes, de passagem e sem nenhuma relevância: uma, quando as Diretrizes afirmam que, “recordando  o 14º Intereclesial das CEBs, somos convidados a olhar com alegria e esperança todas as iniciativas que se voltam para as cidades, buscando compreender seu jeito de pensar, sentir e agir” (68); outra, quando dizem que “o empenho por constituir Comunidades Cristãs maduras na fé, deve ser a meta das dioceses, paróquias, CEBs, comunidades novas, movimentos, associações, serviços e famílias” (128).
Que diferença entre as Diretrizes e o Documento de Medellín! No Documento de Medellín, a CEB é “o primeiro e fundamental núcleo eclesial” ou “a célula inicial da estrutura eclesial” (Medellín, XV, 10) e a Paróquia, “um conjunto pastoral unificador das Comunidades de Base” (Ib. 13). As CEBs - na diversidade e beleza de seus “rostos” - são o jeito de ser Igreja que Jesus de Nazaré sonhou, quis e quer. A expressão “de Base” foi acrescentada para nos lembrar que as Comunidades Eclesiais devem (como Jesus de Nazaré) ser “encarnadas” na vida do povo. 
As Diretrizes - como é dito na Introdução - “estão estruturadas a partir da Comunidade Eclesial Missionária, apresentada com a imagem da ‘casa’, ‘construção de Deus’ (1Cor 3,9)” (4). Elas, porém, esquecem de dizer que a primeira “casa” de Jesus foi a “manjedoura” de um estábulo. “Não havia lugar para eles na hospedaria (dentro de casa)” (Lc 2,6). Esquecem também de dizer que a Comunidade Eclesial - como Comunidade de seguidores e seguidoras de Jesus - tem lado: o lado dos Pobres, oprimidos, excluídos e descartados. “Quem diz que permanece em Deus, deve caminhar como Jesus caminhou” (1Jo 2,6).
Por ter lado, a Comunidade Eclesial - embora esteja aberta à participação de todos e de todas que praticam a partilha - se constrói a partir dos Pobres (“desde a manjedoura”). É por isso que ela é “de Base”. Se não for “de Base”, não é Comunidade Eclesial e - menos ainda - Comunidade Eclesial Missionária (“em saída”). Existe algo que seja mais “de Base” que a “manjedoura” de um estábulo? Essa é a verdade que, com todas al letras, precisa ser dita e, infelizmente, as Diretrizes não dizem.
A terceira omissão (que é a causa principal das outras duas omissões) é a “falta” da escuta dos Sinais dos Tempos desde os Pobres, ou seja, a partir (na ótica) dos empobrecidos, oprimidos, excluídos e descartados da sociedade e do mundo. Essa escuta deveria ser (mas, infelizmente, não é) a espinha dorsal das Diretrizes.
Para escutar os Sinais dos Tempos não basta apontar ou fazer breves referências à realidade - conjuntural e estrutural - atual (como fazem as Diretrizes), mas é necessário analisar profundamente essa realidade (com a mediação das ciências humanas e sociais), interpretá-la criticamente (discernir) à luz da razão iluminada pela fé na Palavra de Deus (com a mediação da filosofia e teologia) e libertá-la de tudo aquilo que impede a vida do ser humano e do mundo (da Mãe Terra). 
Por fim - para renovar a nossa esperança e nos fortalecer como cristãos e cristãs - é necessário celebrar a realidade (analisada e interpretada) no Mistério Pascal de Cristo e o Mistério Pascal de Cristo na realidade.
Sigamos com alegria o caminho que Jesus fez: desde a manjedoura até sua morte na cruz e sua ressurreição! Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida!
(Leia: Medellín em gotas: no Site do IHU ou no Blog do Frei Marcos. Até o momento foram publicadas 19 gotas (artigos). Logo retomarei a publicação de mais “gotas”. Leia também: As CEBs na Eclesiologia de Medellín. 2ª edição, Scala Editora, Goiânia, 2018).

CNBB publica as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil 2019-2023

Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 14 de agosto de 2019

sábado, 10 de agosto de 2019

Opção pelos Pobres


No artigo anterior refletimos sobre a “Escuta dos Sinais dos Tempos”. Neste, vamos refletir sobre a “Opção pelos Pobres”: dois temas interligados, que se completam mutuamente e que deveriam ser o fio condutor de todas as nossas reflexões filosófico-teológicas sobre a Igreja.
Por ser o ser humano um ser histórico, situado (no espaço) e datado (no tempo), a “Escuta dos Sinais dos Tempos” - como qualquer outra atividade humana, teórica ou prática - não é neutra, mas tem lado. Ela acontece sempre a partir de uma determinada ótica. Ora, a ótica “humana” (por isso, “ética”) e “cristã” (radicalmente humana) é a ótica dos Pobres.
Portanto, a “Opção pelos Pobres” não é uma alternativa entre duas ou mais alternativas, mas é o caminho da vida: o caminho de Jesus de Nazaré “desde a manjedoura”. “Eu vim para que todos e todas tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).
Fazendo suas as palavras do profeta Isaias, Jesus diz: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para anunciar a Boa Notícia aos Pobres” (Lc. 4,18). Ele não diz: para anunciar “preferencialmente” a Boa Notícia aos Pobres. 
A Opção pelos Pobres - o caminho de Jesus - não exclui ninguém. Todos e todas são chamados e chamadas a se converter, mudar de vida e praticar a partilha (como fez Zaqueu, o homem rico do Evangelho). Mas, cuidado! Jesus diz também: “É mais fácil um camelo passar pelo vão de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus” (Mt 19,24).
Os bens do mundo são um dom do Criador para todos e para todas. A “riqueza”, porém, indica uma relação - pessoal e social - desigual (às vezes, de uma desigualdade gritante), desumana, injusta, antiética e anticristã para com os bens, que - quando institucionalizada e legalizada - torna-se a maior violência. É o pecado estrutural, o Anti-Reino de Deus. A nossa missão como Igreja é combater o Anti-Reino e fazer acontecer o Reino de Deus na história do ser humano e do mundo.
Meditemos: “Num país de injustiças, se a Igreja não é perseguida, é porque é conivente com a injustiça” (Santo Oscar Romero)
Dizer - como li num jornal diocesano - que o maior desafio da Igreja hoje é converter quem tem o poder é - no mínimo - uma afirmação equivocada e não corresponde à verdade. Jesus nunca se preocupou em converter Herodes (que chamou de “raposa”) ou Pilatos e - muito menos - o imperador. Ele anunciou a Boa Notícia do Reino de Deus a todos e a todas, mas “a partir da manjedoura” (não a partir do palácio do imperador). 
Hoje, ouvimos muitas vezes a seguinte afirmação (ou outra semelhante): o “bom economista” e (de forma mais geral) o “bom profissional” - apto para assumir algum cargo no Governo - é uma pessoa “que sempre teve e ainda tem a confiança do mercado”. É o “deus mercado” (outro nome do “deus dinheiro”) que define quem é bom e quem é mau! É a religião do “deus mercado”!
Como seres humanos e - mais ainda - como cristãos e cristãs não podemos aceitar isso. Para nós o “bom economista” e o “bom profissional” é quem sempre teve e ainda tem a confiança dos pobres, dos excluídos e descartados da nossa sociedade profundamente desigual e injusta, que a religião do “deus mercado” quer legitimar. 
Se queremos ser realmente uma Igreja “evangélica”, ou seja, uma Igreja “pobre, para os pobres, com os pobres e dos pobres” (a Igreja que Jesus quis e quer), precisamos nos despojar de todas as insígnias de poder (incorporadas à estrutura da igreja) que são fruto de influências imperiais, feudais e capitalistas, e que não têm nada a ver com o Novo Testamento. As nossas celebrações litúrgicas comunitárias, devem ser bonitas, significativas e ligadas à vida, mas sem luxo, sem ostentação, sem triunfalismo, sem autoritarismo e sem clericalismo. 
Enfim, na diversidade dos carismas (dons) e dos ministérios (serviços) lutemos para sermos, cada vez mais, a Igreja que o Concílio Vaticano II - na perspectiva do Novo Testamento - sonhou. 
“O Vaticano II faz-nos passar: de uma Igreja-instituição ou de uma Igreja-sociedade perfeita para uma Igreja-comunidade, inserida no mundo, a serviço do Reino de Deus; de uma Igreja-poder para uma Igreja pobre, despojada, peregrina; de uma Igreja-autoridade para uma Igreja serva, servidora, ministerial; de uma Igreja piramidal para uma Igreja-povo; de uma Igreja pura e sem mancha para uma Igreja santa e pecadora, sempre necessitada de conversão, de reforma; de uma Igreja-cristandade para uma Igreja-missão, uma Igreja toda ela missionária” (Dom Aloísio Lorscheider. Fotografia da Igreja que o Concílio Vaticano II sonhou).
A Conferência de Medellín (hoje, infelizmente, esquecida) encarnou a Igreja - sonhada pelo Concílio - na realidade da América Latina e do Caribe.  
Parafraseando os Apóstolos, declaramos com toda firmeza: o Espírito Santo e nós não aceitamos retrocessos! 


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Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 07 de agosto de 2019