segunda-feira, 26 de abril de 2021

Ser Igreja-missão


 “O Vaticano II faz-nos passar de uma Igreja-cristandade para uma Igreja-missão, uma Igreja toda ela missionária” (Dom Aloísio Lorscheider). 

A Igreja - como qualquer outra realidade - é no mundo, é mundo e - ser no mundo, ser mundo - significa ser na totalidade das coisas existentes, ser parte integrante dessa totalidade. Como Instituição humana, porém, a Igreja não só é no mundo, é mundo, mas sabe - tem consciência - de ser no mundo, de ser mundo. Por isso, a Igreja é com o mundo, se relaciona com o mundo. 

A relação da Igreja com o mundo acontece de quatro maneiras.

Na 1ª, a Igreja é fermento no mundo. É a Igreja sal da terra e luz do mundo. É a Igreja encarnada na vida do povo. É a Igreja na Base e de Base, que anuncia - com o testemunho e com a palavra - a Boa Notícia de Jesus de Nazaré: o Reino de Deus. É a Igreja Comunhão: Comunidade de irmãos e irmãs em Cristo, filhos e filhas do mesmo Pai-Mãe (Deus), iguais em dignidade e valor, que - na diversidade de ministérios (serviços) e carismas (dons) - transforma o mundo por dentro.

Na 2ª, a Igreja absorve o mundo. É a Igreja poder espiritual e temporal. É a Igreja que - com seu poder religioso imperial - quer dominar o mundo em nome de Deus. É a Igreja-cristandade, triunfalista, cheia de luxo e de pompa. Basta lembrar a tiara que era usada pelo Papa.

Na 3ª, a Igreja se opõe ao mundo. É a Igreja que combate o mundo.  O mundo é mau, não presta e está perdido. É a Igreja que -  por se opor a tudo o que é do mundo - prega a fuga do mundo e a salvação das almas.

Na 4ª, a Igreja é paralela ao mundo. É a Igreja que - mesmo sem se opor - não se interessa pelo mundo. Afirma que tudo o que é do mundo não tem nada a ver com a Igreja. É a Igreja voltada para dentro de si mesma: fundamentalista, individualista e intimista. Sua história é paralela à história do mundo.

Essas quatro maneiras de a Igreja se relacionar com o mundo não são cronológicas. De alguma forma - por ser a Igreja (Instituição e pessoas) santa e pecadora - estão sempre presentes, mas uma delas predomina. A primeira - o jeito de ser Igreja que Jesus quis e quer - predominou na Idade Antiga; a segunda, na Idade Média; a terceira, na Idade Moderna; e a quarta, na Idade Contemporânea (em parte).

Nos últimos 55 anos - depois do Concílio Vaticano II - a primeira maneira de a Igreja se relacionar com o mundo - a de Jesus de Nazaré - irrompeu novamente com toda força do Espírito Santo.

O Concílio Vaticano II fez e ainda faz nos passar de uma Igreja que absorve o mundo - “Igreja-cristandade” - e também, de uma Igreja que se opõe ao mundo ou que não se interessa pelo mundo (2ª, 3ª e 4ª maneiras) para uma Igreja que é fermento no mundo - “Igreja-missão, Igreja toda ela missionária” - (1ª maneira).

Há algum tempo, porém, num processo de retorno ao modelo de Igreja pré-conciliar - articulado pelas forças conservadoras e reacionárias da Igreja (refiro-me à Igreja Católica) - há um embate entre a primeira e a quarta maneira de a Igreja se relacionar com o mundo. Com certeza, a primeira será vitoriosa, porque Jesus quer.

"Como Cristo, por sua encarnação ligou-se às condições sociais e culturais dos seres humanos com quem conviveu; assim também deve a Igreja inserir-se nas sociedades, para que a todas possa oferecer o mistério da salvação e a vida trazida por Deus” (A atividade missionária da Igreja - AG, 10).

É urgente! Ouçamos as palavras do nosso irmão o Papa Francisco e seu premente apelo: “Soube que são muitos na Igreja aqueles/as que se sentem mais próximos dos Movimentos Populares. Muito me alegro por isso! Ver a Igreja com as portas abertas a todos vocês, que se envolve, acompanha e consegue sistematizar em cada Diocese, em cada Comissão ‘Justiça e Paz’, uma colaboração real, permanente e comprometida com os Movimentos Populares. Convido-vos a todos, bispos, sacerdotes e leigos (todos os cristãos/as), juntamente com as organizações sociais das periferias urbanas e rurais, a aprofundar este encontro” (2º Encontro Mundial dos Movimentos Populares. Santa Cruz de la Sierra - Bolívia, 09/07/15). É esse o caminho para sermos - hoje - Igreja-missão (Igreja “em saída”)!

Com este texto, termino a primeira série de artigos sobre a Igreja que o Vaticano II sonhou.







Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Goiânia, 14 de abril de 2021

 

 

 

O artigo foi publicado originalmente em:
https://portaldascebs.org.br/2021/04/23/ser-igreja-missao/

quinta-feira, 1 de abril de 2021

Na pandemia ou não, despejos nunca mais!

 

O advogado Leandro Gaspar Scalabrin, representante do Observatório de Direitos Humanos (ODH) do Poder Judiciário, apresentou aos ministros do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) alguns dados do relatório sobre o Direito à Moradia, produzido pela Entidade em junho de 2020.

Scalabrin explicou: “Durante a pandemia (somente até junho de 2020) já ocorreram 79 despejos. Nesses, 9 mil famílias foram colocadas em situação de desabrigo. Atualmente (sempre em junho de 2020), 64 mil famílias estão ameaçadas de despejo no Brasil”.

Diante de novas liminares de despejo coletivo - “reintegração de posse” - nas Ocupações urbanas e nos Acampamentos rurais, a CNBB propôs que o Conselho Nacional de Justiça, “no âmbito de suas competências, recomende providências aos órgãos do Poder Judiciário no sentido de suspender o cumprimento de mandados coletivos de desocupações de imóveis urbanos e/ou rurais até a ocorrência efetiva de imunização social, por meio de vacina e/ou remédio, da população brasileira, especialmente daquelas pessoas mais vulneráveis e atingidas pelas ordens de despejos coletivos”.

Atendendo a proposta da CNBB - apresentada ao Poder Judiciário através do Observatório dos Direitos Humanos (ODH) - o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no dia 23 de fevereiro passado, em sua 325ª Sessão Ordinária, aprovou uma resolução recomendando ao Judiciário que não autorize ações de despejo coletivo durante a pandemia da Covid-19.

(Fonte:  https://www.cnbb.org.br/proposta-da-cnbb-para-que-o-judiciario-nao-autorize-despejos-na-pandemia-e-aprovada-no-conselho-nacional-de-justica/ e https://www.cnbb.org.br/observatorio-dos-direitos-humanos-cnbb-proposta-contra-despejo-de-familias/)

Neste contexto de pandemia - por serem os despejos coletivos de uma perversidade e crueldade diabólicas - a resolução do CNJ representa, sem dúvida, uma grande vitória para todos e todas que lutam pelo direito à terra de trabalho e à moradia digna.

Esperamos que - terminada, se Deus quiser, a pandemia - a CNBB dê mais um passo à frente e declare profeticamente, de maneira clara e inequívoca, que todo despejo coletivo (o que comumente acontece, mas vale também para o despejo de uma só família ou pessoa) é sempre - em qualquer situação - injusto: desumano, antiético e anticristão.

O Evangelho de Jesus de Nazaré não deixa margem para meias verdades, comportamentos diplomáticos e acordos parciais. “Que o sim de vocês seja sim, e o não seja não. O que passa disso vem do Maligno” (Mt 5,37).

“Despejo” - chamado hipócrita e legalmente de “desocupação” ou “reintegração de posse” - é uma palavra que se usa somente para falar de “lixo”. Até quando se fala de objetos - melhor tratados que as pessoas - usa-se sempre a palavra “remoção” ou “descarga” (dependendo do caso) e não “despejo”.

Do ponto de vista da justiça - o ponto de vista humano, ético e cristão - só é permitida a remoção com dignidade de famílias de suas moradias em Ocupações urbanas ou Acampamentos rurais em dois casos: quando a terra ocupada é de utilidade pública ou de preservação ambiental e - mesmo nesses casos -  só depois que estiverem prontas outras moradias para receberem as famílias.

A propriedade particular não é um direito absoluto, mas deve ter uma função social e, por motivo de utilidade pública, o Governo (Municipal, Estadual e Federal) - se necessário -  pode sempre recorrer à desapropriação.

As terras abandonadas para fins de especulação imobiliária (como é comum acontecer nas grandes cidades), as terras de latifúndios improdutivos, as terras com monoculturas que destroem a natureza e visam unicamente a exportação e o lucro e as terras com trabalho escravo, devem ser destinadas pelo Governo (Municipal, Estadual e Federal) - avaliando a necessidade ou não da desapropriação - à implantação de projetos de moradia popular (na cidade) ou de reforma agrária popular (no campo).

Terra, Teto (Moradia) e Trabalho (os três T) - lembra-nos o Papa Francisco - são Direitos Humanos fundamentais de todos e de todas.

Na pandemia ou não, despejos nunca mais!

(Leia o artigo "Todo despejo é injusto!", em: http://www.ihu.unisinos.br/602803-todo-despejo-e-injusto ou em: http://freimarcos.blogspot.com/2020/09/todo-despejo-e-injusto.html ).








Grito dos Excluídos/as 2020 (Goiás)



Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Goiânia, 29 de março de 2021