sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

No Natal Jesus tem lado

 



No Natal - e em toda a sua vida - Jesus tem lado, o lado dos pobres: os oprimidos, os excluídos, os descartados e todos aqueles e aquelas que - na sociedade - não têm voz e vez. Desde o nascimento até a morte na cruz, Jesus sempre se identificou e solidarizou com os pobres, incluindo a Irmã Mãe Terra Nossa Casa Comum.

Ainda no seio de sua mãe Maria, Jesus foi “morador de rua”. Para cumprir o decreto de recenseamento, ordenado pelo imperador Augusto, “José, que era da família e descendência de Davi, subiu da cidade de Nazaré, na Galileia, até à cidade de Davi, chamada Belém, na Judeia, para registrar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida” (Lc 2,4-5). Maria - antes de encontrar um estábulo para dar à luz - deve ter perambulado e dormido, com seu esposo José, nas ruas de Belém.

Jesus nasceu como “sem-teto”. Enquanto Maria e José estavam em Belém, “completaram-se os dias para o parto. Ela deu à luz seu filho primogênito. Envolveu-o em panos e o deitou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles dentro da casa” (Ib. 2,6-7).

Jesus anunciou a Boa Notícia do seu nascimento aos “sem-terra”, os pastores de ovelhas da época, malvistos e desprezados pelos poderosos, porque ocupavam os campos com seus rebanhos. O mensageiro de Deus disse aos pastores: “Não tenhais medo! Porque eis que lhes anuncio a Boa Notícia, uma grande alegria para todo o povo: hoje, na cidade de Davi, nasceu para vocês um Salvador, que é o Messias e Senhor” (Ib. 2,10-11).

Jesus - ainda criança - foi “migrante e refugiado” no Egito por causa da ganância de Herodes que queria matá-lo. O mensageiro de Deus falou em sonho a José: “Levante-se, pegue o menino e a mãe dele, e fuja para o Egito. Fique aí até que eu lhe avise, porque Herodes vai procurar o menino para matá-lo. Ele se levantou, e de noite pegou o menino e a mãe dele, e foi para o Egito. E aí ficou até a morte de Herodes” (Mt. 2,13-15).

Em sua vida anônima Jesus foi trabalhador. Foi carpinteiro com seu pai José. A respeito de Jesus, as pessoas diziam: “De onde vêm essa sabedoria e esses milagres? Esse homem não é o filho do carpinteiro?” (Ib. 13,54-55). “Esse homem não é o carpinteiro?” (Mc 6,3).

Em sua vida pública - anunciando a Boa Notícia do Reino de Deus - Jesus foi sempre próximo e entranhadamente solidário com os pobres. Entre os muitos exemplos que poderíamos lembrar, cito o do homem com a mão direita seca. “Jesus disse ao homem: ‘Levante-se e fique no meio’. ‘Estenda a mão’. O homem assim o fez e sua mão ficou boa” (Lc 6,8.10).

Jesus, cheio de indignação, denunciou a hipocrisia dos fariseus e doutores da Lei. “Ai de vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas! Vocês são como sepulcros caiados: por fora parecem bonitos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e podridão! Assim também vocês: por fora parecem justos diante dos outros, mas por dentro estão cheios de hipocrisia e injustiça” (Mt 23,27-28).

Jesus celebrou a última Ceia com os discípulos e lavou seus pés. “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim (Jo 13,1). “Não existe amor maior do que dar a vida pelos amigos” (Jo 15,13).

Jesus foi preso e acusado de “subverter” o povo. “Achamos este homem fazendo subversão entre o nosso povo” (Lc 23,2). Em seguida, foi morto na cruz como criminoso. “Jesus deu um forte grito: ‘Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito’. Dizendo isso, espirou” (Ib. 23,46).

Jesus - o Libertador, o Salvador, o Filho de Deus - ressuscitou dos mortos. Às mulheres, angustiadas por não ter encontrado o corpo de Jesus no túmulo, os mensageiros de Deus disseram: “Por que vocês estão procurando entre os mortos aquele que está vivo? Ele não está aqui! Ressuscitou!’” (Ib. 24,5-6).

Jesus Ressuscitado enviou o Espírito Santo aos discípulos e discípulas. “Ele lhes disse: ‘A paz esteja com vocês. Assim como o Pai me enviou, eu também envio vocês’. Tendo falado isso, soprou sobre eles e elas, dizendo: ‘Recebam o Espírito Santo’” (Jo 20,21-22).

Jesus Ressuscitado continua vivo na Comunidade dos seus seguidores e seguidoras. “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estou aí no meio deles” (Mt 18,20). “Eu estarei com vocês todos os dias, até o fim dos tempos” (Ib. 28,20).

Perguntamo-nos:

  • Onde vai ser o Natal de Jesus, hoje? Com certeza, ele não vai ser nos palácios dos poderosos - opressores do povo - e nem nas Igrejas luxuosas e cheias de ouro. O Natal de Jesus vai ser nos Grupos de Moradores em situação de Rua, nas Ocupações urbanas e rurais, nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), nos Movimentos Sociais Populares, nos Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras e nos Partidos Políticos Populares, que - com garra, coragem e muita fé - lutam pela Vida: Vida digna para todos e para todas. “Eu vim para que tenham Vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).
  • E nós, que como seguidores e seguidoras de Jesus fazemos a memória - tornamos presente - o seu Natal hoje, temos lado? Qual é o nosso lado? É o lado de Jesus? É o lado dos pobres?
  •   Vivamos o Natal de Jesus e seremos felizes! Um Ano Novo de muita ESPERANÇA, JUSTIÇA E PAZ!


Moradores de Rua de Campos: presépio debaixo da “Ponte Rosinha” 
noticiaurbana.com.br
   




 

Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Goiânia, 22 de dezembro de 2021

 

 


 

terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Trindade: um Santuário faraônico

 

Acabara de terminar o 1º Santuário Novo - hoje Basílica - do Divino Pai Eterno, em Trindade - GO, quando a Igreja Católica, imbuída do desejo de triunfalismo, grandeza, poder e luxo - que nada tem a ver com o Evangelho de Jesus de Nazaré - começou a pensar na construção de um 2º Santuário Novo: um Santuário faraônico, uma clara amostra daquilo que a Igreja não deve ser.

“Ambiciosa, a obra foi idealizada para abrigar 100 mil pessoas, 20 vezes mais o número de fiéis do que comporta o atual Santuário. Lançada em 2010, foi orçada inicialmente em R$ 100 milhões, mas em uma das últimas entrevistas que concedeu, o então reitor, padre Robson de Oliveira, mencionou um custo de R$ 1,4 bilhão. Ocupando uma área de 146 mil m2, a construção começou em 2012. Um longo tempo foi dedicado às etapas de terraplenagem, fundações e estruturas subterrâneas” (O Popular, 11 e 12/12/21, p.14).

O 2º Santuário Novo terá uma cúpula “com 94 metros de altura, o que equivale a um prédio de 30 andares; e o campanário, com 100 metros de altura, que vai abrigar o maior sino do mundo’, já batizado de Vox Patris (Voz do Pai), com 54 toneladas e 4 metros de altura e com imagens fundidas que representam a devoção ao Divino Pai Eterno, e outros 72 sinos menores. O valor do Vox Patris foi estimado em R$ 17 milhões”. Os sinos foram “encomendados à empresa polonesa Metalodlew SA, referência no assunto” (Ib.). Que absurdo!

Enquanto isso, Jesus passando fome e morrendo de inanição na pessoa de milhões de pobres. Será que a “Vox Patris” deseja isso? Meditemos!

A Associação Filhos do Pai Eterno (AFIPE) encontra-se atualmente “no centro de denúncias feitas pelo Ministério Público de Goiás (MP-GO) em agosto de 2020, quando foi desencadeada a Operação Vendilhões, que colocou como principal investigado o idealizador e então presidente da AFIPE, padre Robson de Oliveira. Ele foi acusado de desviar recursos doados por fiéis” (Ib.).          

De acordo com o MP-GO. Padre Robson “foi responsável por um esquema de desvio de dinheiro arrecadado junto aos devotos pela AFIPE e outras duas Associações vinculadas ao Santuário Basílica. Recursos que teriam sido destinados à compra de imóveis de luxo e fazendas” (Ib.).

Sempre “de acordo com a AFIPE, até a Operação Vendilhões, a Instituição arrecadava R$ 20 milhões por mês e as despesas fixas superavam a casa de R$ 17 milhões” (Ib.).

Em tudo isso, existe uma agravante: a exploração, em nome de Deus, do sentimento religioso do povo. Cito um exemplo. Num determinado dia, um senhor me confidenciou: eu pagava mensalmente a contribuição exigida para pertencer à Associação dos Filhos do Divino Pai Eterno. Há algum tempo, porém, devido a novos problemas que surgiram na família, não tenho mais condições de continuar pagando. Mas todo mês continuo recebendo a cartinha do Pe. Robson, cobrando o pagamento da contribuição. Notei que aquele senhor estava com escrúpulo de consciência. Tive que tranquilizá-lo, dizendo que - na situação na qual se encontrava - era mais filho do Divino Pai Eterno não pagando do que pagando. Logo percebi que o senhor ficou aliviado. Parecia ter tirado um peso de sua consciência. Dá para entender?

Voltando à Operação Vendilhões, as denúncias levantadas precisam ser investigadas e - se comprovada sua veracidade - os responsáveis deverão ser julgados, condenados e presos.

Ora - independentemente das falcatruas que tenham sido cometidas - o que eu quero denunciar neste artigo é o modelo de Igreja que está por trás do 2º Santuário Novo. Trata-se de um modelo de Igreja que não tem nada a ver com o Evangelho. É o oposto da Igreja que Jesus de Nazaré quer: uma Igreja pobre, para os pobres, com os pobres e dos pobres.

Além de tudo - diga-se de passagem - no 1º Santuário Novo só não cabe o povo em duas ou três Missas por ano, no dia da Festa. Se realmente a preocupação fosse não deixar - nas Missas Campais - o povo ao ar livre e debaixo do sol ou da chuva, com as técnicas modernas, podiam ser construídos galpões simples, seguros, bonitos e multiusos, que serviriam também para abrigar os romeiros do Divino Pai Eterno e para que os romeiros, sentados, pudessem tomar suas refeições e descansar.

Com certeza, uma Igreja triunfalista, poderosa e toda ornamentada com objetos de ouro, não é a Igreja de Jesus de Nazaré, que nasceu numa manjedoura, viveu como pobre ao lado dos pobres e morreu na cruz no meio de dois ladrões.

Que o Divino Pai Eterno nos ilumine a todos e a todas para que sejamos - em nossa realidade de hoje - verdadeiros seguidores e seguidoras de Jesus de Nazaré.

Desde já, desejo aos leitores e leitoras um Feliz Natal! Lembremos: Jesus nasce numa manjedoura, como “sem-teto”. “Não havia lugar para eles (Maria grávida e José) dentro de casa” (Lc 2,7).


                                          https://iserassessoria.org.br/e-de-outra-igreja-que-precisamos/


Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Goiânia, 16 de dezembro de 2021



terça-feira, 30 de novembro de 2021

A questão da “dignidade” na Igreja

 


A respeito da questão da “dignidade”, a Igreja - influenciada pela cultura dominante na sociedade, que é a cultura capitalista neoliberal e não a cultura popular - coloca primeiramente a dignidade no cargo que a pessoa humana ocupa e não na própria pessoa humana. Com isso, consciente ou inconscientemente, ela nega um valor humano e cristão (radicalmente humano, evangélico) fundamental, causando muitas injustiças.

Como exemplo, vejam o que reza uma Oração (depois da Benção do Santíssimo Sacramento ou do Rosário) muito conhecida pelo povo: “Derramai as vossas bênçãos sobre o nosso Santo Padre, o papa, sobre o nosso bispo, sobre o nosso pároco e todo o clero, sobre o chefe da nação e do Estado e sobre todas as pessoas constituídas em dignidade para que governem com justiça”.

Pergunto: Existe alguma pessoa humana que não é “constituída em dignidade”? É verdade que os defensores dessa maneira de ver a realidade fazem uma distinção e dizem que existe uma dignidade inerente a pessoa humana e uma dignidade inerente ao cargo que ela ocupa. É “uma conversa pra boi dormir”, que pretende “naturalizar” e “legitimar” essa mentalidade.

A dignidade está somente na pessoa humana e é ela que dá valor ao cargo ocupado. O meu irmão ou irmã que mora na rua - vítima de uma sociedade injusta, iníqua e perversa - tem a mesma dignidade do papa ou do presidente da República. Toda pessoa humana é “constituída em dignidade”.

Infelizmente, em nossa sociedade - e na Igreja - existem muitos preconceitos a respeito da dignidade humana. “Para reconhecermos que a dignidade humana é fundamental, precisamos fazer algumas perguntas: Qual é o nível de humanidade e dignidade atribuído a pessoas negras, indígenas, LGBTQIA+, aos migrantes e às mulheres? Quais mortes causam mais comoções e quais delas a sociedade considera aceitáveis? Quem são as pessoas que têm mais oportunidades?”.

E ainda: “O principal fundamento dos Direitos Humanos é a garantia da dignidade humana. Todos os seres humanos devem ter reconhecido seu direito a ter direitos (saúde, educação, emprego, moradia, saneamento básico, justiça, etc.). Portanto, violências no campo físico, moral, psíquico, social e cultural são inaceitáveis. Mas, os princípios que norteiam a dignidade humana estão longe de serem realidade na nossa sociedade (e na Igreja). Ainda temos hoje, diversos grupos sociais privados do direito à vida” (https://usinadevalores.org.br/dignidade-humana/).

Apesar de tudo isso, podemos afirmar que “os seres humanos de hoje tornam-se cada vez mais conscientes da dignidade da pessoa humana e, cada vez em maior número, reivindicam a capacidade de agir segundo a própria convicção e com liberdade responsável, não forçados por coação mas levados pela consciência do dever” (Concílio Vaticano II. Dignitatis Humanae - DH, 1).

Todos os seres humanos, homens, mulheres e pessoas com identidade de gênero ou orientação sexual diferentes (LGBTQIA+) - por serem imagem e semelhança de Deus - têm a mesma dignidade e o mesmo valor. “Deus disse: ‘Façamos o ser humano à nossa Imagem e semelhança’. (...) E Deus criou o ser humano à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, macho e fêmea os criou” (Gn 1,26-27).

“Na Igreja, Povo de Deus, é comum (deveria ser comum...) a dignidade dos filhos e filhas de Deus batizados e batizadas, no seguimento de Jesus, na comunhão recíproca e no mandamento missionário” (Exortação Apostólica Pós-sinodal “Ecclesia in America - EA 44).

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade” (Declaração Universal dos Direitos Humanos - 1948, art. 1). É esse o nosso ideal! Lutemos por ele!

Com o presente texto inicio a terceira série de artigos - reflexões eclesiológicas na perspectiva libertadora - sobre algumas questões, que são fundamentais e que só foram mencionadas de passagem em outros artigos: as questões da “dignidade” (este artigo), da “igualdade”, da “democracia”, da “sinodalidade”, da “comunhão”, da “participação”, da “missão”, da “radicalidade”, do “pecado estrutural”, do “pecado individual”, da “graça estrutural” e da “graça individual” na Igreja. (Os destaques em negrito são meus).


                                                        Ilustração da V Jornada Mundial dos Pobres no Brasil - CNBB - 2021


Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Goiânia, 15 de outubro de 2021


O artigo foi publicado originalmente em:
https://portaldascebs.org.br/a-questao-da-dignidade-na-igreja/


terça-feira, 9 de novembro de 2021

Direito famélico

 

No Jornal O Popular (Goiânia - GO) do dia 30 e 31 de outubro próximo passado, na página 14, sobre a VIDA URBANA, lemos a seguinte manchete: “Furto famélico está em 20% das prisões”.

Mariana Carneiro - autora da reportagem -  começa o seu texto com estas palavras: “Uma a cada cinco prisões em flagrante por furto, em Goiânia, nos dias úteis de julho a 26 de outubro deste ano, foi por furto famélico, quando a pessoa comete o delito para se alimentar”.

A jornalista, de um lado, relata que Gilles Gomes, advogado criminalista, “durante inspeções em presídios já conheceu pessoas que estavam presas por terem cometidos furtos famélicos”; de outro lado, relata que “desde 2004, existe um entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que casos com esse perfil devem ser arquivados, segundo o princípio da insignificância, casos em que o valor do furto é tão irrisório que não causa prejuízo à vítima do crime. Entretanto, a norma não é obrigatória”.

Na reportagem, Leonardo Stutz, defensor público da área criminal, afirma que “a situação reflete o cenário de pobreza estrema que muitos brasileiros enfrentam”: situação que - acrescento eu - é fruto de um sistema hipócrita e perverso, estruturalmente antiético (ou seja, desumano) que é o sistema capitalista ultraneoliberal.

Mesmo reconhecendo a gravidade da situação, a respeito dos chamados “furtos famélicos”, os juízes - com poucas exceções - não estão preocupados em salvaguardar o direito à alimentação das pessoas que se encontram em extrema necessidade. A preocupação deles é que o “furto” não cause prejuízo à vítima do “crime”.

Infelizmente, nesses casos, as decisões dos juízes são quase sempre muito ambíguas e - na maioria das vezes - descaradamente a favor dos poderosos. Também, dá para entender! Vejam só!

“Em Goiás (nos outros Estados não deve ser muito diferente), 170 juízes (do TJ) receberam mais de R$ 100 mil em outubro” (deste ano), incluindo os adicionais, chamados “penduricalhos”.  No mesmo mês, “o maior rendimento bruto foi de R$ 162 mil. Neste caso, o magistrado recebeu subsídio de R$ 35,4 mil e R$ 5 mil em direitos pessoais (abono permanência)” (https://opopular.com.br/noticias/politica/em-goi%C3%A1s-170 ju%C3%ADzes-receberam-mais-de-r-100-mil-em-outubro-1.2348767). Como podemos acreditar na justiça desses juízes?

Mesmo que os pobres e, sobretudo, os mais pobres entre os pobres -que, por extrema necessidade, praticaram “furtos famélicos” - não cheguem a ser presos ou fiquem presos por pouco tempo por serem os casos arquivados, seguindo o princípio da insignificância, eles e elas são sempre humilhados com maus-tratos e palavras desrespeitosas, como: “furtam bolacha, leite, macarrão”, “furtam alimentos vencidos”, “presos por cometerem furtos famélicos”, “presos em fragrante furto”, “cometem delito para se alimentar”, “praticam uma conduta ilícita”, etc.

Segundo o ensinamento ético (o ético é o humano) de Santo Tomás de Aquino (1225-1274) - que integra o Pensamento Social Cristão - quando uma pessoa ou um grupo de pessoas encontra-se em situação de miséria ou de extrema necessidade, “tudo é comum ou seja, todos os bens são de todos e de todas(“In casu extremae necessitatis, omnia sunt communia”: Suma Teológica. IIa IIae, questão 32, artigo 7, resposta 3). 

Portanto, do ponto de vista ético - humano e cristão (radicalmente humano) -  o chamado “furto famélico” não é “furto”, não é “crime”, não é “delito”, não é “conduta ilícita”, mas é “direito famélico”, “direito à alimentação”, que é um direito fundamental de toda pessoa humana e é parte integrante do direito à vida.

Lutemos por esse direito e por um novo modelo de sociedade: justo, igualitário, de irmãos e irmãs.

(Todos os destaques em negrito - menos a manchete da reportagem - são meus)








Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Goiânia, 05 de novembro de 2021




CEBs: uma Igreja que vive a Espiritualidade da Libertação

 


“O seguimento de Jesus é fruto de uma fascinação

que responde ao desejo de realização humana,

ao desejo de vida plena”

 (Documento de Aparecida - DA, 277)


Toda verdadeira Espiritualidade é “da Libertação”, porque “liberta” de tudo aquilo que impede a vida. “Eu vim para que todos e todas tenham vida e a tenham em plenitude” (Jo 10,10).

As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) - mesmo diante dos inúmeros desafios que precisam enfrentar no dia a dia - são uma Igreja que vive a Espiritualidade da Libertação: uma espiritualidade humana, cristã, pascal e do seguimento de Jesus.

A Espiritualidade da Libertação é, antes de tudo, espiritualidade humana. Ela envolve o ser humano todo, em todas as suas dimensões (corpóreas, biopsíquicas e espirituais ou pessoais) e em todas as suas relações (sociais, econômicas, políticas, ecológicas, culturais e religiosas) com o mundo material e vivente, com os outros-semelhantes e com o Outro absoluto-Deus. A Espiritualidade perpassa, impregna e absorve a totalidade do ser humano, a totalidade de sua existência.

Portanto, ser espiritual significa antes de tudo ser “humano”, viver o “humano” em graus crescentes de profundidade. Nunca o ser humano é “humano” demais, nunca o ser humano exagera em ser “humano”.

“Não se encontra nada verdadeiramente humano que não ressoe no coração dos discípulos e discípulas de Cristo” (Concílio Vaticano II. A Igreja no mundo de hoje - GS 1).

Para os que somos cristãos e cristãs, à luz da fé, a espiritualidade humana é espiritualidade cristã (evangélica). Não são duas espiritualidades diferentes. É a mesma espiritualidade. A espiritualidade não pode ser cristã se não for humana e, se for humana, é - implícita ou explicitamente - cristã.

"A fé esclarece todas as coisas com luz nova. Manifesta o plano divino sobre a vocação integral do ser humano. E por isso orienta a mente para soluções plenamente humanas" (GS 11).

O plenamente humano inclui a dimensão da fé. Quando verdadeira, a fé humaniza, torna o ser humano mais ser humano. O autêntico cristianismo é um humanismo pleno (radical). Ser cristãos e cristãs é ser plenamente (radicalmente) humanos.

Trata-se de uma solidariedade (compaixão) entranhável dos que somos cristãos e cristãs para com todos os seres humanos e com a Irmã Mãe Terra Nossa Casa Comum, a partir dos pobres, marginalizados, explorados, oprimidos, excluídos e descartados.

A espiritualidade cristã é, pois, espiritualidade pascal, ou seja, espiritualidade que brota da vivência, sempre mais profunda, da Páscoa (o mistério do Cristo crucificado, sepultado e ressuscitado). Para os que somos cristãos e cristãs, o mistério pascal é o centro da nossa vida na sociedade e no mundo. Do ponto de vista celebrativo, ele é o centro do ano litúrgico. A liturgia é a celebração do mistério pascal na vida e a celebração da vida no mistério pascal.

Viver o mistério pascal - a espiritualidade pascal - significa viver como Jesus viveu, morrer como Jesus morreu, ressuscitar como Jesus ressuscitou.

A espiritualidade pascal é "espiritualidade de comunhão" (DA 181, 307, 316); é “espiritualidade de comunhão com todos os e as que creem em Cristo” (DA 189); e é “espiritualidade de comunhão missionária" (DA 203).

A alma (a vida) da espiritualidade pascal é o Espírito Santo, o Amor de Deus, que nos faz mergulhar no mistério da Santíssima Trindade, a “melhor Comunidade”, nos torna testemunhas do Cristo Ressuscitado e nos compromete com o seu Projeto de Vida, que é o Reino de Deus na sociedade e no mundo.

A espiritualidade pascal é, pois, espiritualidade do seguimento de Jesus de Nazaré. "Todo aquele que segue Cristo, o Homem perfeito, torna-se ele também mais ser humano" (GS 41).

“No seguimento de Jesus Cristo, aprendemos e praticamos as bem-aventuranças do Reino, o estilo de vida do próprio Jesus: seu amor e obediência filial ao Pai, sua compaixão entranhável frente à dor humana, sua proximidade aos pobres e aos pequenos, sua fidelidade à missão, seu amor serviçal até à doação de sua vida” (DA 139).

Os cristãos e cristãs somos chamados a ser hoje “profetas e profetisas da vida” nas situações concretas da realidade do ser humano e do mundo. Vivamos essa espiritualidade! É o caminho da felicidade!







Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Goiânia, 15 de outubro de 2021



O Artigo foi publicado originalmente no Portal das CEBs:
https://portaldascebs.org.br/cebs-uma-igreja-que-vive-a-espiritualidade-da-libertacao/


segunda-feira, 4 de outubro de 2021

CEBs: uma Igreja que é militante de um Mundo Novo

 



As CEBs não são somente uma Igreja que é sinal visível do Reino de Deus no Mundo (como vimos), mas são também - e ao mesmo tempo - uma Igreja que é militante de um Mundo Novo.

Por serem uma Igreja profundamente inserida e encarnada na vida do Povo - as CEBs são aliadas ou organicamente ligadas a todas as Forças Sociais Populares: Movimentos Sociais Populares, Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras, Partidos Políticos Populares, Conselhos de Direitos, Fóruns ou Comitês de Defesa dos Direitos Humanos e de Cuidado com a Irmã Mãe Terra Nossa Casa Comum, de Comissões de Justiça e Paz, de Entidades de Jovens Estudantes e Outras Organizações Populares.

As CEBs têm uma identidade eclesial, reconhecem a autonomia das Forças Sociais Populares e são parte integrante delas.

Por serem portadoras do novo, as Forças Sociais Populares fazem acontecer um Projeto alternativo ao Projeto Capitalista neoliberal dominante: o Projeto Popular (social, econômico, político, ecológico, cultural e religioso), o Projeto de Outro Mundo possível, o Projeto de um Mundo Novo, que - à luz da fé - é o Reino de Deus acontecendo na história do ser humano e da Irmã Mãe Terra, Nossa Casa Comum.

Em sua ação evangelizadora, ou seja, no anúncio da Boa Notícia do Reino de Deus, as CEBs são servidoras e samaritanas, vivem a compaixão e a misericórdia e estão sempre do e ao lado dos pobres.

Para as CEBs, a “opção pelos pobres” (empobrecidos), marginalizados, oprimidos, excluídos e descartados não é uma “opção preferencial”, ou seja, não é uma alternativa entre duas ou mais alternativas, mas é o caminho que leva à vida: o caminho de Jesus de Nazaré e de seus seguidores e seguidoras.  

A “opção pelos pobres” é profundamente evangélica - profética e libertadora - e não meramente ideológica (embora as ideologias sejam uma mediação necessária, por ser o ser humano um ser histórico, situado e datado). Ela é o eixo estruturante do jeito de ser Igreja das CEBs e de sua ação evangelizadora. Todos e todas são convidados e convidadas a entrar nesse caminho. A partir dos e das pobres - e junto com eles e elas - as CEBs participam do processo de libertação do ser humano todo e de todos os seres humanos no mundo com o mundo, segundo o Projeto de Deus.

O referencial das CEBs é sempre a práxis de Jesus de Nazaré. Pela sua proximidade, compaixão e entranhável solidariedade, ele tornou-se defensor intransigente do povo; denunciou, com indignação e firmeza, a hipocrisia dos fariseus e doutores da Lei. “Serpentes! Raça de cobras venenosas!” (Mt 23,33). Dialogou com o jovem rico, que - pelo seu apego aos bens - não teve coragem de segui-lo e foi embora triste. Encontrou com Zaqueu - também homem rico - em sua casa, que se converteu e mudou totalmente de vida, praticando a partilha dos bens.

A presença de Jesus e o anúncio da Boa Notícia do Reino de Deus - que é a sua Utopia, o seu Projeto de Vida - não deixaram e não deixam ninguém indiferente (ou, como se costuma dizer, “em cima do muro”). Todos e todas sentiram-se e sentem-se obrigados e obrigadas a tomar uma posição: a favor ou contra.

Pela sua pregação, Jesus foi considerado subversivo. “Achamos este homem fazendo subversão entre o nosso povo” (Lc 23,2).

Em nossa realidade, a “opção pelos pobres” leva necessariamente as CEBs - uma Igreja que é militante de um Mundo Novo - a tomar uma posição clara e firme contra o sistema capitalista neoliberal, denunciando - com coragem profética - a perversidade do sistema, e lutando para abrir caminhos novos que levem a mudanças não só conjunturais, mas também e sobretudo estruturais, em vista de um novo modelo de sociedade.

Por fim, as CEBs são uma “Igreja pobre, para os pobres, com os pobres e dos pobres": a Igreja de Jesus de Nazaré, a nossa Igreja.




Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Goiânia, 15 de setembro de 2021

 



quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Uma perversidade diabólica do prefeito Gustavo Mendanha

 

 

“A Prefeitura de Aparecida de Goiânia, com a ajuda da Guarda Civil Municipal (GCM) e da PM, realiza o segundo despejo violento na Ocupação Beira-Mar, no bairro Independência das Mansões, às 6h da manhã dessa segunda-feira (27 de setembro). 56 famílias perderam sua moradia em meio à pandemia e a enorme crise econômica. A Prefeitura realizou o despejo sem mandato judicial ou ordem administrativa! Não houve também nenhuma notificação prévia às famílias.

A Campanha Despejo Zero denuncia mais um despejo truculento e ilegal em Goiás” (Comitê de Direitos Humanos de Goiás Dom Tomás Balduino).

Sou membro do Comitê e é com muita indignação que declaro: a denúncia da Campanha Nacional Despejo Zero - que tem todo meu apoio - é também a minha denúncia. Trata-se - mais uma vez - de um ato de uma perversidade diabólica. Digo mais: além de ilegal, todo despejo é imoral e injusto. A própria palavra “despejo” é desrespeitosa e ofensiva.

Infelizmente, em pleno tempo de pandemia, às 6 horas da manhã (dia 27) Gustavo Mendanha - de maneira violenta, covarde e sem nenhum respeito pelas crianças, idosos e idosas, trabalhadores e trabalhadoras que, como verdadeiros heróis e heroínas, lutam pelo direito sagrado à moradia digna e por um Brasil mais justo e humano - são barbaramente despejados e despejadas, como se fossem criminosos e criminosas, por um Prefeito insensível e perverso. Chega de tanta violência e tanta bandidagem institucionalizada! Deixo um aviso a esses políticos e governantes: aguardem a justiça de Deus! Ela não falha!

Mais uma vez, o meu total apoio às famílias despejadas como se fossem lixo descartável. Irmãos e irmãs de caminhada, soube que continuam na terra. Parabéns pela resistência. A terra é de vocês. Lutem com garra por ela. Toda terra urbana abandonada para fins de especulação imobiliária e toda terra rural improdutiva é de quem precisa dela para trabalhar e para morar. Chega de políticos e governantes iníquos, a serviço dos poderosos e exploradores do povo!

Unido a muitos outros companheiros e companheiras, reafirmo: estamos com vocês. Lembrem-se: Deus está sempre do lado dos que lutam pela justiça e, com certeza, está do lado de vocês.  Com Deus, vocês já são vitoriosos.  Os demônios de hoje (leia: os políticos e governantes criminosos) serão derrotados.

“O futuro da humanidade está, em grande medida, nas mãos de vocês (dos Movimentos Populares), na capacidade de vocês se organizarem e promoverem alternativas criativas na busca diária dos ‘3 T’ (trabalho, teto, terra), e também na participação de vocês como protagonistas nos grandes processos de mudança, regionais, nacionais e mundiais” (Papa Francisco. 2º Encontro Mundial dos Movimentos Populares. Santa Cruz de la Sierra - Bolívia, 09/07/15). Unidos na Luta!

Despejo Zero! Parem os Despejos! Não joguem o Povo na Rua!





Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Goiânia, 27 de setembro de 2021




segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Um processo de construção coletiva

 

Grito dos Excluídos e das Excluídas:

“espaço de animação e profecia” 




“Nestes 27 anos de história - afirma a Coordenação Nacional - o Grito dos Excluídos e das Excluídas mudou a cara do 7 de Setembro e da Semana da Pátria, chamando o povo para descer das arquibancadas dos desfiles cívicos e militares e participar, ativamente, na luta por seus direitos, nas ruas e praças, nos centros e nas periferias de todo o Brasil. Para ecoar seus gritos de denúncia e de anúncio de um projeto de país mais justo e igualitário, na defesa da dignidade da vida em primeiro lugar”. E ainda: “Estar nas ruas é um ato democrático e, na Semana da Pátria, é um tempo favorável para seguirmos firmes nessa defesa”.

O Grito dos Excluídos e das Excluídas é, portanto, “um processo de construção coletiva, é muito mais que um ato. Por isso, nossa luta não se encerra no dia 7 de Setembro. Nossa luta é uma maratona, não é uma corrida de 100 metros. O Grito é uma manifestação popular carregada de simbolismo, espaço de animação e profecia, sempre aberto e plural de pessoas, grupos, entidades, igrejas e movimentos sociais comprometidos com as causas da população mais vulnerável”.

Com coragem profética, a Coordenação Nacional apresenta-nos a realidade: “Estamos vivendo um momento de crises - social, ambiental, sanitária, humanitária, política e econômica - sobretudo causadas pela ação nefasta de um governo genocida, negacionista e promotor do caos que visa principalmente destruir, de qualquer forma, a democracia e a soberania do nosso país”.

Neste ano de 2021, em muitas capitais e cidades do Brasil, o Grito dos Excluídos e das Excluídas foi realizado em conjunto com a Campanha Nacional “Fora Bolsonaro”: um grito tão amplo e tão forte, que - na conjuntura atual - integra e sintetiza de alguma forma todos os gritos.

De fato - continua a Coordenação Nacional - o que nos motiva a gritar neste ano de 2021 são:

  • “as quase 580 mil mortes pela COVID-19, muitas das quais (a grande maioria) poderiam ter sido evitadas;
  • a corrupção na negociação de compra e distribuição das vacinas contra a COVID-19 (CPI);
  • o desmonte da saúde pública (SUS);
  • a carestia e a fome que voltaram com tudo e assolam as camadas empobrecidas da população;
  • o desemprego;
  • o desvio do dinheiro público, através do orçamento federal, para o pagamento de juros da dívida pública, ao invés de investir em políticas sociais;
  • a falta de moradia, que se agrava com os despejos criminosos;
  • a não demarcação das terras indígenas e o grito profético dos povos indígenas dizendo ‘Não ao Marco temporal’;
  • a denúncia contra o tratamento dado aos povos em situação de rua, sejam de qualquer origem, migrantes e refugiados ou deslocados internos, que lutam e resistem por dignidade e cidadania universal no Brasil;
  • a cultura do ódio disseminada pelo governo federal e seus aliados que ataca e retira os direitos humanos de mulheres, LGBTQIA+, negros/as, dos povos originários - Indígenas e Quilombolas, das pessoas portadoras de deficiência, dos/as trabalhadores/as, dos setores excluídos da sociedade”.

A Coordenação Nacional conclui, pois, dizendo: “Não podemos ficar indiferentes a essa realidade que atenta contra a vida do nosso povo, porque acreditamos que é possível e necessária a construção de um outro modelo de sociedade!!!” (https://www.gritodosexcluidos.com/post/nota-da-coordenacao-nacional).

Segundo o Papa Francisco, hoje os Pobres não são só Excluídos e Excluídas, mas Descartados e Descartadas (são lixo).

Por fim, como cristão católico (da Igreja renovada e libertadora), religioso dominicano e presbítero (padre), com profunda dor no coração, denuncio: apesar da Carta de apoio ao 27º Grito dos Excluídos e das Excluídas da Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Sociotransformadora da CNBB (31 de julho/21) e do Pronunciamento de Dom Walmor Oliveira de Azevedo, presidente da CNBB, a respeito do dia 7 de Setembro (03 de setembro/21), a grande maioria das Igrejas locais do Brasil (graças a Deus, não todas) - incluindo a Igreja de Goiânia (que viveu um retrocesso de mais de 50 anos) - em relação ao Grito dos Excluídos e das Excluídas, foram (com poucas e louváveis exceções) totalmente omissas (um silêncio que, do ponto de vista ético e cristão, é criminoso) e traíram Jesus nos Pobres.

Por conhecer e ter vivido intensamente a história de renovação da Igreja de Goiânia desde o início da década de 1970, já tinha feito essa mesma denúncia - com as lágrimas nos olhos - na manifestação de Goiânia em frente à Catedral (de portas fechadas). Na ocasião, disse ainda que naquele momento Jesus não estava na Catedral, mas na Praça junto com o Povo que lutava por um novo Brasil.

Infelizmente, na manifestação de Goiânia (muito bem preparada e coordenada pelos Movimentos Populares e outras Entidades), da Igreja Católica estavam presentes somente alguns grupos de pessoas das Comunidades, algumas religiosas e (por aquilo que pude constatar) um padre, o autor deste escrito. É lamentável! Por ser feriado, a presença devia ser maciça. Os verdadeiros cristãos e cristãs - em nome de sua consciência cidadã e de sua fé - deveriam estar sempre na linha de frente de todas as lutas por um Brasil e um Mundo Novo (o Reino de Deus na história).

Ah, se ouvíssemos o convite do papa Francisco! “Soube que são muitos na Igreja aqueles/as que se sentem mais próximos dos Movimentos Populares. Muito me alegro por isso! Ver a Igreja com as portas abertas a todos vocês, que se envolve, acompanha e consegue sistematizar em cada Diocese, em cada Comissão ‘Justiça e Paz’, uma colaboração real, permanente e comprometida com os Movimentos Populares”.

“Convido-vos a todos, bispos, sacerdotes e leigos (todos os cristãos/ãs católicos/as), juntamente com as organizações sociais das periferias urbanas e rurais, a aprofundar este encontro” (2º Encontro Mundial dos Movimentos Populares. Santa Cruz de la Sierra - Bolívia, 09/07/15). A esperança nunca morre!

Unidos e unidas, continuemos a luta por um outro Brasil, verdadeiramente. independente”! (Os destaques em negrito são meus. Veja também: https://www.gritodosexcluidos.com).




Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Goiânia, 11 de setembro de 2021