sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Sinodalidade: sejamos verdadeiros e verdadeiras!

 


“A verdade vos libertará” (Jo 8,32)



Como Comunidade de Irmãos e Irmãs, todos e todas -  na diversidade dos carismas (dons) e ministérios (serviços) - somos corresponsáveis pela vida e missão da Igreja no mundo de hoje.

Com o apoio e o incentivo do nosso irmão, o Papa Francisco - começamos em outubro de 2021 o caminho sinodal da 16ª Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos com o tema “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”. É um processo descentralizado de escuta e discernimento no âmbito de cada diocese, seguido de encontros regionais e continentais, que começou em outubro de 2021 com a previsão de terminar em outubro de 2023.

Posteriormente, por determinação do Papa Francisco - para dispor de um tempo maior dedicado à escuta e ao discernimento - o caminho sinodal foi prolongado por mais um ano, com a realização de duas sessões do Sínodo: a primeira de 4 a 29 de outubro de 2023 e a segunda em outubro de 2024.

Ora, para sermos verdadeiros e verdadeiras, precisamos reconhecer que essa experiência eclesial de sinodalidade, de “caminhar juntos”, é ainda parcial: diz respeito somente à apresentação e discussão de sugestões e propostas a serem enviadas à Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos.

Na Igreja que Jesus de Nazaré sonhou e quis, a sinodalidade deve ser vivida e praticada de maneira plena, participando também - com todos os direitos de membros da Igreja - da votação e aprovação das decisões finais a serem tomadas. A Igreja não é o Povo de Deus?

(Pedir que sejam dadas sugestões e apresentadas propostas sem poder participar - através da eleição de representantes do Povo de Deus - da votação e aprovação das decisões finais a serem tomadas, não deixa de ser - como se diz em italiano - uma “presa in giro” ou uma provocação).

Ora, para que a sinodalidade seja vivida de maneira plena em todos os níveis, precisamos: 

1. Voltar às fontes e acabar com a Igreja de classes

No Novo Testamento e nas primeiras Comunidades Cristãs, todos os discípulos e discípulas, seguidores e seguidoras de Jesus de Nazaré eram chamados de “santos e santas”, “eleitos e eleitas”, “irmãos e irmãs”. Não existia “leigo/a” e “clero”, não existia “laicato” e “hierarquia”, não existia “vida religiosa consagrada“.

(Aliás, o nome “vida religiosa consagrada” é impróprio. Todos e todas que praticam uma religião tem “vida religiosa”, e todos e todas que são batizados e batizadas têm - para nós cristãos e cristãs - “vida religiosa consagrada” (o Batismo é a maior consagração).

O nome da chamada “vida religiosa consagrada” deveria ser “vida cristã de particular consagração”, em resposta a um chamado pessoal de Deus para - na diversidade dos carismas - viver um “projeto de vida cristã radical”.

2. Repensar a Estrutura Social da Igreja e reelaborar a Teologia dos Ministérios a partir do binômio: Comunidade x Carismas e Ministérios

O Documento da CNBB “Missão e Ministérios dos Cristãos Leigos e Leigas” - 62/1999), afirma:  "Embora o Concílio Vaticano II tenha lançado as bases para uma compreensão da Estrutura Social da Igreja como Comunhão, essa estrutura continua ainda sendo pensada dentro do binômio clássico Hierarquia x Laicato”.

É, pois, a partir do binômio ‘Comunidade x Carismas e Ministérios’ que precisamos repensar toda a Estrutura Social da Igreja e reelaborar toda a Teologia dos Ministérios. É essa a perspectiva do Novo Testamento.

(Lamentavelmente, 17 anos depois, o Documento da CNBB “Cristãos Leigos e Leigas na Igreja e na Sociedade” - 105/2016, simplesmente “desconhece” e “desconsidera”, ao invés de retomá-la e aprofundá-la, essa parte do Documento anterior, que abre caminhos novos.  Reafirma e reforça o binômio “Hierarquia x Laicato” - uma Igreja de duas classes (na realidade, três: Hierarquia, Vida Religiosa Consagrada e Laicato) - que não tem nenhum fundamento bíblico.

3. Criar o Sínodo do Povo de Deus

A Assembleia Geral do Sínodo do Povo de Deus (e não do Sínodo dos Bispos) seria a última instância para a discussão, votação e aprovação das decisões finais. Mesmo que o Sínodo não seja um Parlamento, a democracia é uma mediação histórica necessária. Sem democracia não há verdadeira sinodalidade.

Ora, se a democracia é um valor humano e se ser cristão ou cristã é ser radicalmente ser humano, a Igreja também deveria ser uma Instituição radicalmente democrática e plenamente sinodal. Um dia, chegaremos lá! 

(Leia também: A questão da sinodalidade na Igreja, em:

http://freimarcos.blogspot.com/2022/02/a-questao-da-sinodalidade-na-igreja-1.html - 1ª parte
http://freimarcos.blogspot.com/2022/04/a-questao-da-sinodalidade-na-igreja-2.html - 2ª parte

ou também nos sites do IHU, Portal das CEBs, Caminheiro do Reino e outros)




Agora: Sínodo 2021 – 2024


Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

                                                                                                                                                                            Goiânia, 23 de fevereiro de 2023


sábado, 18 de fevereiro de 2023

Violações de Direitos Humanos em Goiás 2022

 


O Comitê Goiano Dom Tomás Balduino (do qual sou membro) realizou - de 11 a 16 deste mês de fevereiro - a 6ª Jornada de Direitos Humanos no Estado de Goiás (atividade integrante do centenário de nascimento de Dom Tomás: semeador de esperança). Tema: Terra, Causa Indígena e Direitos Humanos.

Foram realizadas as seguintes atividades:

  • Encontro de Formação do Movimento de Trabalhadores e Trabalhadoras por Direitos (MTD/GO): Educação Popular e Direito à Cidade (na sede do Sindicato dos Trabalhadores/as dos Correios: SINTECT/GO);
  • Encontro de Defensores Populares: fortalecimento, segurança e proteção (em uma chácara no município de Hidrolândia/GO);
  • Visita a acampamentos ciganos para escuta e apoio (na cidade de Itumbiara/GO);
  • Solenidade de entrega do 4º Prêmio Dom Tomás Balduino de Direitos Humanos em Jornalismo com homenagem a defensores/as de Direitos Humanos (no auditório da ADUFG: Sindicato da UFG);
  • Análise de conjuntura brasileira e goiana: Democracia e Direitos Humanos - como ‘desbolsonarizar’ o Brasil (adiada para o dia 1º de março, por causa do falecimento do nosso companheiro e irmão Prof. Sílvio Costa);
  • Apresentação do Relatório de Violações de Direitos Humanos em 2022 no Estado de Goiás (na Assembleia Legislativa de Goiás);
  • Roda de conversa com lideranças indígenas do Estado de Goiás (no Núcleo Takinahaky de Formação Superior Indígena/NTFSI da UFG).

As violações dos Direitos Humanos que compõem o Relatório dizem respeito aos Povos Ciganos de Goiás, Povos Indígenas de Goiás, Conflitos de Terra, Violência policial, População em situação de rua, Despejos forçados, LGBTQIA+, Liberdade de imprensa e Sistema prisional.

Por exemplo:

A respeito dos Povos Ciganos (1.435 famílias ou cerca de 5.740 pessoas das etnias Rom e Calon, em 35 municípios), o Relatório afirma: “A história oficial de Goiás registra o apagamento dos Povos Ciganos e não reconhece sua história e composição cultural, excluindo-os das estruturas destinadas a quem é cidadão e pode ter acesso a Direitos. Essa perspectiva gera nessas Comunidades uma visão que as situa em uma condição de exclusão permanente, sem nenhuma possibilidade de mobilidade, à margem da estrutura social”.

A respeito dos Povos Indígenas (8.533, sendo 8.019 na zona urbana e 514 na área rural), o Relatório constata: “O ano de 2022 foi marcado pelo contínuo processo de invisibilidade e violação dos Direitos dos Povos Indígenas em Goiás” (como, aliás, no Brasil inteiro). “A destruição dos biomas, a invasão de terras indígenas, a contaminação do solo e de rios são implementadas ou permitidas como um projeto de eliminação dos Povos Indígenas. Trata-se de uma visão excludente e homogênea sobre quem deve ser considerado ‘povo brasileiro’. Essa lógica perversa reproduz-se também no Estado de Goiás, onde predominantemente três Povos Indígenas - Iny Carajá, Avá Canoeiro e Tapuia - lutam para sobreviver e defender aquilo que lhes é mais sagrado: seus territórios e sua cultura”.

A respeito dos Conflitos de Terra, o Relatório declara que (entre outros) “em 2022, foram intensificados os ataques ao Acampamento Dom Tomás Balduino (MST), que possui 280 famílias vivendo em três áreas há seis anos nas fazendas Cangalha, Maltizaria e Porteirinha, no município de Formosa/GO”.

“As famílias produzem uma grande diversidade de alimentos orgânicos (...). Boa parte da produção é doada para populações urbanas em situação de pobreza, mas também é consumida pelas próprias famílias e comercializada no entorno do Acampamento”. Que testemunho bonito de solidariedade de irmãos e irmãs!

Em breve, o Relatório de Violações de Direitos Humanos em Goiás 2022 será disponibilizado nas redes sociais. Leia-o! É uma meditação!

Unidos e unidas na luta pelo Direitos Humanos, que é a luta por um Brasil Novo e um Mundo Novo! A vitória é e será nossa!







Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 17 de fevereiro de 2023





sábado, 11 de fevereiro de 2023

“Verba indenizatória”: estratégia hipócrita e imoral

 


Na primeira página de “O Popular”, do dia 7 deste mês de fevereiro, deparamos com a manchete: “Tribunais pegam carona em lei que extrapola teto salarial”. O Jornal, comentando a manchete, afirma: “Proposta enviada à Assembleia permite que membros e servidores do TJ, TCE e TCM superem limite de R$ 39,2 mil, já que a lei transforma em “verba indenizatória” o que ultrapassar o teto. A estratégia foi utilizada pelo Executivo e é replicada em outros órgãos”.


Na página 4 - na reportagem de Marcos Carneiro - deparamos com outra manchete: “Brecha ‘fura teto’ deve ser ampliada a Tribunais”. Comentando, pois, a manchete, o Jornal declara: “Tribunal de Justiça e Tribunais de Contas do Estado e dos Municípios apresentam projetos para pegar carona em lei aprovada pelo Executivo a fim de permitir salários acima do teto”.


No “O Popular” do dia seguinte (dia 8), na página 6 - numa nova reportagem do mesmo jornalista - deparamos com uma terceira manchete: “Órgãos extrapolam teto do funcionalismo em R$ 27,2 mi”. Comentando a manchete, o Jornal diz: “Vencimentos: Folhas de pagamento dos Tribunais de Justiça e de Contas, e do Ministério Público, mostram valores acima de R$ 100 mil em janeiro”.


Vejam só o “descaramento” do Tribunal de Justiça e Tribunais de Contas do Estado de Goiás e dos Municípios: “O Poder Judiciário goiano sempre cumpre com a legislação vigente em relação à remuneração de magistrados e servidores” (TJ-GO).


“Quanto aos pagamentos questionados, referem-se a um reduzido número de servidores e estão rigorosamente dentro da legalidade, referindo-se a parcelas de caráter indenizatório” (TCE-GO).


“Nenhum servidor ou membro recebe remuneração acima do teto constitucional”. “As verbas de natureza indenizatória não integram a remuneração” (TCM-GO).


Que verbas “de natureza indenizatória” são essas? Será que os Tribunais estão sendo indenizados por favorecer sorrateiramente a “legalização” e “institucionalização” do roubo que os poderosos praticam permanentemente na relação com os trabalhadores e trabalhadoras?


Que vergonha! Que cinismo! Que farisaísmo! Esses Tribunais estão dando um pontapé - perverso e cruel - no rosto dos trabalhadores e trabalhadoras que ganham o salário mínimo (e muitas vezes, nem isso) ou estão desempregados e desempregadas, passando fome.


O Segundo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar, em outubro de 2022, apontou - somente no Brasil -  33,1 milhões de pessoas em situação de fome.


Pouco importa saber se há alguma brecha que possa justificar legalmente o crime desses Tribunais e Ministério Público. Independentemente de sua “legalidade” ou não, trata-se de uma imoralidade pública hipócrita e repugnante.


Como podemos acreditar na justiça de juízes e desembargadores, que fazem de tudo para legalizar e institucionalizar tamanha imoralidade? Com certeza, eles não estão preocupados com a questão dos Direitos Humanos e do Cuidado para com a Irmã Mãe Terra Nossa Casa Comum.

 

Deixo uma advertência: com a chamada “verba indenizatória” - legalizada e institucionalizada - juízes, desembargadores e promotores poderão ludibriar da justiça humana, mas não conseguirão ludibriar da justiça divina.


Termino com uma pergunta para a nossa reflexão: no mundo de hoje e, de modo particular, no Brasil - onde existem tantos trabalhadores e trabalhadoras, irmãos e irmãs nossos, passando fome - é justo, é ético (ou, moral), é humano, é cristão ganhar um salário mensal de mais de 100 mil reais?


S. Tomás de Aquino - no seu tempo - já dizia que “ninguém tem direito ao supérfluo, enquanto o outro (ou a outra) não tem o necessário”.


Graças a Deus, a Esperança nunca morre e o Amor nunca poderá se apagado. “As águas da torrente jamais poderão apagar o Amor, nem os rios afogá-lo. Quisesse alguém dar tudo o que tem para comprar o Amor... seria tratado com desprezo” (Ct 8,7).


“Amemo-nos uns aos outros, pois o Amor vem de Deus. E todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus. Quem não ama, não conhece a Deus, porque Deus é Amor” (1Jo 4,7-8).



O Popular, 08/02/23, p. 6




Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

                                                                                                                                                                  Goiânia, 10 de fevereiro de 2023