Nestes dias, assistimos a uma verdadeira guerra no transporte coletivo da Grande Goiânia. Só para se ter uma ideia da gravidade da situação, foram depredados - conforme noticiou a imprensa - 104 ônibus (20 só num dia).
Antes da Rede Metropolitana de Transporte Coletivo (RMTC), da Companhia Metropolitana do Transporte Coletivo (CMTC) e das empresas concessionárias, a responsabilidade por essa situação é do Poder Público. É ele que tem a obrigação de cuidar, direta ou indiretamente, do transporte coletivo para que seja um transporte humanizado e de qualidade. O que realmente falta é a vontade política de resolver o problema. Os motoristas e os trabalhadores, usuários do transporte coletivo, merecem respeito. Chega de tanto descaso!
Por que será que o Poder Público tem sempre tanta dificuldade para dialogar e negociar com o povo? Por que será que esse mesmo Poder Público nunca quer atender (ou, pelo menos, demora demais para atender) as justas reivindicações dos trabalhadores? O “bem viver” do povo não deveria ser a prioridade das prioridades da ação política?
Infelizmente, na nossa sociedade capitalista neoliberal - que é estruturalmente iníqua, iniusta e desumana - o que prevalece não é o “bem viver” do povo, mas o lucro a qualquer preço das grandes empresas. Os trabalhadores, que já são “legalmente” explorados em seu trabalho, depois de uma jornada exaustiva e desgastante, são obrigados - mesmo cansados - a enfrentar um transporte coletivo humilhante, deprimente e insuportável.
Embora ninguém seja a favor da violência, dá para entender a revolta do povo. A estrutura psicológica da pessoa dos trabalhadores tem um limite. Ninguém aguenta mais! Antes que aconteçam as depredações ou a queima de ônibus, as autoridades não deveriam dialogar com os trabalhadores? Ninguém sabe até onde pode chegar o desespero.
O comportamento do Poder Público revela uma total desconsideração para com os trabalhadores, motoristas, usuários do transporte coletivo e o povo.em geral.
Quando o PT ainda era Partido dos Trabalhadores - hoje não é mais (mudou de lado) - sempre “gritava” em defesa dos direitos dos trabalhadores. Hoje, ele “grita” em defesa do lucro das grandes empresas e a favor do agro-hidro negócio. Que traição vergonhosa!
Os políticos e os governantes - durante o exercício do mandato - deveriam ser obrigados a usar o transporte coletivo. Tenho certeza que a situação mudaria em pouco tempo. Atualmente, como não precisam do transporte coletivo, eles não têm nenhuma pressa para resolver a questão das paralizações e das depredações de terminais e de ônibus. O povo só interessa enquanto é útil para o capital financeiro. Não o sendo mais, pode ser descartado.
A desculpa do Poder Público para não atender as reivindicações dos trabalhadores é sempre a mesma: a falta de verbas. Ora, para gastos mirabolantes com a copa do mundo e outras obras faraônicas nunca faltam verbas. É só uma questão de modelo de sociedade e de prioridade política. As verbas existem.
O Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) deveria exigir que as autoridades competentes resolvam, o mais rápido possível, a situação caótica do transporte coletivo. Já passou da hora!
O Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários do Estado de Goiás (Sindittransporte) e o Sindicato Intermunicipal dos Trabalhadores no Transporte Coletivo Urbano de Goiânia e Região Metropolitana (Sindicoletivo), mesmo tendo divergências quanto à maneira de conduzir o processo, deveriam ficar unidos para garantir os direitos dos trabalhadores.
É bom que os trabalhadores fiquem de alerta. Quando a diretoria de um Sindicato negocia com o Poder Público ou com os empresários e faz acordos sem realizar a assembleia da categoria, ouvindo seu parecer, é sinal evidente que o Sindicato se tornou “pelego”. Não representa mais os trabalhadores, mas outros interesses escusos. Assim sendo, a assembleia dos trabalhadores deve desautorizar a diretoria do Sindicato e tomar as devidas providências. Ela é soberana.
Mesmo com todas as dificuldades e contradições, os trabalhadores não podem cair na armadilha dos detentores do poder econômico, que é dividir os trabalhadores para enfraquecer a luta. No caso em questão, eles querem colocar os trabalhadores usuários do transporte coletivo contra os motoristas, que também são trabalhadores.
As reivindicações dos motoristas do transporte coletivo por melhores salários e as lutas do povo por um transporte coletivo digno são justas e merecem todo nosso apoio.
Termino com as sábias e contundentes palavras do nosso irmão, o papa Francisco, que nos fazem refletir e são uma luz para nossa vida.
“Assim como o mandamento ‘não matar’ põe um limite claro para assegurar o valor da vida humana, assim também hoje devemos dizer ‘não a uma economia da exclusão e da desigualdade social’. Esta economia mata. Não é possível que a morte por enregelamento dum idoso sem abrigo não seja notícia, enquanto o é a descida de dois pontos na Bolsa. Isto é exclusão. Não se pode tolerar mais o fato de se lançar comida no lixo, quando há pessoas que passam fome. Isto é desigualdade social. Hoje, tudo entra no jogo da competitividade e da lei do mais forte, onde o poderoso engole o mais fraco. Em consequência desta situação, grandes massas da população vêem-se excluídas e marginalizadas: sem trabalho, sem perspectivas, num beco sem saída. O ser humano é considerado, em si mesmo, como um bem de consumo que se pode usar e depois lançar fora. Assim teve início a cultura do ‘descartável’, que aliás chega a ser promovida. Já não se trata simplesmente do fenómeno de exploração e opressão, mas duma realidade nova: com a exclusão, fere-se, na própria raiz, a pertença à sociedade onde se vive, pois quem vive nas favelas, na periferia ou sem poder já não está nela, mas fora. Os excluídos não são ‘explorados’, mas resíduos, ‘sobras’” (A alegria do Evangelho - EG, 53).
Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia, 22 de maio de 2014