sábado, 28 de outubro de 2017

Novo Pentecostes a partir da base


Como comuniquei no artigo anterior “A força principal das CEBs: a Fé em Jesus Cristo Libertador” (leia o artigo na Internet), de 20 a 22 deste mês de outubro, aconteceu na Paróquia Nossa Senhora da Terra (Jardim Curitiba III - Região Noroeste de Goiânia) o Encontro Mini-Intereclesial das Comunidades Eclesiais de Base - CEBs do Regional Centro-Oeste (Goiás e Distrito Federal).
Participaram cerca de 170 pessoas (delegados e delegadas das Arquidioceses de Brasília e Goiânia; e das Dioceses de Uruaçu, Formosa, Luziânia, Ipameri, São Luís de Montes Belos, Itumbiara, Anápolis e Goiás as Dioceses de Rubiataba-Mozarlândia e Jataí não enviaram representantes), que irão a Londrina - PR para o 14º Encontro Intereclesial das CEBs (23-27/01/2018). Participaram também do Encontro 7 suplentes, 8 padres (diocesanos e religiosos), 1 religioso, diversas religiosas e as pessoas das equipes de serviço e animação. Tivemos a presença do bispo da Diocese de Goiás, Dom Eugênio Rixen. Nos momentos abertos a todos e a todas tivemos ainda a alegria da presença de irmãos e irmãs das Comunidades que fazem a Paróquia Nossa Senhora da Terra.
O Encontro - preparado com tanto amor e extraordinária dedicação - foi muito bom em todos os seus momentos: Celebração de abertura (com a memória do Jubileu de Diamante da Arquidiocese de Goiânia), Hospedagem nas famílias, Oração comum, Celebração do domingo, Estudo participativo (com a assessoria de Alexandre Rangel), Celebração do Envio e Encerramento.
A experiência de Fé, que vivenciamos e partilhamos no Encontro com a alegria de irmãos e irmãs, faz-nos acreditar que os Encontros locais, diocesanos e regionais de CEBs (rumo ao 14º Intereclesial) são hoje um novo Pentecostes a partir da base na Igreja do Brasil inteiro.
Como nos outros Encontros de CEBs, estudamos e aprofundamos o tema do 14° Intereclesial “CEBs e os desafios do mundo urbano” e o lema “Eu ouvi os clamores do meu povo e desci para libertá-lo” (Ex 3, 7).
Hoje, infelizmente, nossas Igrejas (sobretudo os padres e bispos) - em sua maioria - mostram-se indiferentes, desinteressadas e, às vezes, até cínicas em relação às CEBs. Sei de Igrejas que - em sua estrutura física - tinham um espaço para as CEBs e o CEBI (Centro de Estudos Bíblicos). Há tempo foram excluídos, ou melhor, descartados e tiveram que procurar outro lugar. É lamentável, mas compreensível!
Os poderosos e seus aliados “eclesiásticos”, os que moram em palácios ou mansões civis ou episcopais, os sinédrios “católicos” atuais e os que se fecham em sua auto suficiência clerical (o clericalismo, que - como diz o Papa Francisco - é “uma peste na Igreja” e “o pior mal da Igreja na América Latina”) não têm as mínimas condições de entender e, menos ainda, de vivenciar o jeito de ser Igreja das CEBs: uma Igreja “pobre, para os pobres, com os pobres e dos pobres”, mas aberta a todos aqueles e aquelas que - mesmo sendo ricos e ricas - se convertem, mudam de vida, praticam a partilha e aceitam seguir Jesus de Nazaré (como aconteceu com Zaqueu, o homem rico do Evangelho, no encontro com Jesus).
Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondestes essas coisas aos sábios e inteligentes, e as revelastes aos pequeninos” (Lc 10, 21).
Apesar de tanta indiferença, desinteresse e cinismo, as CEBs não morreram, como ironicamente muitos e muitas costumam dizer. Elas são muito vivas e cada vez mais fortes, sobretudo quando não são reconhecidas e quando - às vezes - são até perseguidas e obrigadas a viver nas catacumbas.
As CEBs são obra do Espírito Santo. “Descerá sobre vocês o Espírito Santo e Dele receberão força para serem minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e Samaria, e até os extremos da terra” (At 1, 8). As CEBs são “Igreja que nasce do Povo pelo Espírito de Deus” (1º Intereclesial. Vitória - ES: 06-08/01/1975).
As CEBs são Igreja de Jesus de Nazaré; são Comunidades que - apesar de suas limitações humanas - vivem no mundo de hoje a radicalidade do Evangelho; são “de base”, por serem encarnadas na vida do Povo.
Diz o Papa Francisco: “O Povo é sujeito. E a Igreja é o Povo de Deus a caminho na história, com alegrias e dores. Sentir com a Igreja é para mim, pois, estar neste Povo. E o conjunto dos fiéis é infalível no crer, e manifesta esta sua infalibilidade crendo (...)” (Pe. Antônio Spadaro, S.J., diretor da “Civiltà Cattolica”. Entrevista ao Papa Francisco, publicada simultaneamente em 26 Revistas sob a responsabilidade de Jesuítas, 19/08/2013). Que testemunho bonito de humildade! Sigamos o seu exemplo!
As CEBs - na diversidade dos carismas e ministérios - acentuam (como fazia o apóstolo Paulo) a condição comum a todos os cristãos e cristãs, renascidos e renascidas pela água e pelo Espírito: “santos e santas”, “eleitos e eleitas”, “discípulos e discípulas”, “irmãos e irmãs” (no Novo Testamento nunca aparece o termo “leigo ou leiga” e nem o termo “clero”).
"Deve-se - ensina o Concílio Vaticano II - reconhecer cada vez mais (reparem: cada vez mais) a igualdade fundamental entre todos e todas" (A Igreja no mundo de hoje - GS, 29). E ainda: “Reina entre todos e todas verdadeira igualdade quanto à dignidade e ação comum a todos e todas os e as fiéis na edificação do Corpo de Cristo" (A Igreja - LG, 32).

Somos Igreja de Jesus de Nazaré! Somos Igreja que nasce do Povo pela força do Espírito de Deus! Somos CEBs! Com o salmista cantamos: “Eles e elas (que dizem que as CEBs morreram) se curvam e caem; nós nos mantemos de pé” (Sl 20, 9). Unidos e unidas na caminhada!









Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 25 de outubro de 2017



terça-feira, 24 de outubro de 2017

A principal força das CEBs: a Fé em Jesus Cristo Libertador


Segundo os Documentos de Medellín - a “Carta Magna” da Igreja na América Latina e Caribe - as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) são “o primeiro e fundamental núcleo eclesial” ou “a célula inicial da estrutura eclesial (XV, 10). A Paróquia é “um conjunto pastoral unificador das Comunidades de Base” (XV, 13).
As CEBs “são uma forma de vivência comunitária, de inserção na sociedade, de exercícios do profetismo e de compromisso com a transformação da realidade, sob a luz do Evangelho” (Doc. 105, nº 146).
Toda Comunidade, para ser cristã, deve ser “de base”, ou seja, inserida na vida do povo. Por isso, as CEBs, além de ser “um jeito novo e, ao mesmo tempo, antigo de ser Igreja”, são também - ao menos como Utopia - “o jeito de toda a Igreja ser”, na diversidade de seus carismas e ministérios.
"Como Cristo, por sua Encarnação ligou-se às condições sociais e culturais dos seres humanos com quem conviveu, assim também deve a Igreja inserir-se (encarnar-se) nas sociedades, para que a todas possa oferecer o mistério da salvação e a vida trazida por Deus” (Conc. Vatic. II. A atividade missionária da Igreja - AG 10).
Para desempenhar sua missão (ser ‘Igreja em saída’) a Igreja, a todo momento, tem o dever de perscrutar os sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho, de tal modo que possa responder, de maneira adaptada a cada geração, às interrogações eternas sobre os significados da vida presente e futura e de suas relações mútuas. É necessário, por conseguinte, conhecer e entender o mundo no qual vivemos, suas esperanças, suas aspirações e sua índole frequentemente dramática" (Conc. Vat. II. A Igreja no mundo de hoje - GS 4).
"A fé esclarece todas as coisas com luz nova. Manifesta o plano divino sobre a vocação integral do ser humano. E por isso orienta a mente para soluções plenamente humanas" (GS 11).
Depois do 13º Intereclesial das CEBs (os Intereclesiais são Encontros nacionais de CEBs), em Juazeiro do Norte (Diocese de Crato) - CE (7-11/01/2014), o Trenzinho das CEBs retomou a sua viagem rumo a Londrina - PR, onde chegará em janeiro próximo, para o 14º Intereclesial (23-27/01/2018).
O tema do Encontro é “CEBs e os desafios do mundo urbano” e o lema “Eu ouvi os clamores do meu povo e desci para libertá-lo” (Ex 3, 7).
Deus escuta o clamor do povo que sofre opressões no mundo urbano e convoca as CEBs a participar - junto a todas as pessoas de boa vontade - de sua libertação. Esta é a intuição profunda que une o tema e o lema do 14º Intereclesial”. Os desafios são muitos e grandes “diante do que representam as forças sociais, políticas, econômicas e culturais que estão na raiz das opressões sofridas pelos pobres nas cidades”.
As CEBs aceitam os desafios “por acreditarem que Deus envia o Espírito que ilumina e fortalece quem, no seguimento de Jesus, luta pela Justiça e pela Paz”. A principal força das CEBs é a Fé em Jesus Cristo Libertador. “Elas sabem que a Fé só ganha eficácia na medida em que é a inspiração profunda para a ação transformadora do mundo”.
O 14º Intereclesial das CEBs “deverá ser um momento privilegiado de experiência do Espírito que ‘renova a face da Terra’, mas também um momento de reflexão e de troca de saberes que conduzam a ações capazes de atender o clamor do povo que sofre opressões”.
O Texto-Base do 14º Intereclesial é um valioso subsídio para “uma adequada preparação das Comunidades que se farão representar no Encontro” (Texto-Base, p. 5). O método usado é “ver-julgar-agir” (“analisar-interpretar-libertar”).
Na viagem rumo a Londrina, o Trenzinho das CEBs fez e ainda vai fazer diversas paradas em todo o Brasil para Encontros locais, diocesanos e regionais de CEBs, cujos objetivos são: partilhar, com os irmãos e irmãs, as experiências comunitárias de vida e missão das CEBs; aprofundar o tema do 14º Intereclesial; e preparar os representantes das Comunidades para o Encontro.
Neste ano, no Regional Centro-Oeste, tivemos, além de diversos Encontros locais e diocesanos, o Oestão das CEBs na Diocese de Uruaçu (21-24/04/2017), que reuniu cerca de 120 pessoas dos Regionais Oeste I (Mato Grosso do Sul), Oeste II (Mato Grosso) e Centro-Oeste (Goiás e Distrito Federal) da CNBB.
Teremos também, neste fim de semana (20-22/10/17), o Mini-Intereclesial das CEBs (os Mini-Intereclesiais são Encontros Regionais de CEBs), na Região Noroeste de Goiânia, Paróquia Nossa Senhora da Terra, da qual tenho a alegria de ser um dos Animadores. A Paróquia é uma rede de cinco Comunidades: Nossa Senhora da Terra (que deu o nome à Paróquia e se tornou uma referência), Jesus de Nazaré, Nossa Senhora da Vitória, Maria Mãe Santíssima e Nossa Senhora da Paz.
Algumas informações sobre o Mini-Intereclesial das CEBs do Regional Centro-Oeste:
  • Dia 20 (sexta-feira) à noite: Acolhida dos participantes do Encontro na Igreja Nossa Senhora da Terra (Jardim Curitiba III), com Missa de abertura às 19:30h (1º momento aberto à participação de todos e todas).
  • Dia 21 (sábado) e dia 22 (domingo): Atividades na Escola Municipal Maria da Terra (Bairro Floresta).
  • Sábado às 19h, após breve Vigília de Oração: Noite Cultural (2º momento aberto à participação de todos e todas).
  • No domingo (sempre na Escola), às 8h: Missa (3º momento aberto à participação de todos e todas).
  • No domingo às 16h: Encerramento e Envio.
Termino com a bonita “Oração do 14º Intereclesial das CEBs”:
Ó Deus, Pai misericordioso que amas a todos com coração de Mãe, ilumina nosso caminho para o 14º Intereclesial de CEBs, para que nos sintamos corresponsáveis pela criação com tantos irmãos e irmãs que procuram uma espiritualidade de comunhão, verdadeiramente eclesial, no seguimento de Jesus, na opção pelos pobres, pelo ecumenismo e pela ecologia, especialmente, no mundo urbano com os desafios específicos das políticas públicas e de bem comum. Senhor envia o teu Espírito sobre nós. Que saibamos responder nesta hora da graça aos apelos do teu povo e façamos do Intereclesial um Pentecostes desde a base, sempre animados pela multidão de testemunhas do Reino. Nossa Senhora Aparecida, interceda por todos nós e por uma Terra sem males, sinal do Reino.
Amém, Awere, Axé, Aleluia” (Pedro Casaldáliga).




Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 18 de outubro de 2017

terça-feira, 17 de outubro de 2017

Igualdade de Gênero Livro-Agenda Latino-americana mundial 2018

A página de abertura do “Livro-Agenda latino-americana mundial” lembra-nos sempre: é “o livro latino-americano mais difundido, cada ano, dentro e fora do Continente”. Ele é “sinal de comunhão continental e mundial entre as pessoas e as Comunidades que vibram e se comprometem com as Grandes Causas da Pátria Grande, como resposta aos desafios da Pátria Maior”.
Ele é ainda “um anuário de esperança dos pobres do mundo a partir da perspectiva latino-americana; um manual companheiro para ir criando a ‘outra mundialidade’; uma síntese da memória histórica da militância e do martírio de Nossa América; uma antologia de solidariedade e criatividade; uma ferramenta pedagógica para a educação, a comunicação, a ação social e a pastoral popular”.
O “Livro-Agenda latino-americana mundial”, “além de ser para uso pessoal, foi pensado como instrumento pedagógico para comunicadores, educadores populares, agentes de pastoral, animadores de grupos e militantes” (p. 9).
O tema do “Livro-Agenda latino-americana mundial 2018” é: igualdade de gênero. É um tema que - pela sua premente atualidade - “está nas ruas, em todo o Continente latino-americano (e - podemos dizer - no mundo inteiro), na sociedade civil, na opinião pública e nas Igrejas”. Não é “um assunto de mulheres” (como se pensou por milênios), mas é “um assunto de justiça estrutural e sistêmica, que afeta os Direitos Humanos das mulheres e de muitas pessoas discriminadas por sua condição de gênero ou sexual”.
Abordar o tema é “uma revolução radical e global. É uma revolução pendente e urgente, que queremos ajudar a levar em frente, com tantas mulheres e homens que já levam anos e decênios na luta por esta Utopia”.
Segundo o método “ver-julgar-agir” (“analisar-interpretar-libertar”) - já tão conhecido e praticado na América Latina - “partimos da realidade, esta vez com um ver/recordar, que incorpora a luta histórica das mulheres”.
No julgar/sonhar “tomamos as águas desde muito acima, desde as implicações inclusive filosóficas; recolhemos a história da teologia feminista, a ‘ideologia de gênero’, o debate sobre o sexo forte, as masculinidades, a influência das crenças religiosas, o patriarcado... e categorizamos os direitos das mulheres como Direitos Humanos”.
No agir, “abordamos as Políticas Públicas com enfoque de gênero, a democracia paritária, a necessária incorporação dos homens às tarefas do cuidado, a visão da mulher indígena e da mulher negra, a prática de teologia feminista na história, a criação de observatórios de gênero... e, também este ano, alguns livros digitais disponíveis recomendados, para aprofundar o tema nos níveis indicados, nos grupos, nas Comunidades e no estudo pessoal” (p. 8-9).
As Igrejas “não podem se esquivar à realidade, nem na sociedade e nem em seu próprio interior. Jesus mostrou-se a favor da inclusão de todas as pessoas, e sua Utopia de Justiça, que Ele chamava de Reino, é, para muitos, símbolo da inclusão maior. Há uma hierarquia de verdades e valores, e a Justiça tem precedência sobre qualquer outra consideração filosófica, teológica ou simplesmente tradicional. Enquanto houver pessoas discriminadas por sua condição sexual, a teologia ‘feminista’ da libertação terá sentido. Com o Evangelho na mão, atrevemos a dizer que toda a teologia que justifique a inferiorização da mulher, ou qualquer outra injustiça de gênero, atua como ‘ideologia de gênero’” (p. 11).
Destacamos - como sendo um grande valor - o caráter ecumênico (“ecumenismo de soma” e não “de subtração”) e macroecumênico do “Livro-Agenda latino-americana mundial 2018”.
Por fim, agradecemos “a colaboração ‘sororal’ (é o feminino de ‘fraternal’, não?) de tantas mulheres, feministas militantes, lutadoras convictas, de todo o Continente, que nos ajudaram, não apenas com sua contribuição escrita, mas com sua orientação, seu conselho, e inclusive sua correção... mais que fraterna: sororal”.
É um novo momento histórico! Estejamos à altura! Leiamos todos e todas o “Livro-Agenda latino-americana mundial”! Vale muito a pena”! 


A Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil é a responsável pela edição brasileira do “Livro-Agenda latino-americana mundial”.
Locais para se adquirir o “Livro-Agenda latino-americana mundial 2018” em Goiânia:
  • Secretaria da Paróquia São Judas Tadeu, à Rua 242, nº 100, Setor Coimbra, fone: 62 - 3233.6365.
  • Sala do CEBI, à Rua 83, nº 361, Setor Sul, fone 62 - 3225.8095.
  • Sede da CRB - Goiânia, à Av. Anhanguera, nº 5.110, Edifício Moacir Teles, sala 609, Centro, fone 62 - 3224.6076. 





Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 11 de outubro de 2017 

sábado, 7 de outubro de 2017

Uma luz para a Igreja hoje


Há alguns dias, acessando o site http://www.diocesedegoias.org.br/ - fonte do meu artigo “A 16ª Romaria da Terra e das Águas em Goiás” - chamou-me a atenção a Opção Fundamental da Diocese de Goiás. Certamente ela é fruto da longa caminhada de renovação que a Igreja de Goiás viveu depois do Concílio Vaticano II e de Medellín (a “Carta Magna” da Igreja da América Latina e Caribe), com o apoio de Dom Tomás Balduíno (de saudosa memória) e de Dom Eugênio Rixen.
No Plano de Pastoral, a Diocese de Goiás apresenta sua Opção Fundamental: “Obedientes ao Evangelho, nós, Igreja de Goiás, Povo de Deus, vivendo o Reino de Deus, optamos por ser uma grande rede de Comunidades Eclesiais de Base, que une fé e vida. Discípulas e discípulos de Jesus Cristo, queremos construir relações de solidariedade, justiça e comunhão, abertos à diversidade. Convocados pelo Batismo a sermos missionários e missionárias, renovamos, com todas as pessoas excluídas do campo e da cidade, a evangélica opção pelos pobres, lutando com elas pela urgente defesa do meio ambiente e pela vida em plenitude. A compaixão, a Palavra e a prática do Ressuscitado animarão nossa caminhada”.
Lendo o texto da Opção Fundamental, fiquei surpreso e feliz ao mesmo tempo. Surpreso, porque hoje é muito raro encontrar uma Igreja que - em seu Plano de Pastoral - tenha uma Opção Fundamental como essa (na década de 1970 e 1980, era bastante comum). Feliz, porque tive - mais uma vez - a possibilidade de constatar que a “Igreja da Caminhada” continua viva e muito viva (mesmo quando - pelas mais variadas razões - é impelida a ficar nas catacumbas). É a Igreja de Jesus de Nazaré e, como tal, nunca irá morrer!
A Opção Fundamentar da Diocese de Goiás - cujo texto foi muito bem elaborado - é uma síntese da visão de Igreja (Eclesiologia) do Vaticano II e de Medellín. Cada palavra tem um sentido. Faço somente alguns destaques.
Obedientes ao Evangelho”: ser obedientes ao Evangelho - que é a Boa Notícia de Jesus de Nazaré - significa vive-Lo de maneira cada vez mais radical (e não ser legalistas como os Fariseus). Os e as que são chamados e chamadas a exercer o ministério ou serviço da coordenação (em qualquer nível) devem ser mais obedientes do que os outros e as outras.
Nós, Igreja de Goiás, Povo de Deus”: a Igreja não são os padres e os bispos, os religiosos e as religiosas, mas o Povo de Deus, formado por todos os seguidores e seguidoras de Jesus de Nazaré (incluindo padres e bispos, religiosos e religiosas), na diversidade dos carismas e ministérios.
Vivendo o Reino de Deus”: viver o Evangelho significa viver o Reino de Deus para que Ele cresça sempre mais na história do ser humano e do mundo.
Optamos por ser uma grande rede de Comunidades Eclesiais de Base, que une fé e vida”: é a opção por uma Igreja de irmãos e irmãs, encarnada na vida do povo. Fé e vida tornam-se uma coisa só. A fé é um jeito de viver a vida em todas as suas dimensões e 24 horas por dia.
Discípulas e discípulos de Jesus Cristo”: as discípulas e discípulos procuram sempre viver e construir relações de solidariedade, de justiça e de comunhão, no respeito à diversidade.
Convocados pelo Batismo a sermos missionários e missionárias”: os missionários e missionárias fazem a opção pelos pobres e pessoas excluídas do campo e da cidade (e a renovam constantemente), na defesa do meio ambiente e da vida em plenitude.
A compaixão, a Palavra e a prática do Ressuscitado” animam a nossa caminhada e - como costumo dizer parafraseando São João XXIII e o Papa Francisco - nos fazem ser “uma Igreja pobre, para os pobres, com os pobres e dos pobres”
Na Igreja Povo de Deus, é a partir da Opção Fundamental que se elabora a Organização Eclesial, com suas Prioridades Pastorais, em todos os níveis: comunitário, paroquial, regional e diocesano.
A Comunidade Eclesial de Base (CEB) é “o primeiro e fundamental núcleo eclesial” ou “a célula inicial da estrutura eclesial” (Medellín. XV, 10). A Paróquia é “um conjunto pastoral unificador das Comunidades de Base” (Ib., 13). Quanta estrada temos que percorrer ainda para chegarmos a entender e a viver isso!
As principais instâncias da Coordenação Pastoral, em todos os níveis, são: a Assembleia Eclesial. o Conselho Pastoral (incluindo também o Conselho Econômico) e a Equipe de Coordenação Executiva.
A Diocese de Goiás merece o nosso sincero reconhecimento de irmãos e irmãs. Sua Opção Fundamental é uma luz para a Igreja hoje: os seguidores e seguidoras de Jesus de Nazaré. Sua Opção Fundamental mostra-nos uma Igreja que quer voltar às fontes, se libertando das influências negativas do Imperialismo, do Feudalismo e do Capitalismo, que foi acumulando no decorrer da história. “Entre vocês - diz Jesus aos discípulos e discípulas - não deve ser assim: quem de vocês quer ser grande, deve tornar-se o servidor de vocês, e quem de vocês quer ser o primeiro, deve tornar-se o servo de todos” (Mc 10, 43-44). Jesus “revoluciona” todos os critérios da convivência humana na sociedade e no mundo.
A Opção Fundamental da Diocese de Goiás renova a nossa esperança e nos compromete com a “Igreja da Caminhada”.
Enfim, soube que as Comunidades e todas as instâncias pastorais da Diocese de Goiás estão vivendo - em clima de comunhão e participação - o seu tempo de Assembleia, com questionários, orações, encontros, e Assembleias menores. Tudo isso é de fundamental importância para a missão e a vida da Igreja. Desejo-lhes, pois, que este tempo de Assembleia seja um momento forte do Espírito, um verdadeiro Pentecostes a serviço da vida das pessoas e de toda a criação nesta porção de chão do cerrado.






Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 04 de outubro de 2017 

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Padre Geraldo: “essa homenagem eu ganhei pelos excluídos”


Senti muito por não estar presente pessoalmente na sessão solene extraordinária da Assembleia Legislativa (do dia 21 de setembro, à noite), na qual - por iniciativa do deputado Karlos Cabral (PDT) - foi entregue o Título de Cidadão Goiano ao Padre Geraldo Marcos Labarrère Nascimento (jesuíta), “em reconhecimento à sua luta em defesa dos Direitos Humanos e da Juventude ao longo dos mais de 20 anos que viveu em Goiás”. Considero Padre Geraldo um verdadeiro irmão, amigo e companheiro de caminhada.
O deputado Karlos Cabral, em seu discurso, destacou o trabalho de Padre Geraldo na Casa da Juventude Pe. Burnier (CAJU). “Homenagear o Geraldo é fazer jus à sua luta e à pregação do Evangelho. Essa luta é muito bem representada pelo Geraldo, que é mineiro, mas se fez goiano de coração. Eu conheci o Geraldo na CAJU, um espaço que por mais de 30 anos se fez uma casa de oportunidades e que transformou centenas ou milhares de jovens. A CAJU marcou muitas juventudes sendo lugar de resistência, de debates, de empoderamento e de proteção”.
Em 2006, Padre Geraldo ajudou a criar a Campanha “A Juventude Quer Viver”, que defendia a implantação de políticas públicas de juventude e lutava contra a redução da maioridade penal. No mesmo ano, participou da fundação do “Comitê Goiano pelo Fim da Violência Policial”, quando começou a receber inúmeras ameaças.
Karlos Cabral lembrou que - depois da transferência de Padre Geraldo para São Paulo, por causa de perseguições sofridas (devido a denúncias contra a violência policial) e também (acrescento eu) por causa de “interferências religiosas” não esclarecidas - a CAJU foi fechada. Com palavras fortes, o deputado afirmou: “Mataram a CAJU, e apagaram a vida de muita gente junto, mas não mataram a semente que caiu no chão e dessa semente nasceu o Cajueiro”, que - com muita garra e criatividade - continua hoje o mesmo trabalho.
A ex-vereadora Cidinha Siqueira - militante dos Direitos da Pessoa com Deficiência e propositora da Lei que concedeu ao Padre Geraldo a cidadania goianiense, afirmou: “É uma grande alegria poder estar aqui e falar do Padre Geraldo pois ‘tudo colabora para o bem daqueles que amam a Deus’. Geraldo ajudou a derrubar barreiras do preconceito, da comunicação para as pessoas com deficiência. Em nome de todas as pessoas com deficiência eu agradeço a sua história de vida, o quanto você semeou dignidade da pessoa humana e isso significa muito para nós”.
Carmem Lúcia Teixeira, amiga de Padre Geraldo, disse: “Faz tempo que ele está exercitando para ser goiano. Quando o acolhi em Goiás percebi o quanto ele se entusiasmava com tudo que ele fazia e isso nos entusiasmava também. Uma das coisas que percebemos na CAJU é que, quando você trabalha com jovens e pobres, terá muitas barreiras pela frente. Ele nos ensinou a enxergar mais longe, porque ele foi educando nosso olhar com sua sensibilidade. Aprendemos com ele que precisamos ter esperanças mesmo que não haja como tê-las”.
A deputada Adriana Accorsi (PT) salientou: "Essa homenagem é importante, corajosa e nos inspira nesse momento que o país passa, não apenas pelo golpe que tira direitos, mas pelo ódio e o preconceito que estão sendo disseminados. Homenagear o Padre Geraldo é muito importante para nos dar coragem e nos inspirar a continuar a nossa luta".
O ex-deputado Mauro Rubem falou da luta do Padre Geraldo. “Você conhece ele na hora do sofrimento, da dor, na hora do velório. Ele não abaixa a cabeça e levanta a voz”.
Por fim, Padre Geraldo agradeceu dizendo: “A gente não se dá conta que o mundo está andando, que a gente agarra em um anzolzinho e continua agarrado. Eu só trabalho com gente excluída, vamos imaginar uma homenagem aos excluídos. Essa homenagem eu ganhei pelos excluídos, pessoas excluídas estruturalmente e intencionalmente. Não temos que viver pagando pedágio para os outros, nós somos um povo quase adulto, temos que pensar nas pessoas que vivem aqui. O mundo está crescendo e evoluindo, temos que nos adaptar às situações atuais, ao povo, ao respeito. A gente aprende com o povo, com os torturados, com os gays. Nós temos que acreditar que o mundo vai melhorar, mas não na teoria, temos que acreditar na prática. A gente acha que as pessoas são merecedoras de caridade, mas elas são merecedoras de direito.  Pessoas merecem respeito, independentemente de quem sejam”.
Para o Padre Gerando e todos/as que lutamos por outro mundo possível, a vida não nos pertence, é vida doada. Por isso, o que conta não é o título recebido, mas as pessoas homenageadas: os nossos irmãos e irmãs excluídos e excluídas. Se fosse o título, tenho certeza que Padre Geraldo - e todos/as nós como companheiros/as dele - ficaríamos sem jeito e até envergonhados/as por estarmos em companhia de tantas pessoas “não gratas” (más companhias) - como o golpista Michel Temer - que também receberam o título de cidadãos goianos.
Somos felizes, porque atualmente Padre Geraldo mora e trabalha na cidade de Goiás (Fraternidade da Anunciação - Mosteiro da Anunciação do Senhor) e presta assessorias sobre Direitos Humanos em todo o País.
Padre Geraldo, parabéns pelo seu testemunho de vida! Você e eu somos jovens há bastante tempo, mas continuamos na luta. Que Deus nos abençoe e Nossa Senhora da Terra nos acompanhe!
(Fonte: https://portal.al.go.leg.br/noticias/ver/id/153838/cidadao+goiano).




Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 27 de setembro de 2017