quarta-feira, 13 de julho de 2022

A Rua unida jamais será vencida!

 

A Equipe de Coordenação do Movimento Nacional da População em Situação de Rua de Goiás (MNPR-GO), animada por Eduardo de Matos, ex-morador de Rua - com o apoio de Movimentos Sociais Populares, Organizações de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos e da Irmã Mãe Terra Nossa Casa Comum, e também do Ministério Público de Goiás - promoveu o “Festival da Cultura e Inclusão da População em Situação de Rua” (6 e 7 deste mês de julho: Rua do Lazer - Centro - Goiânia - GO) e o VI Seminário Povos de Rua: resistência, arte, liberdade e cuidados - a construção da cidadania com os Povos de Rua (dia 8 deste mesmo mês: Auditório do MPGO - Goiânia - GO).

No Seminário foram debatidos e aprofundados diversos temas, como: o Direito de ser cuidado nos espaços de Rua; os Direitos dos usuários de drogas que vivem na Rua; População em Situação de Rua, Movimentos Sociais Populares, Direitos Humanos, Estado e Políticas Públicas; Garantindo Cuidados e Defendendo a Vida nos Espaços da Cidade.

O Seminário - por sinal muito bem organizado - renovou a esperança dos nossos Irmãos e Irmãs que moram em Situação de Rua presentes e de todos nós - seus Apoiadores e Apoiadoras - que também participamos.

A questão dos População em Situação de Rua - como nos lembrou Pe. Júlio Lancelotti (da Pastoral de Rua de São Paulo - SP) em sua comunicação virtual - não é meramente pessoal, mas sobretudo estrutural. Vivemos numa sociedade estruturalmente injusta e desigual. O sistema econômico capitalista neoliberal é iniquo: não só explora, mas descarta os trabalhadores e trabalhadoras, sobretudo os mais pobres, como se fossem lixo.

Segundo Relatório da ONU, lançado no dia 6 deste mês de julho, “o total de pessoas afetadas pela fome em todo o mundo aumentou em 150 milhões desde o início da pandemia da Covid-19, alcançando 828 milhões, em 2021” (O Popular, 07/07/22, p. 9). No Brasil, temos atualmente 33,1 milhões de pessoas passando fome. Que perversidade humana!

Precisamos - unidos/as e organizados/as - lutar para mudar esse sistema, construindo uma nova sociedade, um Mundo Novo de Irmãos e Irmãs, Filhos e Filhas do mesmo Pai-Mãe que é Deus.

“Hoje - diz o papa Francisco - ao fenômeno da exploração e da opressão, soma-se uma nova dimensão, um matiz gráfico e duro da injustiça social; os que não podem ser integrados, os excluídos são resíduos, ‘sobrantes’. Essa é a cultura do descarte (...). Isso acontece quando, no centro de um sistema econômico, está o deus dinheiro e não o ser humano, a pessoa humana. Sim, no centro de todo sistema social ou econômico, tem que estar a pessoa, imagem de Deus, criada para dar o nome às coisas do universo. Quando a pessoa é deslocada e vem o deus dinheiro, acontece essa inversão de valores” (1º Encontro Mundial de Movimentos Populares - EMMP, 27-29/10/14, Roma, Itália).

E ainda: “Pergunto-me se somos capazes de reconhecer que estas realidades destrutivas correspondem a um sistema que se tornou global. Reconhecemos que este sistema impôs a lógica do lucro a todo o custo, sem pensar na exclusão social nem na destruição da natureza? Se é assim - insisto - digamo-lo sem medo: queremos uma mudança, uma mudança real, uma mudança de estruturas. Este sistema é insuportável: não o suportam os camponeses, não o suportam os trabalhadores, não o suportam as Comunidades, não o suportam os Povos.  E nem sequer o suporta a Terra, a Irmã Mãe Terra, como dizia São Francisco” (2º Encontro Mundial de Movimentos Populares - EMMP, 07-09/07/15, Santa Cruz de la Sierra, Bolívia).

Durante o Seminário, num intervalo, os Moradores em Situação de Rua e seus Apoiadores/as, fizeram uma fila com as mãos nos ombros e - parafraseando o canto-refrão “o Povo unido jamais será vencido” -cantaram com toda força “a Rua unida jamais será vencida”. O canto-refrão nos emocionou a todos e todas. É verdade! O Povo, em primeiro lugar, é a “Rua”, “o Povo na Rua e da Rua”!

Esse canto-refrão “a Rua unida jamais será vencida” suscitou em mim - como um forte apelo - o desejo de dar uma sugestão: vamos promover anualmente - com esse canto-refrão como lema - uma grande mobilização no Brasil inteiro (em todos os Estados), coordenada pelo Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR), com o apoio e a solidariedade dos Movimentos Sociais Populares, sobretudo dos Movimentos pelo Direito à Moradia - que defendem as Ocupações - como  o Movimento de Trabalhadores/as por Direitos - MTD, Movimento de Trabalhadores/as Sem Teto - MTST, Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas - MLB.

Vocês - Irmãos e Irmãs, Moradores e Moradoras em Situação de Rua que, apesar de todas as adversidades, ainda acreditam na Vida e lutam para mudar a realidade e exigir seus Direitos - são para nós verdadeiros heróis e heroínas. Estamos com vocês! Unidos e unidas na luta! A vitória é nossa!










Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 12 de julho de 2022


sábado, 2 de julho de 2022

A questão da “ideologia” na Igreja (Parte 2)

 

Vimos (na Parte 1) que na história - no tempo e no espaço - todo posicionamento prático e/ou teórico do ser humano é ideológico. O que realmente importa é que seja um posicionamento ideológico que liberte e promova a vida.

Como nos lembra Leonardo Boff, ”todo ponto de vista é a vista de um ponto”. Ora, o ponto de vista da Igreja e de todo cristão ou cristã deve ser - ou deveria ser -  a vista do ponto de Jesus de Nazaré, que é o ponto dos Pobres.

Portanto, para a Igreja e todos os que somos cristãos ou cristãs, ver do ponto de vista de Jesus de Nazaré - seguindo o seu caminho desde a manjedoura até sua morte na cruz e sua Ressurreição - é fazer a Opção pelos Pobres. Lamentavelmente, à expressão “Opção pelos Pobres”, a Igreja acrescentou (com maior frequência nos Documentos mais recentes) a palavra “preferencial” para contentar aqueles (sobretudo padres e bispos) que não entenderam o que essa Opção significa.

Conheço padres e bispos que - quando convidados para participar de Encontros de Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) ou de Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP), falam de Comunidades Eclesiais (destacando - sobretudo hoje - a palavra “Missionárias”) ou de Pastoral da Juventude, mas nunca pronunciam (parece que há um bloqueio psicológico) as palavras “de Base” ou “do Meio Popular”: palavras perigosas por serem “ideológicas” (leiam: do lado dos Pobres).

Lembro a essa Igreja (para a qual só é “ideológico” o que está do lado dos Pobres) que uma Comunidade Eclesial é Missionária (Comunidade “em saída”) somente se for “de Base”, ou seja, encarnada na vida do Povo, na vida dos Pobres como fez Jesus de Nazaré, que nasceu na manjedoura de um estábulo e - a partir da manjedoura - anunciou a Boa Notícia do Reino de Deus a todos e todas.

Por outro lado (reparem!), essa mesma Igreja usa - de boca cheia e sem nenhum receio de ser “ideológica” - as palavras “Pastoral do empreendedor” (“empreendedor” não é pobre, portanto, não é ideológico), “Grupo de empresários católicos” (“empresários católicos” não são pobres, portanto, não são ideológicos), “Grupo de advogados católicos” (“advogados católicos” - sobretudo se forem “juízes” ou “desembargadores” - não são pobres, portanto, não são ideológicos), e assim por diante. Para essa Igreja, o “perigo” de conotação ideológica só existe em relação aos Pobres, ou seja, para quem fica do lado dos Pobres.

Por fim, pergunto: qual foi o posicionamento “ideológico” de Jesus de Nazaré? Ele ficou do lado dos poderosos ou do lado dos pobres? A resposta encontra-se no motivo que foi apresentado para justificar a sua “criminalização” pelos “desembargadores” da época, com as “bênçãos” do Sinédrio. “Achamos este homem (Jesus) fazendo subversão entre o nosso povo” (Lc 23,2).

Hoje - lamento isso - no prédio do Tribunal de Justiça de Goiás tem até Capela Católica com Sacrário e capelão: uma prática clara e indiscutivelmente inconstitucional. A razão da Capela deve ser para que os “desembargadores católicos” possam rezar diante do Santíssimo Sacramento e (quem sabe!) “assistir” à Missa do capelão recebendo a comunhão, antes de “criminalizar” trabalhadores e trabalhadoras “sem terra” e “sem teto” - ou seja, o próprio Jesus na pessoa dos pobres que lutam pelos direitos sagrados à terra de trabalho e à terra de moradia - assinando “ordens de despejo” (legais, mas injustas, desumanas, antiéticas e anticristãs) de suas Ocupações. Que descaramento! Quanta hipocrisia!

Os cristãos e cristãs perguntemo-nos: que Igreja queremos ser? A dos fariseus hipócritas ou a de Jesus de Nazaré? Que o Espírito Santo nos ilumine e nos transforme em verdadeiros profetas e profetisas da Boa Notícia do Reino de Deus no mundo de hoje. Assim seja!


                                     https://www.pensador.com/frase/NDE1NzU/



                                 Águas e Profecias: Luzes do Meio Popular gerando Vidas



                                                      CEB ao redor da Palavra, em:   https://pjmp.org/teologia-das-cebs


Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 26 de junho de 2022




O artigo foi publicado originalmente em: 
https://portaldascebs.org.br/a-questao-da-ideologia-na-igreja-parte-2/