segunda-feira, 2 de abril de 2012

Tempo Pascal

O Ano Litúrgico “compreende dois tempos fortes: o Ciclo Pascal, tendo como centro o Tríduo Pascal, a Quaresma como preparação e o Tempo Pascal como prolongamento; o Ciclo do Natal, com sua preparação no Advento e o seu prolongamento até a festa do Batismo do Senhor. Além destes dois, temos o Tempo Comum” (CNBB, Guia Litúrgico-Pastoral. Edições CNBB, p. 11).
O Tríduo Pascal da Paixão e Ressurreição do Senhor começa na 5ª feira santa à noite (depois do por do sol), com a Celebração da Ceia (mandamento do amor, lava-pés) e vai até à tarde do domingo da Páscoa da Ressurreição com as Vésperas. O Tríduo Pascal (o Cristo Crucificado, Sepultado e Ressuscitado) é o ápice do Ano Litúrgico porque celebra a Morte e a Ressurreição do Senhor, “quando Cristo realizou a obra da redenção humana e da perfeita glorificação de Deus pelo seu mistério pascal, quando morrendo destruiu a nossa morte e ressuscitando renovou a vida” (Normas sobre o Ano Litúrgico e o Calendário - NALC, 18).
O Tempo Pascal é de 50 dias, entre o domingo da Ressurreição e o domingo de Pentecostes. É o tempo da alegria e da exultação, um só dia de festa, “um grande domingo”. São dias de Páscoa e não após Páscoa (cf. NALC, 22). “Os oito primeiros dias do tempo pascal formam a oitava da Páscoa e são celebrados como solenidades do Senhor” (NALC, 24). “Ressuscitados com Cristo, cantamos sua glória, sua vitória sobre a morte. O ‘aleluia’ volta a ressoar em nossos lábios, invadindo todo o nosso ser com ardor sempre crescente, pois ‘as coisas antigas já se passaram, somos nascidos de novo’” (CNBB, Guia Litúrgico-Pastoral, p. 88).
A solenidade da Ascensão, no Brasil, é celebrada no 7º domingo da Páscoa. A semana seguinte, até Pentecostes, caracteriza-se pela preparação à celebração da vinda do Espírito Santo. Em sintonia com as outras Igrejas cristãs, nesta semana realizamos no Brasil a “Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos” (cf. Diretório Ecumênico, 22 e 24).
Para os cristãos, a Páscoa (até a Páscoa definitiva) é o acontecimento histórico central. Celebrar ou fazer a memória da Páscoa (Mistério Pascal) significa torná-la presente no mundo de hoje, vivenciá-la em todas as dimensões da vida humana e cósmica. A Liturgia é a celebração da Vida no Mistério Pascal e, ao mesmo tempo, a celebração do Mistério Pascal na Vida. A espiritualidade é - em seu sentido mais profundo - espiritualidade pascal. Vejamos o porquê.
Em primeiro lugar (no sentido lógico e não cronológico), a espiritualidade é o jeito “humano” de ser do ser humano e envolve o ser humano todo, em todas as suas dimensões e relações. Ela perpassa, impregna e absorve a totalidade do ser humano, a totalidade de sua existência.
Como, porém, o ser humano, por ser histórico (situado e datado), é um "vir-a-ser" e um ser de busca permanente, ele pode - ao longo de sua vida no mundo e na sociedade - adquirir uma profundidade e intensidade sempre maior na vivência do "humano", até o fim da vida. Portanto, a espiritualidade é, antes de tudo, espiritualidade humana. Ser espirituais significa ser “humanos”, viver a humanidade em graus crescentes de profundidade e intensidade. Nunca ninguém exagera em ser “humano”, nunca ninguém é “humano” demais.
Para os cristãos, à luz da fé, a espiritualidade humana é espiritualidade cristã. Não pode, porém, ser espiritualidade cristã se não for primeiro (sempre no sentido lógico e não cronológico) espiritualidade humana. A espiritualidade cristã é uma espiritualidade radicalmente humana. Os cristãos, em nome de sua fé, não têm o direito de ser omissos, mas devem estar sempre na linha de frente em todas as lutas que visam tornar a sociedade e o mundo mais humanos.
“As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos seres humanos de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo. Não se encontra nada verdadeiramente humano que não lhes ressoe no coração” (Concílio Vaticano II. A Igreja no mundo de hoje - GS, 1). Trata-se de uma solidariedade (compaixão) entranhável dos cristãos com toda a humanidade. Na prática e não só na teoria, os cristãos deveriam ser, por assim dizer, especialistas em humanidade.
Os cristãos acreditam que "o mistério do ser humano só se torna claro verdadeiramente no mistério do Verbo encarnado. (…) Cristo manifesta plenamente o ser humano ao próprio ser humano e lhe descobre a sua altíssima vocação" (GS, 22). "Todo aquele que segue Cristo, o Homem perfeito, torna-se ele também mais ser humano" (GS, 41). "A razão principal da dignidade humana consiste na vocação do ser humano para a comunhão com Deus" (GS, 19). "A fé esclarece todas as coisas com luz nova. Manifesta o plano divino sobre a vocação integral do ser humano. E por isso orienta a mente para soluções plenamente humanas" (GS, 11).
Reparem que o texto não diz “soluções não somente humanas, mas também sobrenaturais” (visão dualista da vida humana), mas diz “soluções plenamente humanas”. Para os cristãos, o plenamente humano inclui a dimensão da fé. O cristianismo é um humanismo pleno, um humanismo radical. Pela fé, os cristãos descobrem sempre mais claramente o verdadeiro sentido da vida (na história), até o seu pleno, último e definitivo sentido (na meta-história).
Pela centralidade da Páscoa na vida dos cristãos, a espiritualidade cristã é, pois, espiritualidade pascal: cristológica, pneumatológica e trinitária (comunitária - eclesial). Viver a espiritualidade pascal significa viver como Jesus viveu, morrer como Jesus morreu, ressuscitar como Jesus ressuscitou. Em outras palavras, viver a espiritualidade pascal significa fazer acontecer a Páscoa de Jesus na vida pessoal, na história humana e no mundo todo. A Páscoa (o mistério pascal), que é passagem da morte (e de tudo o que a morte significa) para a vida (vida nova em Cristo, vida segundo o Espírito) é uma realidade dinâmica (processual), que impregna a totalidade da existência humana no mundo.
Para os cristãos, a vida é uma caminhada pascal, que faz o Reino de Deus acontecer, até a Páscoa definitiva, que é a plenitude do Reino de Deus, a plenitude da Vida e da Felicidade. Que a nossa espiritualidade seja realmente - e sempre mais - espiritualidade pascal!

Obs.: Veja também o meu artigo Espiritualidade pascal: no Diário da Manhã, 21/04/11, p. 15, ou no link: http://www.adital.com.br/site/noticia_imp.asp?lang=PT&img=N&cod=55841.

Diário da Manhã, Opinião Pública, Goiânia, 01/04/12, p. 07

http://www.dmdigital.com.br/novo/?ref=dmsite#!/view?e=20120401&p=23
http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&langref=PT&cod=65643


Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG aposentado
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

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