quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Plebiscito Popular e Grito dos Excluídos

“Participar é nosso direito!”

            Em junho e julho de 2013, nas ruas e praças, milhares de pessoas, sobretudo jovens, trabalhadores e trabalhadoras, deram - com gritos e cartazes - um recado para as atuais instituições do Brasil: elas não nos representam! As mobilizações mostraram, de maneira clara, o abismo existente entre a maioria oprimida da Nação (os trabalhadores e as trabalhadoras) e as atuais instituições, que só visam resguardar os interesses de uma minoria de privilegiados (os detentores do poder econômico).
O “Manifesto de Apoio ao Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político” afirma: “o ‘nosso’ poder não é alicerçado na soberania popular. A Constituição de 1988, apesar de definir que todo poder emana do povo, criou poucos mecanismos de expressão da soberania popular. Temos um poder (político) alicerçado no poder econômico, que interfere nas decisões de Estado, no desenho das políticas públicas e no processo eleitoral. Os deputados e senadores, ligados ao poder econômico, são em número três vezes maior que aqueles ligados aos trabalhadores e às lutas populares. Isso piora a cada eleição” (http://www.reformapolitica.org.br - para assinar o Manifesto, acesse o site).
            Mais de 70% dos parlamentares - deputados e senadores - são empresários e latifundiários, suas campanhas são financiadas por empresas privadas (preocupadas somente com seus interesses econômicos) e não querem a mudança do sistema político.  
Diante disso, entidades representativas de trabalhadores e trabalhadoras da cidade e do campo, da juventude, dos movimentos democráticos e populares, das pastorais sociais, decidiram organizar e realizar o Plebiscito Popular sobre o sistema político, que é uma grande consulta popular, no Brasil inteiro.
O Plebiscito Popular tem também o apoio do Presidente da Comissão da CNBB que acompanha a Reforma Política, Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães. Ele manifesta o apoio da CNBB em “Carta de Apoio ao Plebiscito Constituinte”, do último dia 8, dirigida aos participantes da Plenária Nacional dos Movimentos Sociais (Populares), reunidos em São Paulo.
Na votação do Plebiscito Popular, a questão a ser respondida é: você é a favor de uma Constituinte exclusiva e soberana sobre o sistema político?
            Lembremos que uma Constituinte só é exclusiva quando os candidatos são escolhidos pelo povo para uma finalidade específica (no caso: a mudança do sistema político) e só é soberana quando os candidatos escolhidos pelo povo têm plenos poderes para decidir sobre o assunto em questão.
             Em todos os Estados - nos bairros das grandes cidades, nos Municípios do interior, nas escolas, nas universidades e em muitos outros lugares de concentração popular - foram constituídos Comitês de campanha, que pretendem mobilizar ao menos 10 milhões de pessoas e votos em todo o país.
            O Plebiscito Popular será realizado na primeira semana de setembro, dos dias 1º a 7. Não deixemos de votar! Mostremos a nossa vontade! Participemos! Participar é nosso direito!
            No dia 7 de setembro será realizado também o 20º Grito dos Excluídos e Excluídas. Diante das manifestações que tomaram ruas e praças e dentro do tema geral “Vida em primeiro lugar”, o Grito deste ano traz como tema específico “Ocupar ruas e praças por liberdade e direitos”, que está ligado à Campanha da Fraternidade 2014, “Fraternidade e Tráfico Humano”.
            O Grito 2014, como uma das vozes na sociedade brasileira a clamar pelos excluídos, quer reafirmar sua história de luta. A Nota da Coordenação Nacional destaca que "preparar-se para o Grito é, antes de tudo, reconhecer a chama às vezes tênue, mas sempre viva, dessas inúmeras luzes que iluminam a noite sombria do poupar energia do corpo, da apatia, do descrédito e do desencanto".
Entre os muitos clamores do Grito 2014, temos: a mudança do sistema político (Plebiscito Popular), a luta contra o trabalho escravo (Campanha da Fraternidade), o direito à migração e à livre manifestação, a defesa dos direitos básicos e a participação popular, a garantia da terra aos povos tradicionais e indígenas, a defesa de políticas sociais voltadas para a juventude, o direito das mulheres e a luta contra a violência.
O presidente da Comissão para o Serviço da Caridade, Justiça e Paz da CNBB, Dom Guilherme Werlang, em “Carta de Apoio ao Grito”, destacou o espaço conquistado pelo evento em todo o país. "O Grito dos Excluídos/as tem sido um espaço valioso de mobilização popular e formação cidadã da população através do engajamento das pastorais, movimentos sociais (populares) e demais aliados que sonham com um Projeto Popular para o Brasil”.
O bispo sublinhou também a necessidade do constante empenho e luta pelos direitos da população. “Lembramos que em nosso país a justiça social ainda não é uma realidade plena. As mudanças estruturais são necessárias porque a sociedade ainda não é espaço de vida digna para todos, como se percebeu nas grandes manifestações do ano passado. O Brasil ainda precisa mudar e por isso queremos este ano 'ocupar ruas e praças por liberdade e direitos'".
O Plebiscito Popular e o Grito dos Excluídos/as são a voz e a vez do Povo, que quer mudar o sistema político e abrir caminhos alternativos para um “novo jeito de fazer política”. Não percamos a oportunidade! Não deixemos a “banda passar”! Um outro sistema político é possível e necessário! Lutemos por ele!

(Leia também o artigo “Financiamento de campanhas políticas”, em: http://site.adital.com.br/site/noticia.php?lang=PT&cod=81819&langref=PT&cat=24).



                                                                                                Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
                                                                                      Goiânia, 27 de agosto de 2014

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

A Espiritualidade das CEBs

A Espiritualidade - se for autêntica - é, antes de tudo, Espiritualidade Humana. Ser espiritual significa ser “humano”, viver o “humano” (a “humanidade”) sempre mais radicalmente, libertando-se de tudo aquilo que oprime e desumaniza. “O pecado diminui o ser humano, impedindo-o de conseguir a plenitude” (Concílio Vaticano II. A Igreja no mundo de hoje - GS, 13). Nunca o ser humano exagera em ser “humano”, nunca o ser humano é “humano” demais. Jesus de Nazaré é o maior exemplo de radicalidade humana e de vivência do “humano”.  
            Se queremos ser homens e mulheres espirituais (de Espiritualidade), sejamos humanos, radicalmente humanos, em todos os momentos e em todas as situações da vida, mesmo e sobretudo nas situações que ainda são desumanas.
A Espiritualidade Humana, à luz da fé, é Espiritualidade Cristã. Não são duas Espiritualidades diferentes. É a mesma Espiritualidade. A Espiritualidade não pode ser cristã se não for humana e, se for humana, é - implícita ou explicitamente - cristã.
            A fé é como um farol que ilumina a razão humana, amplia seus horizontes e a torna capaz de enxergar melhor e mais longe. Em outras palavras, a fé dá à razão humana as condições de compreender - sempre mais profunda e radicalmente - o ser humano. Em Jesus Cristo, o “humano” é tão humano que se torna “divino” e o “divino” é tão divino que se torna “humano”.
            Por ser Cristo “a chave, o centro e o fim de toda a história humana” (GS, 10), "o mistério do ser humano (homem e mulher) só se torna claro verdadeiramente no mistério do Verbo encarnado. Com efeito, Adão o primeiro homem era figura daquele que haveria de vir, isto é, de Cristo Senhor. Novo Adão, na mesma revelação do mistério do Pai e de seu amor, Cristo manifesta plenamente o ser humano ao próprio ser humano e lhe descobre a sua altíssima vocação" (GS, 22).
            “A fé esclarece todas as coisas com luz nova. Manifesta o plano divino sobre a vocação integral do ser humano. E por isso orienta a mente para soluções plenamente humanas" (GS, 11).
            Para os cristãos e cristãs, o plenamente humano inclui a dimensão da fé, que perpassa e impregna todas as dimensões da vida humana na sociedade e no mundo. A fé - quando verdadeira - humaniza, torna o ser humano mais ser humano. O autêntico cristianismo é um humanismo pleno, é um humanismo radical.
            Ora, pela condição do ser humano no mundo e pela ligação umbilical que ele tem com a mãe terra e com a natureza (todos os seres, vivos ou não), podemos dizer que o humanismo pleno e radical é um humanismo natural e um naturalismo humano.
            Ser cristãos e cristãs é ser plena e radicalmente humanos. O plena e radicalmente humano é cristão e o cristão é plena e radicalmente humano. Os cristãos e cristãs devem ser, por assim dizer, especialistas em humanidade. Pela fé, eles e elas descobrem sempre mais claramente o verdadeiro sentido da vida na história, até o seu pleno, último e definitivo sentido na meta-história (na eternidade).
            A Espiritualidade Cristã é, portanto, um projeto de Espiritualidade plena e radicalmente humana. “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos seres humanos de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo. Não se encontra nada verdadeiramente humano que não lhes ressoe no coração” (GS, 1). Trata-se de uma solidariedade (com-paixão) entranhável dos cristãos e cristãs com todos os seres humanos, homens e mulheres, a partir dos pobres (a Opção pelos Pobres).
            A Espiritualidade Cristã é Espiritualidade Pascal, ou seja, Espiritualidade que brota da vivência, sempre mais profunda e sempre mais envolvente, da Páscoa: o mistério do Cristo crucificado, sepultado e ressuscitado, que é o mistério do amor infinito de Deus para conosco. 
            De fato, a Páscoa ou o mistério pascal é o centro da vida dos cristãos e cristãs e, do ponto de vista celebrativo, é o centro do ano litúrgico, no qual o tempo cronológico é transformado em tempo kairológico, que é o tempo da ação de Deus em favor do seu povo. Fazendo a memória, ou seja, tornando presente a Páscoa do Senhor na Eucaristia, participamos de seu mistério de morte e ressurreição. A liturgia é a celebração do mistério pascal na vida e a celebração da vida no mistério pascal.
            Viver a Espiritualidade Cristã como Espiritualidade Pascal significa viver o mistério pascal, ou seja, viver como Jesus viveu, morrer como Jesus morreu, ressuscitar como Jesus ressuscitou.  
E viver o mistério pascal significa fazer acontecer a Páscoa de Jesus - que é a nossa Páscoa, que é o Reino de Deus - na vida pessoal e social (sócio-econômico-político-ecológico-cultural), na história humana e no mundo todo, até à Páscoa definitiva, que é a plenitude do Reino de Deus, a plenitude da vida e da felicidade.
A Páscoa ou o mistério pascal, que é passagem da morte (e de tudo o que a morte significa) para a vida (vida nova em Cristo, vida segundo o Espírito), é uma realidade dinâmica e processual, que - de maneira sempre mais integrada e integradora - perpassa e impregna a totalidade da existência humana no mundo. “Toda a criação espera ansiosamente a manifestação dos filhos de Deus. (...) Pois ela também será libertada da escravidão da corrupção, para participar da liberdade e da glória dos filhos de Deus” (Rm 8,19.21).
            A vida, para os que foram batizados e têm fé, é uma caminhada pascal. Enquanto estamos no mundo, sempre precisamos morrer a tudo o que está errado em nossa vida, sepultando os nossos pecados (o ser humano velho) e sempre precisamos ressuscitar para a vida nova em Cristo (o ser humano novo) (cf. Rm 6,1-11). "Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em plenitude" (Jo 10,10).
            A alma da Espiritualidade Pascal - que é Espiritualidade de comunhão - é o Espírito Santo, o Amor de Deus, que nos faz mergulhar no mistério da Santíssima Trindade (a melhor Comunidade), nos torna testemunhas do Cristo Ressuscitado e nos compromete pessoal e comunitariamente com o seu Projeto de Vida, que é o Reino de Deus, na sociedade e no mundo.
A Espiritualidade Pascal é Espiritualidade do Seguimento de Jesus. "Todo aquele que segue Cristo, o Homem perfeito, torna-se ele também mais ser humano" (GS, 41). 
            A Espiritualidade do Seguimento de Jesus “se alimenta de uma verdadeira paixão por Ele, de uma amizade singular, (...) de uma compenetração intimíssima, comunhão mesmo” (Dom Pedro Casaldáliga, Nosso Deus tem um sonho e nós também: Carta espiritual às Comunidades. X Encontro Intereclesial, Ilhéus - BA, 11-15 de julho de 2000). Encara os desafios do mundo de hoje como apelos de Deus e é um caminho de libertação, de realização humana e de felicidade.
            “O seguimento de Jesus é fruto de uma fascinação que responde ao desejo de realização humana, ao desejo de vida plena. O discípulo é alguém apaixonado por Cristo, a quem reconhece como mestre, que o conduz e acompanha" (Documento de Aparecida - DA, 277).
            “No seguimento de Jesus Cristo, aprendemos e praticamos as bem-aventuranças do Reino, o estilo de vida do próprio Jesus: seu amor e obediência filial ao Pai, sua compaixão entranhável frente à dor humana, sua proximidade aos pobres e aos pequenos, sua fidelidade à missão encomendada, seu amor serviçal até à doação de sua vida. Hoje, contemplamos a Jesus Cristo tal como os Evangelhos nos transmitem para conhecermos o que Ele fez e para discernirmos o que nós devemos fazer nas atuais circunstâncias” (DA. 139).
            Os cristãos e cristãs são chamados a viver - sempre mais radicalmente - a Espiritualidade do Seguimento de Jesus, a partir da opção pelos empobrecidos, oprimidos e excluídos da sociedade, sendo “profetas da vida” (DA, 471) em todas as situações concretas da realidade humana e cósmica.
            Enfim, a Espiritualidade Humana, Cristã, Pascal e do Seguimento de Jesus é Espiritualidade da Libertação, é Espiritualidade da Vida. E é essa a Espiritualidade das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base).
            A CEB é “o primeiro e fundamental núcleo eclesial”, “célula inicial da estrutura eclesial” (Documentos de Medellín, XV, 10) e a Paróquia renovada é “um conjunto pastoral unificador das Comunidades de Base” (ib. 13).
            Faça a experiência desse “novo e antigo jeito de ser Igreja”, que é “o jeito evangélico de ser Igreja”, que é “o jeito de ser Igreja que Jesus quer”.

            Participe da 4ª Romaria da CEBs: 14 de setembro de 2014, concentração no Portal de entrada do Trevo de Trindade - GO, às 9 horas. Sua presença nos alegrará muito!

Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
                                                                                 Goiânia, 20 de agosto de 2014

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Vida Religiosa radicalmente profética

               Na Igreja, a Vida Religiosa (Vida Consagrada, Vida Religiosa Consagrada, Vida de especial Consagração) - na diversidade de suas formas e de seus carismas - nasce, pela ação do Espírito Santo, da Consagração Batismal - que é a primeira e fundamental Consagração - como projeto de vida cristã radical, em resposta aos desafios que o mundo apresenta.
            Todos os cristãos e cristãs, seguidores e seguidoras, discípulos missionários e discípulas missionárias de Jesus de Nazaré são chamados a ser profetas e profetisas da vida, buscando a radicalidade evangélica, que é radicalidade profética.
            Os religiosos e religiosas assumem esse projeto de vida cristã radical por um chamado especial de Deus e - como setas que indicam o caminho - se comprometem a apontá-lo, pelo testemunho e pela palavra, a todos e todas aqueles e aquelas que desejam segui-lo.
“Como profetas da vida, queremos insistir que, nas intervenções sobre os recursos naturais, não predominem os interesses de grupos econômicos que arrasam irracionalmente as fontes da vida, em prejuízo de nações inteiras e da própria humanidade”.
Queremos também “procurar um modelo de desenvolvimento alternativo, integral e solidário, baseado em uma ética que inclua a responsabilidade por uma autêntica ecologia natural e humana, que se fundamenta no evangelho da justiça, da solidariedade e do destino universal dos bens, e que supere a lógica utilitarista e individualista, que não submete os poderes econômicos e tecnológicos a critérios éticos” (Documento de Aparecida - DA, 471.473, c).
Hoje, na América Latina e no Caribe, “a Vida Consagrada é chamada a ser uma vida discipular, apaixonada por Jesus-caminho ao Pai misericordioso, e por isso, de caráter profundamente místico e comunitário. É chamada a ser uma vida missionária, apaixonada pelo anúncio de Jesus-verdade do Pai, por isso mesmo radicalmente profética, capaz de mostrar à luz de Cristo as sombras do mundo atual e os caminhos de uma vida nova, para o que se requer um profetismo que aspire até à entrega da vida em continuidade com a tradição de santidade e martírio de tantas e tantos consagrados ao longo da história do Continente. E, a serviço do mundo, uma vida apaixonada por Jesus-vida do Pai, que se faz presente nos mais pequeninos e nos últimos, a quem serve a partir do próprio carisma e espiritualidade” (DA, 220).
Dentro das possibilidades humanas, a entrega dos religiosos e religiosas a serviço da vida - fazendo acontecer o Reino de Deus - deve ser total e exclusiva, tendo sempre como referencial a vida de Jesus de Nazaré. Essa entrega acontece (se torna história) nas situações concretas da realidade humana e cósmica, a partir dos empobrecidos, oprimidos e excluídos da sociedade (Opção pelos Pobres). “Não existe amor maior do que dar a vida pelos amigos” (Jo 15,13). “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1).
No Diálogo sobre a Vida Religiosa “Despertem o mundo” (06 de janeiro de 2014) - dirigindo-se aos religiosos e religiosas e falando de coração aberto - o nosso irmão papa Francisco diz: “deverão ser testemunhas reais de um modo diferente de ser e agir. Mas, na vida, é difícil as coisas sempre serem claras; precisas, bem delineadas. A vida é complicada, consistindo de graça e pecado. Aquele que não peca não é humano. Todos cometemos erros e precisamos reconhecer nossas fraquezas. Um religioso que se reconhece como fraco e pecador não nega o testemunho ao qual é chamado a dar; pelo contrário, ele o reforça, e isso é bom para todos. O que espero de vocês é, pois, dar testemunho. Quero este testemunho especial por parte dos religiosos”.
 Num tom coloquial, Francisco - dizendo que “a Igreja deve ser atraente” - continua, fazendo um caloroso apelo aos religiosos e religiosas: “despertem o mundo! Sejam testemunhos de uma forma diferente de fazer as coisas, de agir, de viver! É possível viver neste mundo de forma diferente. Estamos falando de uma perspectiva escatológica, dos valores do Reino aqui encarnados sobre esta terra. Trata-se de deixar todas as coisas para seguir ao Senhor. Não, não quero dizer ‘radical’. A radicalidade evangélica não é apenas para os religiosos: ela é exigida de todos. Porém, os religiosos seguem ao Senhor de forma especial, seguem-no profeticamente. É este testemunho que espero de vocês. Os religiosos e as religiosas deveriam ser pessoas capazes de despertar o mundo”.
Com objetividade e clareza, Francisco fala de como podemos entender a realidade: “estou convencido de uma coisa: as grandes mudanças na história ocorreram quando a realidade não era vista a partir do centro, mas sim da periferia. Trata-se de uma questão hermenêutica: entende-se a realidade apenas se ela for olhada da periferia, e não quando nosso ponto de vista está equidistante de tudo (diríamos nós: em cima do muro). Para verdadeiramente entendermos a realidade, precisamos nos distanciar da posição central de calmaria e de paz, e nos dirigirmos às áreas periféricas”.
Qual é, então, a prioridade da Vida Consagrada? O papa responde: “a profecia do Reino, que não é negociável. A ênfase deverá cair sobre os profetas, e não em brincar de sê-los. Naturalmente, o demônio nos apresenta suas tentações, e uma delas é: apenas parecer sermos profetas. Porém, não se pode jogar com estas coisas. Eu mesmo tenho visto coisas tristes a esse respeito. Não, os religiosos e as religiosas são homens e mulheres que iluminam o futuro” (http://www.ihu.unisinos.br/noticias/526970-qdespertem-o-mundoq-integra-do-dialogo-do-papa-francisco-sobre-a-vida-religiosa).
Que assim seja! Religiosos e religiosas, meditemos! Precisamos voltar às fontes, mas sempre atentos aos sinais dos tempos! Sejamos - cada vez mais - verdadeiros profetas e profetisas na Igreja e no mundo de hoje!

 16 de agosto: Dia da Vida Religiosa! Participemos com alegria da Celebração da CRB Regional!
Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
                                                                                       Goiânia, 14 de agosto de 2014

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

A caminho dos 800 anos da Família Dominicana

“Enviados a pregar o Evangelho”

               Neste ano de 2014, a Festa de São Domingos de Gusmão assume para a Família Dominicana (Frades, Monjas, Irmãs das diversas Congregações Dominicanas e Leigos/as) um significado todo especial.
          Com o tema “Enviados a pregar o Evangelho”, estamos nos preparando para celebrar o Jubileu dos 800 anos da confirmação da fundação da Ordem Dominicana (Ordem dos Pregadores), ocorrida pela Bula do Papa Honório III, publicada em 22 de dezembro de 1216.
               Mesmo que o Ano Jubilar propriamente dito se celebre de 7 de novembro de 2015 (Festa de Todos os Santos da Ordem) a 21 de janeiro de 2017 (bula “Gratiarum omnium”), já estamos em clima de festa.
         “Preparar e celebrar esse Jubileu significa entrar em um processo dinâmico de alegria, renovação e mudança de vida (metanóia), como acontecia com o Povo de Deus ao celebrar cada Ano Jubilar (cf. Lv 25,10)”
               Entre as várias programações do Ano Jubilar, em âmbito mundial, duas merecem ser destacadas: uma peregrinação de Frades Estudantes com o Mestre da Ordem, visitando os lugares relacionados com nosso Pai São Domingos e com o nascimento da Ordem e uma Celebração com o Papa, que já foi convidado e informalmente aceitou presidir a Cerimônia de fechamento do Ano Jubilar, em 21 de janeiro de 2017, na Basílica Santa Maria Maior, em Roma.
           A programação do Ano Jubilar para a Família Dominicana no Brasil está sendo preparada por uma Comissão representativa de toda a Família e será oportunamente divulgada (cf. http://www.dominicanos.org.br/index.php/noticia/368-jubileu-da-ordem-800-anos-da-confirmacao-de-sua-fundacao).
            A Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil (que tem o seu Secretariado Nacional em Goiânia) convida toda a Família Dominicana de Goiânia e região e demais amigos e amigas para celebrarmos juntos a Festa de São Domingos, renovando o nosso compromisso com a profecia em vista da Justiça e da Paz e fortalecendo a utopia do Reino que nos mobiliza há tantos anos.
              Embora na Liturgia da Igreja a Festa de São Domingos seja celebrada no dia 8 de agosto, para facilitar a participação de todos e de todas, nós a celebraremos no dia 9, que é sábado.
       Teremos duas programações: das 15:30 às 18:30 horas: formação com as Juventudes, com o temaSão Domingos ontem e hoje: à luz da caminhada de Justiça e Paz” (local: Salão Paroquial da Igreja São Judas Tadeu - Rua 242, nº 100, Setor Coimbra - próximo à Praça A); e às 19:00 horas: Celebração da Eucaristia (local: Igreja São Judas Tadeu).
       Terminaremos a Festa com uma confraternização. Todos são convidados a levar muita motivação, alegria, salgadinhos, refrigerantes e sucos para nossa partilha fraterna.
     Na Festa de São Domingos celebraremos: os 25 anos da Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil; os 40 anos de martírio de Frei Tito (mártir da ditadura civil militar de 1964); os 500 anos da conversão de Las Casas e, desde já, os 800 anos da Família Dominicana. Contamos com a presença de todos e de todas.
   “Recordar o testemunho militante de frei Tito neste ano de 2014, que marca o cinquentenário do golpe militar, é resgatar o exemplo de todos, homens e mulheres, que lutaram na resistência à ditadura” (Frei Betto, 40 anos do martírio de Frei Tito, em: http://site.adital.com.br/site/noticia.php?lang=PT&cod=81637&langref=PT&cat=24).
            Para a nossa meditação, nesta Festa de São Domingos, trago aqui as palavras do celebre Sermão de Frei Antônio de Montesinos, de 21 de dezembro de 1511 (4º Domingo do Advento). A Comunidade dos Frades Dominicanos na América Espanhola colonial reagiu contra o massacre dos índios e, após um discernimento comunitário, resolveu assumir uma posição clara e encarregou a Frei Antônio de Montesinos para ser o seu porta-voz.
O tema do Sermão escolhido foi a frase de João Batista: eu sou a voz que clama no deserto. Além de Bartolomeu de Las Casas, estavam presentes os capitães espanhóis e o almirante Diego Colombo, filho do próprio Cristóvão Colombo. A pregação de Frei Antônio de Montesinos causou um profundo impacto em Bartolomeu de Las Casas, que o levou a se converter, tornando-se um grande defensor dos índios, um grande missionário dominicano e um grande apóstolo.
Eis as proféticas palavras do Sermão: "Todos vós estais em pecado mortal. Nele viveis e nele morrereis, devido à crueldade e tiranias que usais com estas gentes inocentes. Dizei-me, com que direito e baseados em que justiça, mantendes em tão cruel e horrível servidão os índios? Com que autoridade fizestes estas detestáveis guerras a estes povos que estavam em suas terras mansas e pacíficas e tão numerosas e os consumistes com mortes e destruições inauditas? Como os tendes tão oprimidos e fatigados, sem dar-lhes de comer e curá-los em suas enfermidades? Os excessivos trabalhos que lhes impondes os fazem morrer, ou melhor dizendo, vós os matais para poderdes arrancar e adquirir ouro cada dia... Não são eles acaso homens? Não têm almas racionais? Vós não sois obrigados a amá-los como a vós mesmos? Será que não entendeis isso? Não o podeis sentir? Tende como certo que, no estado em que vos encontrais, não tendes mais chance de vos salvardes de que os muçulmanos e turcos, que não têm fé em Jesus Cristo" (www.direitoshumanos.usp.br).
Que São Domingos interceda por nós para que tenhamos hoje a mesma coragem profética de Frei Antônio de Montesinos e de sua Comunidade Religiosa.
Oração do Jubileu dos 800 anos da Família Dominicana:


Deus Pai de misericórdia, que chamastes o vosso servo Domingos de Gusmão para se colocar no caminho da fé, como peregrino itinerante e pregador da graça, ao prepararmos para celebrar o Jubileu da Ordem, vos pedimos que infundais novamente em nós o Espírito do Cristo Ressuscitado, para que possamos proclamar com fidelidade e alegria o Evangelho da paz, pelo mesmo Jesus Cristo nosso Senhor, Amém! 
                                                                           Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
                                                                                       Goiânia, 06 de agosto de 2014

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Financiamento de campanhas políticas


            Com realismo e objetividade, o procurador da República Hélio Telho afirma: “qualquer empresa privada, no Brasil e em qualquer regime capitalista, tem um único objetivo que é obter lucro. Não há ideologia a não ser a do lucro”.
            A partir dessa premissa, o procurador sustenta que todas as financiadoras só bancam campanhas de políticos em troca de futuros contratos. “Doar - diz ele - é incompatível com a ideia de lucro”. As empresas privadas fazem investimentos, mas “a lei usa uma expressão equivocada, para que não fique tão agressivo para os eleitores”. As licitações - conclui Hélio Telho - são direcionadas para beneficiar os financiadores.
Dois casos concretos - as eleições da presidenta Dilma Rousseff (PT) e do governador do Estado de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), em 2010 - ilustram muito bem o assunto em questão.
Segundo levantamento feito pelo jornal O Popular, entre as empresas que - direta ou indiretamente - mais contribuíram financeiramente com as eleições da presidenta Dilma e do governador do Estado de Goiás, Marconi Perillo (incluindo também as contribuições dadas aos comitês e diretórios partidários pertencentes à coligação dos candidatos), cinco receberam até 500 vezes mais dinheiro, em contratos firmados, entre 2011 e maio deste ano.
As cinco empresas, que contribuíram com a eleição da Presidenta Dilma, receberam do Governo Federal, em contratos firmados, R$ 3,67 bilhões, desde 2011.
A Construtora Andrade Gutierrez S/A, que contribuiu com R$ 43 milhões, recebeu em contratos R$ 889,5 milhões e o porcentual de retorno foi de 2.069%. A Construtora Queiroz Galvão S/A, que contribuiu com R$ 24 milhões, recebeu em contratos 1,4 bilhão e o porcentual de retorno foi de 5.927%. Construções e Comércio Camargo Correa S/A, que contribuiu com R$ 23,9 milhões, recebeu em contratos R$ 1 bilhão e o porcentual de retorno foi de 4.453%. JBS S/A, que contribuiu com R$ 19 milhões, recebeu em contratos R$ 51 milhões e o porcentual de retorno foi de 268%. A Construtora OAS S/A, que contribuiu com R$ 12,8 milhões, recebeu em contratos R$ 247,8 milhões e o porcentual de retorno foi de 1.932%.
As cinco empresas, que contribuíram com a eleição do governador Marconi Perillo, receberam do Governo Estadual, em contratos firmados, R$ 569 milhões, no mesmo período, desde 2011.
A Fortesul Serviços Especiais de Vigilância e Segurança LTDA, que contribuiu com R$ 1,2 milhão, recebeu em contratos R$ 45,7 milhões e o porcentual de retorno foi de 673%. A Egesa Engenharia S/A, que contribuiu com R$ 1,1 milhão, recebeu em contratos R$ 45,7 milhões e o porcentual de retorno foi de 915%. O Grupo Coral (Coral Empresas de Segurança LTDA e Coral Adm. e Serviços LTDA), que contribuiu com R$ 2 milhões, recebeu em contratos R$ 87,1 milhões e o porcentual de retorno foi de 684%. A Construtora Central do Brasil S/A, que contribuiu com R$ 320 mil, recebeu em contratos R$ 175,3 milhões e o porcentual de retorno foi de 54.786%. A Loctec Engenharia LTDA, que contribuiu com R$ 600 mil, recebeu em contratos R$ 215,9 milhões e o porcentual de retorno foi de 35,999%. Que doações são essas!
Embora - de acordo com a legislação vigente - não haja nenhuma ilegalidade nos contratos firmados com as empresas financiadoras, existe - aponta o economista Maurício Faganelo - uma “política de relacionamento” entre empresas e políticos, no que diz respeito ao financiamento de campanhas. “As empresas - diz o economista - que doam para a campanha vão participar fortemente do governo e elas incluem isso (as doações) no preço das obras. Já está tudo embutido, elas já incluem esses valores na conta”. Faganelo, que - por ter atuado em empreiteiras de grande porte - conhece bem a realidade, completa dizendo: “o jogo é esse. Quem está no mercado sabe que quem vai pegar as grandes obras é quem botou dinheiro na campanha”. O economista ressalta também que as regras para as doações não são claras e nem transparentes. Daí a dificuldade de rastrear os valores doados (fonte: O Popular, 16/06/14, p. 10; cf. também: www.asclaras.org.br).
Os políticos - eleitos com o financiamento de suas campanhas por empresas privadas - certamente não irão se preocupar com a construção de uma sociedade justa e igualitária, e nem com o “bem viver” do povo trabalhador. Suas preocupações serão outras.
Basta! Não precisa dizer mais nada! O financiamento das campanhas políticas é um verdadeiro assalto aos cofres públicos! É uma roubalheira legalizada e institucionalizada! É um sistema político estruturalmente corrupto e antiético! Enfim, é uma vergonha! Dá nojo!  A mudança está em nossas mãos!
Chamamos toda a população para se manifestar, exigindo uma CONSTITUINTE EXCLUSIVA E SOBERANA DO SISTEMA POLÍTICO. Precisamos mudar “as regras do jogo”, mudar o Sistema Político Brasileiro. Vamos fazer esta manifestação através de uma grande votação, um PLEBISCITO POPULAR, que acontecerá entre os dias 01 e 07 de setembro. Todos e todas podemos e devemos participar!
Queremos que essa proposta se espalhe por todo o Brasil. Saiba mais sobre todas as ações do Plebiscito da Constituinte pelo Brasil! Encontre um Comitê Popular perto de você! Não seja omisso! Sua participação é importante!
(cf. www.plebiscitoconstituinte.org.br).


Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
                                                                                      Goiânia, 01 de agosto de 2014