sábado, 27 de maio de 2017

Carta aberta aos irmãos e irmãs da Paróquia São Judas Tadeu e a quem possa interessar


Dirijo-me a vocês como irmão, religioso dominicano e padre. Sem nenhuma intenção de polemizar e com todo respeito, em consciência sinto-me no dever de fazer algumas considerações e reflexões.
A área na qual se localiza a Igreja S. Judas Tadeu é conhecida, historicamente, como Praça S. Judas Tadeu (Setor Coimbra - Goiânia - GO) e não como Estacionamento S. Judas Tadeu. A história deve ser respeitada (mesmo que a propriedade do terreno seja de uma Entidade particular).
Confesso a vocês, irmãos e irmãs, que me doeu muito quando vi que os bancos tinham sido tirados da Praça, para que - conforme disseram algumas pessoas - os jovens não sentassem nos bancos para namorar ou usar drogas e, sobretudo, para que os Moradores de Rua não comessem nos bancos - sujando a Praça - ou não dormissem debaixo deles.
Fica a pergunta: Jesus de Nazaré - se morasse hoje no Setor Coimbra - teria agido dessa forma? Pensemos!
Confesso também a vocês que me doeu mais ainda quando tomei conhecimento que - por decisão (dizem) da Assembleia paroquial - tinha sido lançada a “Campanha do estacionamento e do fechamento da Praça”.
Fica novamente a pergunta: Jesus de Nazaré teria agido dessa forma? Com toda fraternidade para com o meu irmão Frei Bruno (atualmente, Coordenador da nossa Província dominicana do Brasil Frei Bartolomeu de Las Casas), será que se pode dizer: “Você colabora, a Comunidade agradece e Deus abençoa!”? Pessoalmente, não acredito que, neste caso, “Deus abençoe”! Continuemos pensando!
Na Paróquia São Judas Tadeu - confiada aos cuidados pastorais dos Frades Dominicanos e fundada por Frei Nazareno Confaloni, artista plástico e pintor reconhecido nacional e internacionalmente - trabalhei três anos e meio, de novembro/69 a maio/73 (depois de vir da Itália e morar dois anos em São Paulo), colaborando com Frei Celso Pereira de Almeida, pároco da Paróquia.
À época, eu - jovem padre - e algumas outras pessoas, fundamos o Movimento de Jovens “Mundo Novo”, que teve uma atuação marcante em Goiânia e em algumas outras cidades, sobretudo no meio estudantil.  
Após essa primeira experiência pastoral - por opção pelos pobres e vocação missionária - trabalhei sempre em Comunidades e Paróquias da periferia de Goiânia (quase a vida toda) e de Belo Horizonte (5 anos). Além disso, em Goiânia, assumi serviços pastorais em nível de Arquidiocese e fui professor de teologia (UCG, IFITEG e Seminário Santa Cruz) e, sobretudo, de Filosofia (UFG).
Atualmente - com Irmãs Dominicanas, Irmãs de São José e muitos outros irmãos e irmãs - trabalho na Paróquia Nossa Senhora da Terra (5 Comunidades) na Região Noroeste de Goiânia e participo de Pastorais Sociais e Movimentos Populares.
Sou membro do Convento S. Judas Tadeu (o Convento, além da Paróquia homônima, tem também outras atividades missionárias) e, no momento, a minha presença na Paróquia São Judas Tadeu se dá somente nas Missas com a Oração da Manhã (Laudes) das 7h - de terça à sexta-feira - e nas Missas de encerramento de algumas festas da Família Dominicana.
Mesmo assim, como irmão e baseado na minha longa experiência pastoral no meio do povo, faço alguns questionamentos e dou algumas sugestões a respeito da “Campanha do estacionamento e fechamento da Praça”.

  1.  Com esta Campanha, irmãos e irmãs, vocês não estão indo na contramão do Evangelho de Jesus de Nazaré e das orientações do Papa Francisco, que nos pede para construir pontes que unem e não muros (ou grades) que separam?
  2. Por que - no lugar de fechar toda a Praça - vocês não reduzem a área já fechada ao mínimo necessário e aumentam a área verde com estacionamento?
  3.  Por que - nesta área verde com estacionamento - vocês não fazem calçadas com bancos (em forma de quadrados ou círculos), para que a Praça se torne um lugar de encontro e de convívio com as pessoas, principalmente com os nossos irmãos e irmãs Moradores de Rua, vítimas de estruturas sociais injustas e de “um sistema econômico iniquo”?
  4. Por que - respeitando a estrutura arquitetônica da Igreja - vocês não criam (como fez o Papa Francisco) um espaço com chuveiros e lavanderia para que os Moradores de Rua possam tomar banho e lavar suas roupas, colaborando assim na recuperação de sua autoestima?
  5.  Por que, na dimensão social do Dízimo, vocês não reservam mensalmente uma quantia de dinheiro para que uma Equipe multidisciplinar de voluntários e voluntárias da Paróquia possa realizar - depois de bem preparada - um trabalho de Pastoral da População de Rua, promocional e libertador, em comunhão com a Pastoral Nacional da População de Rua da CNBB e em “colaboração real, permanente e comprometida” (Papa Francisco) com o Movimento Nacional da População de Rua e com o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, de Goiás?
  6.  Por que vocês constroem na Igreja “puxados” que desrespeitam e agridem sua estrutura arquitetônica original, justamente no ano em que comemoramos o centenário de nascimento do idealizador da Igreja, Frei Nazareno Confaloni?
  7.  Enfim, por que - para valorizar a história da Paróquia - vocês não recuperam, no seu estilo original, a Igrejinha da antiga Comunidade S. Judas Tadeu (anterior à vinda dos Frades Dominicanos), como lugar de Oração e Contemplação?
Lembrem-se, irmãos e irmãs, das palavras de Jesus, no juízo final: “Tudo o que vocês fizeram (ou não fizeram) a um desses meus irmãos mais pequeninos, é a mim que o fizeram (ou não o fizeram)” (Mt 25, 40 e 45).
Termino, convidando todos e todas vocês a meditar comigo dois textos do Papa Francisco, que recentemente comemorou seus 80 anos de idade tomando o café da manhã com Moradores de Rua.
“Hoje vivemos em imensas cidades que se mostram modernas, orgulhosas e até vaidosas. Cidades que oferecem inúmeros prazeres e bem-estar para uma minoria..., mas nega-se o teto a milhares de vizinhos e irmãos nossos, inclusive crianças, e eles são chamados, elegantemente, de ‘pessoas em situação de rua’. È curioso como no mundo das injustiças abundam os eufemismos. Não se dizem as palavras com toda a clareza, e busca-se a realidade no eufemismo. Uma pessoa segregada, uma pessoa apartada, uma pessoa que está sofrendo a miséria, a fome, é uma ‘pessoa em situação de rua’: palavra elegante, não? (...). Em geral, por trás de um eufemismo há um crime”. (Discurso do Papa Francisco. 1º Encontro Mundial dos Movimentos Populares. Roma, 28/10/14).  
“Soube que são muitos na Igreja aqueles que se sentem mais próximos dos Movimentos Populares. Muito me alegro por isso! Ver a Igreja com as portas abertas a todos vocês, que se envolve, acompanha e consegue sistematizar em cada Diocese, em cada Comissão ‘Justiça e Paz’, uma colaboração real, permanente e comprometida com os Movimentos Populares. Convido-vos a todos, bispos, sacerdotes e leigos, juntamente com as organizações sociais das periferias urbanas e rurais, a aprofundar este encontro” (Discurso do Papa Francisco. 2º Encontro Mundial dos Movimentos Populares. Santa Cruz de la Sierra - Bolívia, 09/07/15).
Como irmão de vocês, espero que um dia - parafraseando as palavras do Evangelho - não sejamos obrigados a dizer: “Não há lugar para eles (os Moradores de Rua - que são as Marias grávidas e os Josés de hoje) na Praça São Judas Tadeu!” (Lc 2, 7). Fraternalmente, Frei Marcos.




Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 24 de maio de 2017

Um comentário:

  1. Caríssimo Frei Marcos, corajosas indagações. Que mundo cruel estes.... tão próximos do Altíssimo e ao mesmo tempo tão distantes de Deus.

    Que o Deus Misericordioso continue o abençoando, Paz de Cristo!

    Paulo

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