É
inacreditável! O nosso Prefeito Iris Rezende, em reunião no Paço Municipal na
manhã do dia 7 de janeiro deste ano com secretários, diretores e
superintendentes do primeiro, segundo e terceiro escalões, afirmou: "Nós
não temos crianças nas ruas. Mais de 7.500 crianças estão envolvidas com
programas sociais da Prefeitura" (Diário da Manhã, O7/01/10, p. 12).
Realmente
é assustador ouvir estas palavras de um homem que se diz tão experiente na
prática política. Estes "programas sociais" são em geral de má
qualidade, são muito mal organizados, a pedagogia dos educadores não é uma
pedagogia que liberta, que leva as crianças a ter autoestima e a ser sujeitos
de sua própria formação integral, e, por fim, estes "programs sociais" não atingem as
reais necessidades da maioria das nossas crianças e suas famílias. Trata-se de
mero assistencialismo. Mas, mesmo admitindo que estes programas fossem de ótima
qualidade, o que significam 7.500 crianças para a cidade de Goiânia?
Depois
destas afirmações absurdas, o Prefeito disse: "Vamos lutar para que
Goiânia seja destaque nacional nessas áreas imprescindíveis à pessoa
humana" (DM, p. 12). O que importa, senhor Prefeito, não é "ser
destaque nacional", mas trabalhar com amor, dedicação e de maneira
desinteressada em benefício das crianças pobres e subnutridas dos nossos
bairros da periferia, vítimas de uma sociedade estruturalmente injusta e de
um "sistema econômico iníquo"
(Documento de Aparecida, 385).
Como
exemplo deste "sistema econômico iníquo", basta lembrar a barbárie do
Parque Oeste Industrial, que no dia 16 de fevereiro próximo completa 5 anos e
os verdadeiros culpados pelo crime - que são o Governador, o Secretário de
Segurança Pública e o Comandante da Polícia Militar da época (com a omissão do
Poder Municipal e a conivência do Judiciário) - até hoje estão impunes.
Sempre
segundo o "Diário da Manhã", antes de proferir as palavras citadas, o
Prefeito tinha pedido a seus auxiliares: "Vamos lutar para que possamos,
em quatro anos, deixar 40 anos de trabalho" (DM, p.12). Tomara, senhor
Prefeito! Infelizmente - acredito eu - trata-se de atitude populista e de mera demagogia político eleitoreira.
Voltando
ao assunto das "crianças nas ruas", não quero agora trazer
estatísticas. Se quiserem, os interessados podem procurar o Ministério Público
Estadual, que fornecerá informações verídicas a esse respeito.
Para
quem sabe enxergar a realidade, basta andar nos bairros da periferia de Goiânia
e também no centro da cidade, para ver quantas crianças temos nas ruas, que
andam perambulando, sem saber o que fazer. Depois das aulas, muitas vezes de
péssima qualidade, como as crianças vão ocupar o seu tempo? Será que as
crianças vão ficar sempre em casa (quando têm casa) bem comportadinhas, assistindo,
talvez, programas de televisão, que não são certamente educativos? Ou será que
vão para a rua, descarregando suas energias? Os pais das crianças, quando tem
um emprego ou um subemprego, estão fora de casa trabalhando.
As
crianças que encontramos não são - é verdade - todas crianças "em situação de rua" (acostumadas a ficar
dia e noite nas ruas). Muitas delas têm família, mas, às vezes, família
incompleta, família desestruturada, família com diversos problemas, família que
passa por momentos difíceis, família que luta com dificuldade pela
sobrevivência, família que de fato não tem as mínimas condições para sustentar
e educar seus filhos. É por causa desta situação social de exclusão e de
injustiça que as crianças passam o maior parte de seu tempo nas ruas, vítimas
fáceis do mundo da violência e das drogas. E, entrando no mundo da violência
e das drogas, são hipocritamente
tratadas como caso de polícia.
Precisamos
urgentemente de políticas públicas para as crianças e suas famílias. Precisamos
de educadores preparados e dedicados, que trabalhem com amor, que saibam
caminhar com o povo, construindo juntos
a esperança de um "outro mundo possível".
Quem
convive diariamente com o povo dos nossos bairros e das nossas comunidades da
periferia, no meio de muitas dificuldades e de muito sofrimento, encontra
também (falo por experiência própria) tanta
profundidade humana e tanta
sabedoria, que não se aprende na escola e na universidade. Basta ter o
coração aberto, saber escutar e se
deixar educar pelo povo. A melhor escola e a melhor universidade é a
experiência de vida de quem, com coragem sobre humana, com fé inabalável e com
grande sabedoria enfrenta "sorrindo" situações limite. Basta que nos
despojemos de nossa arrogância (como quem diz "eu sei o que é bom para o
povo"), de nossa autossuficiência e de nossa postura de superioridade,
para nos tornarmos "discípulos" do único mestre Jesus Cristo.
"Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância" (Jo
10,10). Assim fazendo, o nosso jeito de ser e de viver será bem diferente e
falaremos como quem tem "autoridade". "As pessoas ficavam
admiradas com o ensinamento de Jesus, porque ele falava com autoridade"
(Lc 4, 32).
Fr. Marcos Sassatelli,
Frade Dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da
UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos
Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do
Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do
Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador
Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia, 11 de janeiro
de 2010
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