"Enviou-me para proclamar a libertação aos presos" (Lc 4,18)
As
quatro reportagens do Jornal O Popular do início de fevereiro deste ano sobre a
realidade dos detentos nas unidades que integram o Complexo Prisional de
Aparecida de Goiânia (Penitenciária Odenir Guimarães - POG, Casa de Prisão
Provisória - CPP, Presídio Semiaberto, Núcleo de Custódia, Presídio Feminino) e
na Casa do Albergado no Jardim Europa, nos deixaram a todos profundamente
indignados (cf. O Popular, 1-4 de fevereiro/10). Não dá para acreditar que em
pleno século XXI ainda existam situações como essas. Infelizmente, os nossos
Presídios são depósitos de detentos, tratados como "lixo humano". As
matérias e as imagens publicadas falam por si mesmas. Todos os Direitos Humanos
fundamentais estão sendo permanentemente violados.
O
Promotor de Justiça da área de Execução Penal em Goiânia, Haroldo Caetano da
Silva apresenta provas testemunhais e ampla documentação fotográfica sobre a
situação subumana dos detentos no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia (o
antigo Cepaigo). No POG, por exemplo, os 1.500 detentos ocupam 750 vagas
existentes no Presídio e - afirma o Promotor - "passam os dias no ócio,
sem atendimento mínimo de saúde, em meio a entulho e esgoto, com regras
próprias de convivência, autoridade e hierarquia" (Ib., 1° de
fevereiro/10, p. 2).
Diante
desta situação subumana tão degradante, em que vivem os nossos irmãos e irmãs
presos, a primeira atitude que a Justiça - se houvesse Justiça - deveria tomar,
seria a interdição imediata dos Presídios da Grande Goiânia, obrigando o Estado
a manter os presos em outros complexos habitacionais ou hoteleiros, até que
seja realizada uma reforma e uma reestruturação completa dos Presídios.
O que
causa mais estranheza ainda - por mostrar a irresponsabilidade humana e ética
do Poder Público Estadual - é saber que "o Governo federal já liberou ao
Estado, em 2008 e em 2009, R$ 7,2 milhões para reforma e ampliação da
Penitenciária Odenir Guimarães (POG), o antigo Cepaigo, e dos Presídios de
Semiaberto, no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia. A realidade dos dois
Presídios é de caos, com uma estrutura física que não suporta a superlotação
nem oferece as condições mínimas de convivência humana e segurança. O dinheiro
do Ministério da Justiça já está depositado nas contas do Governo Estadual,
quase metade desde 2008. Mas, até agora, nem as licitações para as obras foram
realizadas" (Ib., 3 de fevereiro/10, p. 5).
"O Estado - afirma o Promotor Haroldo
Caetano - tem uma postura de não investir no Sistema Prisional, mesmo quando a
União libera recursos" (Ib., 2 de fevereiro/10, p. 3).
Pergunto:
Quem será processado, julgado e punido pela morte (1° de agosto de 2009), na
Penitenciária Odenir Guimarães (POG), de Paulo Roberto Reis, que era
paraplégico e que - tomado por escaras, desnutrição e desidratação - teve
infecção generalizada por falta de assistência médica? (Cf. Ib., 1° de
fevereiro/10, p. 3).
Na
Casa do Albergado a situação não é diferente. O Conselho da Comunidade na
Execução Penal (CCEP) - presidido pela Irmã Petra Silvia Pfaller, que atua
também na Pastoral Carcerária da Arquidiocese de Goiânia - numa visita que fez
em dezembro passado à Casa do Albergado, onde presos cumprem pena em regime
aberto (e, agora também, em regime semiaberto) constatou - como confirmam as
imagens - "a superlotação (três vezes superior à quantidade de vagas), a
falta de higiene e a inexistência de mínima estrutura física e condições
humanas para o abrigo dos presos" (Ib., 4 de fevereiro/10, p. 4).
A
Pastoral Carcerária confirma a realidade - registrada em fotos - encontrada
pelo Promotor Haroldo Caetano e a vive cotidianamente. A Irmã Petra, que
acompanha há 17 anos os detentos, diz que o Complexo Prisional de Aparecida de
Goiânia "é o inferno brasileiro". Fala do "descaso com a
infraestrutura" e diz que "no Semiaberto, o esgoto sempre sobe com a
chuva". Constata ainda o agravamento da superlotação. "Quando eu
comecei, havia 500 pessoas no Cepaigo. Hoje, são 1,5 mil" (Ib., 2 de
fevereiro/10, p. 3).
O
Jornal O Popular, do dia 29 de março deste ano, publicou outra reportagem sobre
o péssimo estado no qual se encontra a estrutura física do Presídio Semiaberto,
que já tinha sido parcialmente interditado pelo juiz Alexandre Manso e Silva em
outubro do ano passado, determinando que até 12 de março deste ano fossem
tomadas as medidas necessárias para melhorar as condições do local. Como o
Estado até hoje não cumpriu o que tinha sido determinado, o juiz substituto da
4a Vara Criminal de Goiânia, que cuida da Execução Penal, Marcelo Lopes de
Jesus interditou o Presídio Semiaberto e determinou que 240 presos (homens e
mulheres) da Casa do Albergado fossem liberados (terminando de cumprir suas
penas em regime domiciliar), abrindo vagas para os presos que estavam no Presídio Semiaberto. O
promotor Haroldo Caetano da Silva, mais uma vez, afirma: "Literalmente os
presos estavam dormindo sobre as próprias fezes" (Ib., p. 3).
O
mesmo Jornal O Popular, no dia 20 de abril deste ano, publicou mais uma reportagem sobre os presos
doentes mentais e afirma: "Presos com doenças e transtornos mentais são
jogados diariamente na vala comum de presídios à beira do colapso. Essa é a
realidade de pelo menos 57 detentos em Goiás, 33 deles com necessidades claras
de tratamento. Sem assistência adequada, esses indivíduos têm seus quadros
psiquiátricos agravados, representando um risco para si mesmos, para o sistema
e para a sociedade, quando postos em liberdade".
E
continua ainda dizendo: "sujeitos às regras do cárcere, eles convivem com a falta de remédios. Reunidos numa ala da
Penitenciária Odenir Guimarães (o antigo Cepaigo) em Aparecida de Goiânia, num
lugar chamado de pátio da enfermaria, homicidas, assaltantes, estupradores e
traficantes são abandonados à própria sorte. Para dar apenas um exemplo do
caos, o sistema conta com um único psiquiatra para cuidar de uma população
carcerária formada por mais de 11 mil presos. O assassino confesso dos seis
jovens de Luziânia é a prova cabal desse cenário" (p. 2).
A respeito
dos presos doentes mentais, o promotor de Justiça Haroldo Caetano, da Execução
Penal, denúncia: "Esses sujeitos estão em lugares que se comparam às
masmorras medievais ou a campos de concentração" (Ib.). Que situação! Como
podem as nossas autoridades ser tão insensíveis diante de tantas mazelas do
sistema penitenciário?
Os
presos clamam por justiça, por seus direitos violados e por sua dignidade
perdida. Ouçamos este clamor dos nossos irmãos e irmãs presos e sejamos seus
porta-vozes.
Deus
disse: 'Eu vi a miséria do meu povo (…). Ouvi o seu clamor (…) e conheço os
seus sofrimentos. Por isso, desci para libertá-lo (…)" (Ex 3, 7-8).
Fr. Marcos Sassatelli,
Frade Dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da
UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos
Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do
Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do
Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador
Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
Goiânia, 26 de abril de 2010
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