Vivemos no sistema capitalista
neoliberal, que é um “sistema econômico iníquo” (Documento de Aparecida - DA,
385) ou um “sistema nefasto”, porque considera “o lucro como o motivo essencial
do progresso econômico, a concorrência como lei suprema da economia, a
propriedade privada dos bens de produção como um direito absoluto, sem limites
nem obrigações correspondentes” (Populorum Progressio - PP, 26).
Em outras palavras, o capitalismo é
"o mal maior, o pecado acumulado, a raiz estragada, a árvore que produz
esses frutos que nós conhecemos: a pobreza, a fome, a doença, a morte da grande
maioria" (Bispos do Centro-Oeste. Marginalização de um Povo, 1973).
Precisamos denunciar as
"situações de pecado" (DA, 95), as "estruturas de pecado"
(DA, 92, 532), as "estruturas de morte" (DA, 112) da nossa sociedade
moderna e colaborar "com outros organismos ou instituições para organizar
estruturas mais justas nos âmbitos nacionais e internacionais. É urgente criar
novas estruturas que consolidem uma ordem social, econômica e política, na qual
não haja iniquidade e onde haja possibilidades para todos. Igualmente,
requerem-se novas estruturas que promovam uma autêntica convivência humana
(…)" (DA, 384).
"A esperança nunca morre"
(D. Pedro Casaldáliga). O 16° Grito dos/as Excluídos/as deste ano de 2010 - um
sinal concreto de esperança - tem como tema "Vida em primeiro lugar"
e como lema "Onde estão nossos direitos? Vamos às ruas para construir um
projeto popular".
As eleições são um momento ímpar
para o exercício da cidadania. Quais os critérios que devem orientar a escolha
dos candidatos/as?
A meu ver, temos que olhar não só a
história de vida dos/as candidatos/as, mas também e sobretudo, o projeto
político que eles/elas e seus partidos defendem atualmente. Digo
"atualmente", porque existem partidos e candidatos/as, que se aliaram
ao sistema econômico dominante e renegaram - se não com palavras, pelo menos de
fato - toda sua história de luta ao lado
do povo pobre, oprimido e excluído.
Temos também candidatos, que se
dizem "cristãos" e fazem questão de defender alguns valores
importantes no campo da bioética, mas que "encontram-se muitas vezes em
contradição com as opções e compromissos que estes mesmos candidatos têm em
relação aos direitos humanos, à economia, à vida social e política e, de modo
especial, às necessidades dos pobres".
"A defesa de alguns valores
importantes pode ser feita por estes candidatos para iludir e esconder
compromissos e práticas que estão, na verdade, a serviço da cultura da morte. A
defesa da cultura da vida exige que os valores da bioética não sejam separados
dos valores da ética social" (CNBB. Eleições 2010: o chão e o horizonte.
Brasília-DF, maio/2010).
Hoje, "na
verdade, o governo procura quebrar a combatividade dos movimentos, dividi-los,
desmobilizá-los e mantê-los apenas como massa de apoio quando necessário.
Conseguiu, em boa parte, seu intento de colocar como limite máximo de utopia as
mudanças dentro dos quadros do neoliberalismo. Muitos, nos movimentos, contentam-se
com as pequenas conquistas obtidas.
Há insatisfação,
sem dúvida: uma outra parte dos movimentos tem uma posição crítica. Esta
divisão, esta confusão, esta aparência de governo do povo, sendo
preferencialmente governo dos banqueiros, dificulta o posicionamento dos
movimentos sociais.
(…) Existe uma
mobilização autônoma, porém, em vários setores, e em vários movimentos: para
dar um exemplo, na Assembleia Popular, que é uma articulação de diversos
movimentos, pastorais e entidades da sociedade civil. Foi a única articulação
que produziu um projeto de sociedade, distinto do vigente, crítico ao modelo
neoliberal (“O Brasil que queremos”). Este tipo de articulação pode crescer,
porque vem de encontro aos anseios de muitos que estão insatisfeitos" (Entrevista
com o sociólogo Ivo Lesbaupin, concedida, por e-mail, à IHU On Line, abril
2010).
Delfim Netto,
homem forte da economia no regime militar e, atualmente (por incrível que
pareça) um dos principais conselheiros do atual governo, afirma que o governo
foi o primeiro a perceber "que o capitalismo deve aos programas de
distribuição de renda sua sobrevivência no país" e que o governo
"mudou o pais de forma importante, de forma a salvar o capitalismo"
(Entrevista de Aguinaldo Novo. Em: O Globo, 20/09/09).
Infelizmente, a
maioria dos nossos candidatos/as (mesmo quando se dizem cristãos/ãs), seja da
situação que da oposição, são reformistas. Não querem mudar as estruturas do
"sistema econômico iníquo" vigente; querem simplesmente
"maquiá-lo", colocando remendinhos novos numa roupa velha.
As diferenças e as brigas entre eles
e elas se referem unicamente à reformas e não à mudanças estruturais. Para
esses políticos, os chamados "programas sociais de distribuição de
renda" (que em situações emergenciais são necessários, mas que não
resolvem o problema) são como balinhas que se costuma dar às crianças para que
não chorem, e servem para legitimar o "sistema econômico iniquo"
vigente (às vezes, até com argumentos religiosos, usando o nome de Deus em vão)
e para manter o povo, pobre, oprimido e excluído em situação de dependência dos
poderosos e do governo, evitando assim possíveis revoltas.
"A misericórdia (leia-se: obras
sociais, programas sociais de distribuição de renda e outros) sempre será
necessária, mas não deve contribuir para criar círculos viciosos que sejam
funcionais para um sistema econômico iníquo. Requer-se que as obras de
misericórdia sejam acompanhadas pela busca da verdadeira justiça social, que vá
elevando o nível de vida dos cidadãos, promovendo-os como sujeitos de seu
próprio desenvolvimento" (DA, 385).
Hoje - como falou o sociólogo Ivo
Lesbaupin - a maioria dos movimentos populares são cooptados pelo governo,
atrasando mais de trinta anos, talvez, a organização popular. Basta, por
exemplo, lembrar a festa do primeiro de maio, reduzida a um show para os
trabalhadores.
Precisamos reverter essa situação
iníqua e votar em políticos que estejam de acordo com o projeto "o Brasil
que queremos", "projeto popular", alternativo, justo, humano,
fraterno e estruturalmente diferente. Mesmo que muitos deles ou delas não
ganhem agora as eleições, marcam presença, fazem avançar o processo democrático
e abrem caminhos novos para que o "projeto popular" aconteça.
Eleitores e eleitoras, vamos abrir
os olhos, refletir e tomar nossas decisões. O seu voto é muito importante e faz
a diferença. "Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em
abundância" (Jo, 10, 10).
Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano
Doutor em
Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de
Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
Goiânia, 26 de setembro de 2010
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