quinta-feira, 10 de março de 2011

Policiais militares integram grupos de extermínio

“Operação Sexto Mandamento”. “Fim do poder bandido”. Esta é a manchete da primeira página do Diário da Manhã do dia 16 de fevereiro/11. Em seguida - sempre na primeira página - o jornal escreve: “Dezenove policiais militares goianos foram presos ontem (dia 15) em operação da Polícia Federal por integrarem grupo de extermínio. Investigados são suspeitos de formação de quadrilha, prevaricação, homicídio e ocultação de cadáver. Os crimes ocorreram em cinco diferentes municípios. Entre 40 e 50 foram mortos em 15 anos. Os ex-secretários de Estado Jorcelino Braga (Fazenda) e Ernesto Roller (Segurança) foram ouvidos, suspeitos de tráfico de influência, que teria beneficiado organização criminosa com promoções. O ex-governador Alcides Rodrigues também será investigado”.
            Operações semelhantes à de Goiás acontecem também em outros Estados do Brasil. No Rio de Janeiro, por exemplo, a Operação Guilhotina, deflagrada pela Polícia Federal no dia 11 de fevereiro/11, “prendeu policiais civis e militares envolvidos com crimes graves, como desvio de armas e drogas, envolvimento em milícias, participação em grupos de extermínio e vazamento de informações sobre ações policiais” (Folha de S. Paulo. 21/02/11, p. A2).
            Todos sabemos, há muito tempo, da participação e do envolvimento de policiais militares em grupos de extermínio. Só não temos provas concretas. No Estado de Goiás, a Operação Sexto Mandamento da Polícia Federal, embora realizada com atraso, é um sinal de esperança, é uma pequena luz no fim do túnel. Esperamos que esta operação e outras que poderão e deverão ser deflagradas representem realmente o “fim do poder bandido”.
            Esperamos também que todos os que integram grupos de extermínio - civis ou policiais militares - sejam (respeitando sempre os direitos humanos) processados, julgados e exemplarmente punidos. O maior número de vítimas desses grupos de extermínio são jovens e adolescentes. Como diz a Campanha da Pastoral da Juventude (PJ) do Brasil: “Chega de violência e extermínio da juventude”! Não dá para aceitar uma prática nazista em pleno século XXI! Não dá para tolerar tanta iniquidade!
            É realmente revoltante ler no jornal O Popular as seguintes manchetes: “Militares matam e recebem elogios”. “PM faz louvor à violência e usa o termo morte em confronto para justificar execuções sumárias”. Depois das manchetes, o jornal afirma: “Na Polícia Militar (PM) não são incomuns os elogios formais a policiais que matam em ocorrências – nem mesmo naqueles casos em que a morte se dá em circunstâncias obscuras, de difícil apuração de responsabilidades. A Operação Sexto Mandamento da Polícia Federal, que prendeu 19 militares acusados de integrar grupos de extermínio em atuação há mais de dez anos em Goiás, revelou que a alegação “morte em confronto”, tão utilizada em relatórios da PM, se tornou um eficiente artifício para justificar execuções sumárias durante ação policial” (28/02/11, p. 2).
            O mesmo jornal continua dizendo: “O louvor à violência, presente em algumas sindicâncias, dificulta ainda mais o trabalho de apuração de responsabilidades e reproduz uma cultura que muitas vezes beneficia o policial truculento, em detrimento daquele que utiliza expediente de uso gradual da força, segundo a necessidade” (Ib.).
            E ainda: “50 pessoas foram mortas em supostos confrontos com a polícia no ano passado em Goiânia. Quase o dobro de 2009, quando 27 pessoas morreram nas mesmas circunstâncias”. É um dado muito preocupante. Existem sindicâncias “que enaltecem e indicam promoções a policiais envolvidos em ocorrências com mortes, muitas vezes desprovidas de provas suficientes para sequer inocentar esses policiais” (Ib.).
            Numa dessas operações da polícia, que resultou na execução de um dos envolvidos em um assalto, o sindicante (policial que assina o texto da sindicância, que apura o caso) afirma que “não houve cometimento de crime por parte de policiais militares, que não cometeram excessos em suas ações”; diz também que os policiais foram “audaciosos e destemidos”; que “vislumbra ação meritória praticada pelos bravos policiais, que desencadearam ação com excelente resultado e exemplo positivo; conclui afirmando que a ação “merece destaque pelo profissionalismo” e, por isso, encaminha os autos à Comissão de Promoções e Medalhas (Ib.). Que mentalidade! Que atraso cultural!
            Infelizmente, esta mentalidade e este atraso cultural é bastante comum no meio dos policiais militares. Parece que se tornou, para muitos deles (não digo, para todos), um estilo de vida, um jeito de ser.
            Só para lembrar mais um exemplo: em fevereiro/05, à época do bárbaro despejo dos moradores da ocupação “Sonho Real” do Parque Oeste Industrial, nas chamadas operações “Inquietação” e “Triunfo”, foi usada a mesma linguagem de exaltação da ação dos policiais militares. A nota, publicada depois de concluídas as operações, foi simplesmente repugnante. Elogiou o profissionalismo dos militares e, de maneira desrespeitosa, chegou a citar São Paulo, dizendo que os militares “combateram o bom combate”.
            Nestes dias, o jornal O Popular teve acesso a um dos inquéritos da operação Sexto Mandamento e, em reportagem exclusiva do dia 3 de março/11, “mostra detalhes da violência e banalização das mortes atribuídas a policiais” (1a. página), contando, com requinte de crueldade, histórias horripilantes e mórbidas. Em gravação telefônica um policial militar afirma: “Eu mato. Eu mato por prazer e satisfação (…). Eu nunca irei mudar... Um pouquinho de sangue na farda, né chefe, sem novidade, comandante” (p. 3). O pior é que “diálogos sugerem ligações com membros do Executivo e com o alto comando da PM, troca de favores, acobertamentos, repasses de dinheiro e promoções” (1a. página). O descaramento é tanto, que não dá para acreditar!
            Em pleno século XXI - por incrível que pareça - ainda existe (de fato e não de direito) a pena de morte, às vezes praticada com sadismo, como algo normal. Para citar um exemplo, no dia 31 de agosto/10, o então deputado estadual José Nelto, vice-presidente da Comissão de Segurança Pública nos surpreendeu a todos, proferindo a seguinte frase: "Policial que mata bandido merece uma medalha".
            Graças à Deus, a postura do deputado causou profunda indignação em diversos setores da sociedade civíl e foi repudiada pelo Conselho nacional dos Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União; pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana; pela Comissão de Direitos Humanos, Cidadania e Legislação Participativa da Assembléia Legislativa; e por muitas outras Entidades ou pessoas (Cf. Diário da Manhã, 02/09/09, p. 8).
            Numa entrevista - concedida ao jornal O Popular, no dia 26 de fevereiro/11 - o major e deputado estadual Júnio Alves Araújo fez uma defesa contundente dos policiais militares e afirmou que “há relação entre trabalho em excesso e mortes” (p. 3). A afirmação do deputado não se sustenta. O trabalho em excesso dos policiais militares (como de outros profissionais) deve ser combatido, mas ele não justifica e não legitima as execuções. Ninguém tem o direito de tirar a vida de ninguém (bandido ou não). Matar é um crime. E ainda: os policiais militares não só não têm o direito de matar, mas também não têm o direito de realizar abordagens de maneira grosseira, truculenta e violenta, desrespeitando e humilhando as pessoas, como é bastante comum acontecer.

            Enfim, esperamos que o governo do Estado de Goiás - como prometeu - investigue, o mais rápido possível, os casos das pessoas (pelo menos 26) que sumiram após abordagem policial. Numa série de reportagens com a pergunta: “Onde eles estão?”, publicadas na primeira metade de janeiro/11, o jornal O Popular - depois do levantamento de dados - afirma que “o numero de desaparecidos em Goiás após abordagem policial nos últimos dez anos é maior que o de goianos desaparecidos políticos durante o regime militar” (O Popular, 09/01/11, p. 4). Os familiares dos desaparecidos e a própria sociedade exigem e têm direito a uma resposta.
Diário da Manhã, Opinião Pública, Goiânia, 09/03/11, p. 3



Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra

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