Há poucos dias escrevi um artigo com o
título “O caso Palocci: o ‘toma lá, dá
cá’ de uma política sem ética” (Diário da Manhã, Opinião Pública, 03/06/11, p.
3). Depois dos novos desdobramentos do caso em questão, volto a falar sobre o
assunto.
Como todos sabemos pela ampla
cobertura que a imprensa deu ao fato, antes de assumir o cargo de
ministro-chefe da Casa Civil do governo Dilma Rousseff, Antônio Palocci
adquiriu, na cidade de São Paulo, um escritório por R$ 882 mil e um apartamento
de luxo por R$ 6,6 milhões. Segundo o
ministro, os dois imóveis foram comprados pela empresa Projeto
Administração de Imóveis, da qual ele possui 99,9% do capital.
Em base ao patrimônio de R$ 375 mil,
declarado à Justiça Eleitoral em 2006, com a compra desses imóveis, Palocci
multiplicou por 20 seu patrimônio nos quatro anos em que esteve na Câmara (Cf.
Folha de S Paulo, 15/05/11, p.A4).
Por causa da crise que a denúncia
causou no governo Dilma Rousseff, depois de muitos conchavos políticos, Palocci
caiu, mas o “caso Palocci” não encerrou. A sociedade exige que seja investigado
e que - se comprovados (como tudo indica) os crimes de enriquecimento por abuso
de poder e de trafico de influência - o ex-ministro seja processado, julgado e
condenado. Infelizmente, os crimes de colarinho branco quase sempre são
silenciados, esquecidos e empurrados debaixo do tapete. Não podemos permitir
que a impunidade continue. É uma questão de justiça, é uma questão de ética.
Infelizmente, o procurador-geral da República,
Roberto Gurgel, decidiu arquivar as representações, que pediam a abertura de
inquérito contra o ministro-chefe da casa Civil, Antônio Palocci, por não
existir - segundo ele - indícios concretos de prática de crime e nem justa
causa para investigar o caso.
"O Ministério Público - diz Romeu
Jucá (PMDB-RR), líder do governo no Senado - analisou toda a documentação
minuciosamente e apontou que não há irregularidade. Se não há irregularidade,
não tem por que se querer fazer CPI ou convocar o ministro Palocci aqui no
Senado. É um assunto de página virada." (www.terra.com.br
- 07/06/11). O senador pretende tampar o sol com a peneira e mente
descaradamente, sabendo que aquilo que ele diz não é verdade. As denúncias são
muito graves, e a sociedade espera que todas elas sejam investigadas e
esclarecidas, com a maior transparência possível. Chega de impunidade!
O deputado federal Moreira Mendes
(PPS-RO) - expressando, a respeito do caso Palocci, os sentimentos da grande
maioria dos cidadãos/ãs brasileiros - reagiu à decisão do procurador-geral da
República, dizendo: “É absolutamente lamentável essa decisão do
procurador-geral. Com essa postura, o Ministério Público Federal passou a
ser um apêndice, uma assessoria especializada do Palácio do Planalto”. E ainda:
“A instituição deixou de lado a responsabilidade constitucional de fiscalizar
os atos do Poder Público. Ao engavetar os pedidos de investigação, o
procurador-geral faz com que o Ministério Público perca credibilidade”.
O deputado disse também ser o “fim” o
MP desprezar os “fortes” indícios que pesam contra o ministro e indagou: “Ao
que parece, nem isso sensibilizou o procurador. E se aparecer mais denúncias,
vai ficar assim mesmo? E a satisfação que o Ministério Público terá de
dar à sociedade?”.
Como se isso não bastasse, o governo
Dilma Rousseff submete - segundo Moreira Mendes - o Congresso Nacional a uma
situação “constrangedora”, a fim de evitar que Antônio Palocci seja convocado
pelo mesmo Congresso para explicar a “fórmula” pela qual conseguiu crescer seu
patrimônio 20 vezes em quatro anos (www.pps.org.br
- 07/06/11).
Por que tantas artimanhas para
esconder a verdade dos fatos? Tudo isso suscita - e com razão - muitas suspeitas.
Se nas investigações houvesse honestidade, o primeiro interessado no
esclarecimento dos fatos deveria ser o próprio Antônio Palocci.
O presidente nacional da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, afirmou que recebeu com frustração
e decepção a notícia da decisão do procurador-geral da República, Roberto
Gurgel, de arquivar as representações contra o então ministro-chefe da Casa
Civil, Antônio Palocci,
"Ninguém - comentou ele - vinha
atribuindo culpa a quem quer que seja. O que a sociedade esperava era a
investigação da situação que envolvia o ministro Palocci por parte do Estado
brasileiro, aí representado por quem pode fazê-lo, que é o Ministério Público
Federal". Segundo o presidente nacional da OAB, com a decisão, a leitura que
se transmite à sociedade é, lamentavelmente, "a de que se conferiu uma
senha para a impunidade neste país".
O sentimento maior - continua Ophir
Cavalcante - é o de frustração e decepção, porque se negou o direito da
sociedade brasileira, de ver realizada a investigação acerca dos bens de um dos
homens públicos mais influentes da República (www.oab.org.br
- 07/06/11).
Mesmo após o arquivamento pelo
procurador-geral da República, Roberto Gurgel, das representações contra
Antônio Palocci, por iniciativa da oposição e da imprensa, as investigações
continuam acontecendo no Ministério Público Federal do Distrito Federal, no
Ministério Público Federal de São Paulo e na própria Procuradoria Geral da
República (PGR).
“O País merece saber como o
ministro-chefe da Casa Civil conseguiu tanto dinheiro em tão pouco tempo. Se é
que teve mesmo clientela tão vasta enquanto era deputado federal, a que título
seus clientes o pagaram? As deduções de impostos de tais pagamentos foram feitas
corretamente ou houve irregularidade por incompatibilidade dos serviços
realmente prestados com as exigências da Receita? Isso sem contar a necessidade
de verificação sobre possíveis vínculos entre a atividade de consultor e a
influência de Palocci no governo” (www.estadao.com.br
- 08/06/11).
Outras duas denúncias surgiram contra
Antônio Palocci. A primeira é a denúncia de que ele vive há quatro anos num
apartamento alugado de 640 metros quadrados, cujo dono - segundo reportagem da
Revista Veja (04/06/11) - é uma empresa fantasma, ou seja, de fachada, que está
em nome de um laranja de 23 anos, que mora num casebre de fundos na periferia
de Mauá, no ABC Paulista, e recebe R$ 700 por mês.
A segunda é a denúncia de que Antônio
Palocci teria incorrido em crime fiscal, quando - numa entrevista concedida à
TV Globo (04/06/11) - admitiu ter recebido, no final de 2010, R$ 10 milhões,
relativos a contratos praticados entre 2006 e 2010 pela empresa de consultoria
Projeto.
Os que lutamos pela justiça e exigimos
que as denúncias contra Palocci (como contra qualquer pessoa) sejam
investigadas, muitas vezes, somos acusados de desestabilizar o governo e
favorecer o retorno da direita.
Podemos perguntar: “Nesse contexto, o
que cabe à esquerda? Calar-se para não se misturar com essa escumalha
reacionária? Nem de perto. Cabe denunciar os dois como produtos inerentes do
caráter essencialmente predatório dessa ordem econômica que oprime maiorias
para enriquecer privilegiados. Dessa ordem capitalista. É isso que temos que
deixar claro permanentemente. Embora estejamos taticamente coincidentes, até
juntos, não estamos misturados. Estamos contra os dois: os que se venderam,
como Palocci e seus aliados - dos maganos do PT aos cardeais desprezíveis do
PMDB -, e os que sempre estiveram cúmplices dos que corrompem e degradam as
instituições, ditas, republicanas - PSDB, PFL e seus sucedâneos. E é por aí que fazemos a diferença. É
por aí que nos fazemos imprescindíveis” (Milton Temer, Contra Palocci e contra
a direita farsante, www.correiocidadania.com.br -
08/06/11).
Além do mais, qual é, na prática, a
diferença que existe entre Palocci e os políticos da chamada direita demotucana
e sua mídia, se “Palocci sempre foi o homem de confiança do deus-mercado e dos
barões da mídia”, e se Palocci sempre foi “um político pragmático,
centralizador e adepto da ortodoxia neoliberal”? (Altamiro Borges, Palocci
caiu! E agora, Dilma? www.adital.com.br - 09/06/11).
E que dizer, então, do seguinte
questionamento: “Em reunião de representantes do PT, PSB, PC do B e PDT, alguém
discursou: precisamos estar atentos, pois a direita se prepara para voltar ao
poder. Nessa seleta reunião, outro sujeito bradou com toda força: direita? Mas
direita somos nós. Basta lembrarmos que ser direita é preservar a manutenção do
sistema capitalista e é isso o que nós fazermos diuturnamente. Talvez os
senhores estejam se referindo à extrema-direita. Mas o Maluf, o Sarney, o Jader
Barbalho, o Renan Calheiros, o Romero Jucá e todo o PMDB fisiológico já não
estão do nosso lado? Por que pregar esse espantalho de uma direita que não
passa de nós mesmos?” (Gilvan Rocha, Que direita? - www.correiocidadania.com.br -
20/05/11). Pensemos nisso.
Enfim, os que lutamos por “um outro
mundo possível” somos terminantemente contra toda prática política oportunista
e interesseira, toda prática política de conchavos, e toda prática política do
“toma lá, dá cá”, venha de onde vier. Queremos, sim, uma prática política que
seja realmente humana e ética.
Diário da Manhã, Opinião
Pública, Goiânia, 17/06/11, p. 3
Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em
Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de
Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na
Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão
Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário
Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador
Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
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