Há 25 anos, do dia 21 a 25 de julho
de 1986 (depois de um ano, um mês e 20 dias da Páscoa definitiva do grande
Pastor-Profeta Dom Fernando Gomes dos Santos, arcebispo de Goiânia), aconteceu
em Trindade - GO o 6º Encontro Interreclesial das Comunidades Eclesiais de Base
(CEBs) com o tema: “CEBs, Povo de Deus em Busca da Terra Prometida”.
O Encontro contou com 1.647 participantes,
dentre os quais 742 representantes das bases, 203 agentes de pastoral, 30
assessores, 51 bispos, 16 representantes de Igrejas evangélicas, 10
representantes dos povos indígenas, e observadores nacionais e estrangeiros.
“O 6º Interreclesial significou uma virada
decisiva na vida dos Interreclesiais. (...) Os Encontros Interreclesiais das
CEBs passam, em Trindade, por uma transformação de sua natureza. (...) Em razão
da proporção dos participantes, bem mais acentuada com respeito aos Encontros
anteriores, não havia condições plausíveis para um estudo mais aprofundado
sobre os temas propostos. Num evento de quase duas mil pessoas não se podia
mais, evidentemente, privilegiar o momento reflexivo. A dimensão celebrativa
passa a ocupar lugar de centralidade, o que não significa ausência da dimensão
reflexiva, que permanecerá em cena. A novidade é que a partir de então os
tempos fortes dos Interreclesiais serão ocupados por grandes e vibrantes
celebrações de fé. As celebrações do Interreclesial de Trindade foram
extremamente criativas, com destaque para a presença de símbolos gestados na
ampla e profunda experiência de enraizamento popular das Comunidades” (Os
Interreclesiais das CEBs: Identidade em construção!, Persp. Real. 29 (1997)
155-187). Diversas vezes, destacou-se que “a Santíssima Trindade é a melhor
Comunidade”.
Em sintonia com o tema central, outros
grandes temas - ligados à caminhada das CEBs - marcaram o 6º Interreclesial:
CEBs e seu estatuto eclesiológico (identidade e missão, fé e política,
espiritualidade libertadora e Bíblia, hierarquia e ministérios); CEBs e
política partidária; CEBs e projeto político popular; CEBs e sindicalismo; CEBs
e movimentos populares; CEBs e lutas específicas (mulheres, negros e índios);
CEBs e luta pela terra (terra de Deus, terra de irmãos): CEBs e reforma agrária
(projetos do governo); CEBs e moradia (solo urbano); CEBs e questão
latino-americana; CEBs e ecumenismo; e outros.
No Encontro, falou-se muito das CEBs como um
novo jeito ou “um novo modo de ser Igreja” (CNBB. As Comunidades Eclesiais de
Base na Igreja do Brasil, 1982, doc. 25, 3) e “um novo modo de toda a Igreja
ser”. Entre as duas expressões não há, a meu ver, contradição; elas se
complementam a partir de enfoques diferentes. Por “um novo modo de ser Igreja”,
entende-se “um espírito ou referência inspiracional e não uma forma ou uma
estrutura específica” (Os Interreclesiais das CEBs: Identidade em construção!,
o.c.). Se as CEBs - como foi afirmado em 2000, no 10º Interreclesial - têm 2000
anos de caminhada, pode-se dizer também que elas são, ao mesmo tempo, “um novo
e antigo modo de ser Igreja”: “um novo modo”, pela escuta dos sinais dos
tempos, ligando a fé com a vida; “um antigo modo”, pela volta às fontes,
redescobrindo a principal motivação, que é a motivação bíblica (Êxodo,
Profetas, Jesus de Nazaré).
Por “um novo modo de toda a Igreja ser”, não
se quer defender “um modo único de ser Igreja” ou a uniformidade na Igreja, mas
se quer apontar uma meta (uma utopia, um ideal): viver, de forma sempre mais
radical (radicalidade evangélica), aquilo que define ou caracteriza o ser de
toda a Igreja, nas suas mais variadas manifestações, segundo o projeto de Jesus
de Nazaré. Para toda a Igreja, o grande referencial deve ser a práxis de Jesus
de Nazaré ou, em outras palavras, o seu jeito de ser e viver. Toda a Igreja
deve ser e viver hoje como Jesus foi e viveu na época dele.
Pode-se afirmar que as CEBs “são herdeiras do
sonho de Jesus e de sua missão libertadora” (Carta dos bispos às Comunidades
Eclesiais de Base. 10º Interreclesial: 11-15/07/2000). É nesse sentido que se
pode dizer também que as CEBs são “um modo normal de toda a Igreja ser” (Dom
Pedro Casaldáliga, 2000).
“Um novo modo de ser Igreja” e “um novo modo
de toda a Igreja ser” leva necessariamente a “um novo modo de a Igreja estar
presente ao mundo” (CNBB, doc. 25, 4).
Antes do Encontro de Trindade, foram
realizados 5 Interreclesiais:
1º Interreclesial: Aconteceu na cidade de
Vitória (ES), de 06 a 08 de janeiro de 1975, com o tema: “Uma Igreja que nasce
do Povo pelo Espírito de Deus”. Dele participaram 70 pessoas, representantes de
11 dioceses. Foi enfatizada a importância da participação.
2º Interreclesial: Também realizado na cidade
de Vitória (ES), de 29 de julho a 1º de agosto de 1976, com o tema: “Igreja,
Povo que caminha”. Contou com 100 participantes. No processo de nova
consciência socioeclesial, o 2º Interreclesial favoreceu a compreensão de que a
fé não pode ser separada da vida e que a Palavra de Deus se revela também na
história do Povo.
3º Interreclesial: Foi em João Pessoa (PB),
de 19 a 23 de julho de 1978, com o tema: “Igreja, Povo que se liberta”. Dele
participaram 200 pessoas. Em relação aos Encontros anteriores, houve uma
significativa mudança. Grande parte da assembleia era constituída de gente
simples. Assessores e bispos colocavam-se no lugar de ouvintes da palavra dos pobres
e pequenos, de sua história e paixão, de seus sonhos e esperanças.
4º Interreclesial: Aconteceu em Itaici (SP),
de 20 a 24 de abril de 1981, com o tema: “Igreja, Povo Oprimido que se organiza
para a Libertação”. 300 pessoas estavam presentes. O Encontro deixa claro que
as CEBs, em razão de sua identidade religiosa ou de sua eclesialidade, não
podem se transformar em células partidárias, mas tampouco podem deixar de lado
sua educação política. As CEBs devem ser lugar de vivência, aprofundamento e
celebração da fé, mas também lugar onde se confrontam vida e prática com a
Palavra de Deus, no sentido de se verificar a coerência da ação política com o
plano de Deus.
5º Interreclesial: Foi em Canindé (CE), de 04
a 08 de julho de 1983, com o tema: “Igreja, Povo Unido, Semente de uma Nova
Sociedade”. Contou com 500 participantes, inclusive com representantes de
outros países da América Latina. A reflexão central do Encontro foi que, na
luta por uma nova sociedade, as CEBs encontram na motivação evangélica a razão
última de todo seu empenho.
Depois do Encontro de Trindade, aconteceram
mais seis Interreclesiais:
7º Interreclesial: Foi em Duque de Caxias
(RJ), de 10 a 14 de julho de 1989, com o tema: “Povo de Deus na América Latina,
a Caminho da Libertação”. 2.500 pessoas participaram desse Encontro, que teve
sua temática geral subdividida em três questões específicas: a situação da
América Latina, a relação entre fé e libertação, a eclesialidade das CEBs e sua
dimensão ecumênica.
8º Interreclesial: Aconteceu em Santa Maria
(RS), de 08 a 12 de setembro de 1992, com o tema: “Povo de Deus, renascendo das
Culturas Oprimidas”. 2.800 pessoas estavam presentes. Cada bloco encarregou-se
de um tema: índios, negros, migrantes, trabalhadores e mulheres. Esta
experiência inovadora de evangelização a partir dos povos e culturas oprimidas
não ocorreu sem momentos de forte dificuldade e tensão, conforme o que
testemunha o documento final: “Tudo que é novo nasce com dor de parto, mas
também traz alegria”. Em especial, dos blocos dos negros e das mulheres vieram
as reivindicações mais contundentes.
9º Interreclesial: Aconteceu em São Luiz
(MA), de 15 a 19 de julho de 1997, com o tema: “CEBs, Vida e Esperança nas
Massas”. Contou com 2.800 participantes. O tema foi subdividido em seis eixos,
formando a base do trabalho nos blocos temáticos. São eles: CEBs e catolicismo
popular; CEBs e religiões afro; CEBs e pentecostalismo; CEBs e cultura de
massa; CEBs e movimento popular (excluídos); CEBs e questão indígena.
10º Interreclesial: Foi em Ilhéus (BA), de 11
a 15 de julho de 2000, com o tema: “CEBs, Povo de Deus, 2000 Anos de
Caminhada”. Dele participaram 3.036 pessoas. Recordou-se o sonho de Jesus e a
vida de Comunidade assumida por seus seguidores e seguidoras de ontem e de
hoje. O Encontro avaliou e celebrou os 500 anos de evangelização no Brasil e os
25 anos dos Interreclesiais, através das temáticas: CEBs, memória e caminhada;
sonho e compromisso. Tudo isso para celebrar, festejar, avaliar e abrir novos
horizontes para que um dia possamos colher os frutos da justiça, da partilha,
da igualdade, da ternura, do carinho e da festa.
11º Interreclesial: Teve lugar em Ipatinga
(MG), de 19 a 23 de julho de 2005, com o tema: “CEBs, Espiritualidade
Libertadora. Seguir Jesus no Compromisso com os Excluídos”. Houve a
participação de aproximadamente 4.000 pessoas. O Encontro foi avaliado, no seu
conjunto, como um “Novo Pentecostes” que, alimentado por uma espiritualidade
autenticamente libertadora, uniu e reuniu povos e línguas, raças e nações, para
celebrar o amor do Deus Libertador, parceiro dos pobres e oprimidos, renovando
em todos e todas o empenho de “seguir Jesus no compromisso com os excluídos”
(Cf. Retrospectiva
dos Interreclesiais das CEBs: www.lucimarbueno.blogspot.com -
09/01/09).
12º Interreclesial:
Aconteceu em Porto Velho (RO), de 21 a 25 de julho de 2009, com o tema: “CEBs:
Ecologia e Missão. Do Ventre da Terra, o Grito que vem da Amazônia”.
Na abertura do Encontro, o Arcebispo de Porto
Velho Dom Moacyr Grecchi, a líder indígena e educadora Eva Canoé, e o teólogo e
assessor nacional das CEBs Padre Benedito Ferraro falaram sobre o trabalho das
CEBs. Para Ferraro, o grande papel das CEBs, que têm um forte compromisso
social, é a busca pela libertação, em todos os sentidos: econômico, político,
ecológico, cultural, espiritual, sexual, e outros.
Dom Moacyr enfatizou a alegria de receber o
Encontro das CEBs na cidade de Porto Velho e destacou as lutas das Comunidades.
Ele citou o provérbio africano “gente simples, fazendo coisas pequenas em
lugares sem importância, conseguem mudanças extraordinárias”, que, segundo ele,
é o retrato das CEBs hoje.
Para Eva Canoé, as CEBs respeitam e
consideram muito a cultura e a religião dos povos indígenas, em suas crenças e
seus rituais. Além disso, ela afirmou que a Igreja, organizada em Comunidades
de Base, valoriza a autonomia dos povos indígenas, apóia suas lutas e sua
causa, e se importa com seus direitos e necessidades (Cf. Maíra Heinem. E o
trem das CEBs chega à Amazônia: www.brasildefato.com.br - 04/08/09)
13º Intereclesial
das CEBs: Acontecerá, de 07 a 11 de janeiro de 2014, em Crato (CE). Esse
Encontro terá como tema: “Justiça e Profecia a Serviço da Vida. CEBs, Romeiras
do Reino no Campo e na Cidade”.
A atualidade das
CEBs foi reafirmada pelo Documento de Aparecida, da 5ª Conferência do
Episcopado da América Latina e do Caribe, e pelo Documento (oficial) “Mensagem
ao Povo de Deus sobre as CEBs”, da 48ª Assembleia Geral da CNBB. Reparem que a
Mensagem é dirigida a todo o Povo de Deus, a toda a Igreja. Não se diz
“Mensagem às CEBs”, mas “Mensagem ao Povo de Deus sobre as CEBs”.
Na Mensagem os
bispos, retomando as palavras do Doc. 25, de 1982. dizem: “’As Comunidades
Eclesiais de Base’ constituem, ‘em nosso país, uma realidade que expressa um
dos traços mais dinâmicos da vida da Igreja (...)’ (CNBB, Doc. 25, 1). Após a Conferência de Aparecida (2007) e o
12º Interreclesial (Porto Velho - 2009), queremos oferecer a todos os nossos
irmãos e irmãs uma mensagem de animação, embora breve, para a caminhada de
nossas CEBs.
Queremos reafirmar que elas continuam sendo
um ‘sinal da vitalidade da Igreja’ (“Redemptoris Missio” - RM 51). Os
discípulos e as discípulas de Cristo nelas se reúnem para uma atenta escuta da
Palavra de Deus, para a busca de relações mais fraternas, para celebrar os
mistérios cristãos em sua vida e para assumir o compromisso de transformação da
sociedade. Além disso, como afirma Medellín, as Comunidades de Base são ‘o
primeiro e fundamental núcleo eclesial (...), célula inicial da estrutura
eclesial e foco de evangelização e, atualmente, fator primordial da promoção
humana (...)’ (Medellín 15).
Por isso, ‘Como pastores, atentos à vida da
Igreja em nossa sociedade, queremos olhá-las com carinho, estar à sua escuta e
tentar descobrir através de sua vida, tão intimamente ligada à história do povo
no qual elas estão inseridas, o caminho que se abre diante delas para o futuro’
(CNBB, Doc. 25, 5)”.
A Mensagem fala, pois, dos novos desafios que
as CEBs enfrentam hoje, numa sociedade globalizada e urbanizada, por causa das
“grandes mudanças que estão acontecendo no mundo inteiro e em nosso país”.
Fala-se atualmente que “o mundo vive não mais uma época de mudanças, mas ‘uma
mudança de época, cujo nível mais profundo é o cultural’ (Documento de
Aparecida - DA, 44)”. Conclui a Mensagem: “Só uma Igreja com diferentes jeitos
de viver a mesma fé será capaz de dialogar relevantemente com a sociedade
contemporânea”.
Fazendo a memória dos 25 anos do 6º
Interreclesial das CEBs em Trindade - GO (“CEBs, Povo de Deus em Busca da Terra
Prometida”) e, ao mesmo tempo, iniciando a nossa caminhada espiritual rumo ao
13º Interreclesial em Crato - CE (“Justiça
e Profecia a Serviço da Vida. CEBs, Romeiras do Reino no Campo e na Cidade”),
em janeiro/14, sugiro que as CEBs da Arquidiocese de Goiânia e das Dioceses do
Regional Centro Oeste da CNBB - com a participação de representantes das CEBs
do Brasil inteiro - organizem uma grande Romaria das CEBs (uma viagem especial
do trem das CEBs) ao Santuário do Divino Pai Eterno em Trindade - GO, por
ocasião do encerramento do mês da Bíblia (setembro/11) ou do mês missionário
(outubro/11). Quem sabe, poderia se tornar uma tradição anual!
Diário da Manhã,
Opinião Pública, Goiânia, 31/07/11, p. 6
Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em
Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de
Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na
Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana
Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário
Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador
Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
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