Segundo o Evangelho de Lucas, para atender ao recenseamento que o
imperador César Augusto mandou fazer no império, "todos iam registrar-se,
cada um na sua cidade natal. José era da família e descendência de Davi. Subiu
da cidade de Nazaré, na Galileia, até à cidade de Davi, chamada Belém, na Judeia,
para registrar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida. Enquanto estavam
em Belém, se completaram os dias para o parto, e Maria deu à luz o seu filho
primogênito. Ela o enfaixou, e o colocou na manjedoura, pois não havia lugar
para eles dentro de casa" (Lc 2, 3-7).
Meditando sobre o relato
do nascimento de Jesus, fico pensando: Se “não havia lugar para eles dentro de
casa”, José e Maria, grávida de Jesus, devem ter perambulado, dias e noites,
nas ruas e praças de Belém; devem ter dormido diversas vezes debaixo das marquises
dessas mesmas ruas e praças; e devem ter batido em portas de muitas casas,
inclusive dos parentes de José, para pedir ajuda, mas - por serem pobres - as
portas sempre se fechavam na frente deles. Finalmente, quando “se completaram
os dias para o parto”, José e Maria - talvez por pena de alguma pessoa bondosa
- encontraram acolhida e abrigo num estábulo e Maria deu à luz numa manjedoura.
Jesus se solidarizou e se identificou de tal
forma com “os pequeninos” (todos aqueles que na sociedade não tem voz e não tem
vez, são excluídos,
rejeitados e descartados) que, ainda antes de nascer, no seio de sua mãe Maria,
se tornou “morador de rua” em Belém.
E hoje? Jesus continua sendo “morador de rua” em muitas
cidades do Brasil, da América Latina e do mundo, na pessoa de irmãos e irmãs
nossos. Cada morador de rua é Jesus ameaçado de morte. “Eu garanto a vocês: todas as vezes que vocês fizeram (ou não fizeram) isto
a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizeram (ou não
o fizeram)” (Mt 25, 40 e 45).
Cito o caso de Goiânia destes últimos tempos, que - pelo
alto número de assassinatos - causou repercussão nacional. Uma Nota Pública,
assinada por 38 entidades, afirma que, na cidade de Goiânia, “a sociedade
acompanha estarrecida os contínuos assassinatos de moradores de rua”. “Nos
últimos meses deste ano já foram doze mortes: em outubro, três; em novembro,
seis; e em dezembro, até o momento, três. Nos casos mais recentes, em 10 de
dezembro, que por sinal era o Dia Internacional dos Direitos Humanos, foi
assassinado a facadas o morador de rua ‘Fernando’, na Vila Irani. Na madrugada
do dia 11, foi assassinado com dois tiros ‘Tiago’, no Setor Central. E na
madrugada do dia 12, foi assassinado a tiros o morador de rua ‘Michel’” (Nota
Pública sobre os Assassinatos de Moradores de Rua, Goiânia, 13 de dezembro de
2012). ´
Segundo as últimas informações, “no período de dois
meses, 14 moradores de rua foram assassinados na capital de Goiás, Goiânia.
Ontem, 17, duas pessoas foram mortas” (http://www.sbt.com.br/jornalismo/noticias/?c=27680&t=Numero+de+moradores+de+rua+mortos+em+Goiania+chega+a+14
- 18/12/12).
Darci Accorsi, secretário da Secretaria Municipal de
Assistência Social (SEMAS), afirma “que todas as mortes são relacionadas com o
tráfico de drogas e que policiais militares estão diretamente envolvidos nos
crimes” (http://www.portal730.com.br/cidades/secretario-de-assistencia-social-aponta-participacao-de-policiais-em-mortes-de-moradores-de-rua-pm-contesta
-17/12/12).
De modo enfático, a Nota Pública citada declara: “Repudiamos
e condenamos veementemente esses assassinatos, denunciando-os como gravíssimas
violações aos Direitos Humanos. Nada justifica crimes tão bárbaros. A vida deve
estar em primeiro lugar!”.
Enfim, a Nota Pública conclui com dois pedidos. O
primeiro: “Pedimos ao secretário da Secretaria Municipal de Assistência Social
de Goiânia (SEMAS), Darci Accorsi, e ao prefeito Paulo Garcia que, em caráter
de urgência urgentíssima, implementem políticas públicas que visem, em primeiro
lugar, a acolhida e a proteção aos moradores de rua e, em segundo lugar, ajudem
esses moradores a se conscientizarem sobre o sentido (o valor) da vida humana,
aumentando o reconhecimento de suas potencialidades e de sua autoestima”
O segundo: “Pedimos, também, ao secretário da Secretaria
de Segurança Pública e Justiça do Estado de Goiás (SSPJ-GO), Joaquim Cláudio
Figueiredo Mesquita e ao governador Marconi Perillo que, com responsabilidade e
agilidade, tomem as providências cabíveis para identificar e processar os
responsáveis - mandantes e executores - desses assassinatos, que gritam por
justiça diante de Deus”.
Trata-se de violência estrutural (institucionalizada) que
todos e todas devemos combater. No Natal, somos impelidos/as a renascer para
viver uma vida nova, uma vida de irmãos e irmãs, uma vida de justiça e de
compromisso com os Direitos Humanos. Que o Menino Jesus nos traga este
presente!
(Leia também o artigo Jesus, o “sem-teto” de Belém, escrito no
dia 4 de janeiro de 2011, em: http://www.adital.com.br/site/noticia_imp.asp?cod=53390&lang=PT).
Fr. Marcos Sassatelli, Frade
dominicano,
Doutor em Filosofia (USP) e em
Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de
Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia, 20 de dezembro de 2012