"Para que toda a humanidade se abra à esperança de um MUNDO NOVO" (Oração Eucarística VI-D)
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quinta-feira, 7 de março de 2013
A espiritualidade como “espiritualidade humana”
Estamos na Quaresma, que é um tempo forte de graça de Deus, um tempo de meditação e oração, um tempo de mudança e conversão, um tempo de busca - sempre renovada - do verdadeiro sentido da vida.
Durante a Quaresma, realizamos também a Campanha da Fraternidade (CF), que neste ano de 2013 tem como tema “Fraternidade e Juventude” e como lema “Eis-me aqui, envia-me” (Is 6,8).
O objetivo da CF13 é: “acolher os jovens no contexto de mudança de época, propiciando caminhos para seu protagonismo no seguimento de Jesus Cristo, na vivência eclesial e na construção de uma sociedade fraterna fundamentada na cultura da vida, da justiça e da paz” (CF13. Texto-Base, p. 8).
Esperando que nos ajudem a viver melhor a Quaresma e a CF13, vou fazer - em quatro pequenos artigos - algumas reflexões sobre a espiritualidade à luz da fé cristã: a espiritualidade como “espiritualidade humana”, a espiritualidade humana como “espiritualidade cristã”, a espiritualidade cristã como “espiritualidade pascal” e a espiritualidade pascal como “espiritualidade do seguimento de Jesus”. São diferentes aspectos da espiritualidade, que se complementam mutuamente. Neste artigo, inicio refletindo sobre a espiritualidade como “espiritualidade humana”.
.A concepção de espiritualidade está intimamente ligada à concepção de ser humano. Hoje, a antropologia filosófico-teológica (que integra os dados das ciências humanas) tem uma concepção unitária (não dualista) de ser humano. Mesmo na diversidade de abordagens, o ser humano é definido como um ser pluridimensional e um ser plurirrelacional.
Como ser pluridimensional, o ser humano é corpo, é vida e é espírito. A palavra corpo significa o ser humano todo, enquanto ser corpóreo; a palavra vida (alma) significa o ser humano todo, enquanto ser vivente (ser biopsíquico); a palavra espírito significa o ser humano todo, enquanto ser espiritual (ser pessoal). O sujeito é sempre o ser humano todo e a ênfase é colocada em uma de suas dimensões.
Em outras palavras, o ser humano é totalmente (ou, integralmente) corpo, é totalmente vida e é totalmente espírito (cf. Mounier, E. O Personalismo. Livraria Morais, Lisboa, 1964, p. 39). A corporeidade (que inclui a sexualidade), a biopsiquicidade e a espiritualidade são as três dimensões fundamentais do ser humano, que se desdobram em outras dimensões. Cada uma delas marca o ser humano todo, mas não é a totalidade do ser humano.
Como ser plurirrelacional (ser de relações), o ser humano se relaciona com o mundo (material e vivente), com os outros (semelhantes) e com o Outro absoluto (Deus). As relações são estruturais (sociais, econômicas, políticas, ecológicas e culturais) e individuais (corpóreas, biopsíquicas, espirituais ou pessoais).
As dimensões e as relações são constitutivas do ser humano, ou, em outras palavras, fazem o ser humano, são o ser humano.
A partir destas considerações de caráter antropológico (filosófico-teológico), podemos dizer que a espiritualidade é o jeito “humano” de ser e de viver do ser humano, enquanto ser espiritual, A espiritualidade envolve o ser humano todo, em todas as suas dimensões e relações. Ela perpassa, impregna e absorve a totalidade do ser humano, a totalidade de sua existência.
Como, porém, o ser humano, por ser histórico (situado e datado), é um "vir a ser" e um ser de busca permanente, ele pode - ao longo de sua vida na sociedade e no mundo - crescer sempre e adquirir uma profundidade e intensidade sempre maior na vivência do “humano”, até a plenitude da vida na meta-história.
Portanto, a espiritualidade é, antes de tudo, espiritualidade humana. Ser espiritual significa ser “humano”, viver o “humano” (a “humanidade”) sempre mais radicalmente, se libertando de tudo aquilo que oprime e desumaniza (espiritualidade libertadora). Nunca o ser humano exagera em ser “humano”, nunca o ser humano é “humano” demais. Jesus de Nazaré é o maior exemplo de sensibilidade humana e de vivência do “humano”.
Se queremos ser homens e mulheres espirituais (de espiritualidade), sejamos humanos, radicalmente humanos, em todos os momentos e em todas as situações da vida, mesmo e sobretudo nas situações que ainda são desumanas.
No próximo artigo refletiremos sobre a espiritualidade humana como “espiritualidade cristã”.
Fr. Marcos Sassatelli,
Frade dominicano,
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de
Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
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