segunda-feira, 26 de maio de 2014

O “mau cheiro” da Friboi

O desrespeito para com os moradores dos bairros, situados ao redor da Friboi, na Região Noroeste, em Goiânia, é inaceitável. Não dá para suportar tanto mau cheiro e tanto fedor. Mesmo quem passa perto da Friboi de carro (como eu costumo fazer, devido ao trabalho pastoral que realizo em Comunidades da Região) corre o risco de desmaiar e provocar um desastre. Não sei como os moradores da Região conseguem aguentar... É um crime contra a saúde do povo e contra o meio ambiente.
Por que será que o empresário José Batista Júnior (PMDB), o Júnior da Friboi - que não tem nenhuma consideração para com o povo que mora e vive ao redor da Friboi - quer ser candidato a governador do Estado de Goiás? Quais são os interesses que estão por trás dessa candidatura? Certamente não são o “bem viver” do povo e a busca de condições mais dignas de trabalho para esse mesmo povo.
Inclusive, o mau cheiro e o fedor, que se espalham pela Região da Friboi, desvalorizam os lotes e as casas, que - pela posse ou propriedade - são dos trabalhadores (é o direito à terra de moradia). Se algum trabalhador, por razões familiares ou de trabalho, precisar vender o seu lote e a sua casa, não acha quem compre, a não ser que sejam dados quase de graça. É um crime contra a economia popular.
Infelizmente, para quem se identifica com a cultura, desumana e cruel, do sistema capitalista neoliberal - que visa o lucro a qualquer preço - a vida do povo é só “um detalhe”, que não tem nenhuma importância.
O que realmente assusta e preocupa é a aliança do Poder Público - mesmo do chamado (impropriamente) Partido dos Trabalhadores - com os detentores do poder econômico. Eles - os ricos e poderosos - têm muito dinheiro para gastar na propaganda política, enganando o povo e colocando o Poder Público a serviço dos seus interesses.  
Por exemplo, conforme o que foi divulgado na mídia, Junior da Friboi fechou um contrato de R$ 30 milhões com o marqueteiro Duda Mendonça para fazer sua possível campanha ao governo do Estado de Goiás. Quem é que vai acreditar (a não ser se for muito ingênuo ou de má-fé) que Junior da Friboi está interessado - como ele disse - em lutar por bandeiras como “o combate à miséria e a luta por moradia digna, por saúde e educação de qualidade para todos os goianos” e “por um Estado onde a segurança pública garanta a tranquilidade dos cidadãos de bem” (O Popular, 30/04/14, p. 12).
Perguntamos: por que não buscar, como candidatos à vida pública, trabalhadores que saibam colocar a prática política a serviço do “bem viver” do povo, sobretudo dos pobres, excluídos e descartados da sociedade.
Voltando à questão concreta do mau cheiro e do fedor da Friboi, perguntamos também: por que a Prefeitura de Goiânia - através da Agência Municipal do Meio Ambiente (AMMA) não toma, em caráter de urgência urgentíssima, as devidas providèncias para resolver o problema? A omissão é um crime contra a saúde do povo e contra o meio ambiente.
Se fosse um trabalhador autônomo que, com “o seu negócio”, espalhasse mau chero e fedor nas redondezas, o Poder Público Municipal teria tomado imediatamente as medidas necessárias. Mas, como no caso da Friboi, se trata de ricos e poderosos, o comportamento é outro.
Comenta-se que a Friboi irá mudar de lugar. Não sei se é verdade ou enganação. Em todo caso, se houvesse respeito pela vida do povo, isso teria acontecido há muito tempo.
Perguntamos ainda: por que, enquanto a Friboi não mudar de lugar, os donos da empresa - que integra uma grande multinacional, a JBS S. A. - não são obrigados, pelo Poder Público Municipal, a instalar os equipamentos técnicos necessários para evitar que o mau cheiro e o fedor se espalhem nos bairros da redondeza? Dentro da lógica, fria e desumana, do capitalismo neoliberal - e o Poder Público é conivente com essa lógica - a resposta é simples. Os equipamentos técnicos custam muito dinheiro e a vida do povo não custa nada. 
Como nos lembra o nosso irmão, o papa Francisco: “hoje devemos dizer ‘não a uma economia da exclusão e da desigualdade social’. Essa economia mata” (A Alegria do Evangelho - EG, 53).
Os moradores dos bairros, situados ao redor da Friboi precisam se unir e organizar para exigir que o seu direito a uma vida digna e salubre seja respeitado. Como diz o slogam dos Movimentos Sociais Populares: “povo unido jamais será vencido”. “A união faz a força”. 
1º de maio de 2014: viva o dia do Trabalhador e da Trabalhadora!

Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia, 01 de maio de 2014

O nosso irmão Dom Tomás Balduino “completou a sua Páscoa”, passou para “a vida além da morte” e mergulhou - para toda a eternidade - no mistério da Santíssima Trindade, que é o mistério do amor infinito de Deus para conosco. Nas Celebrações de corpo presente, em Goiânia e na Cidade de Goiás, profundamente encarnadas na realidade do povo - sobretudo dos trabalhadores do campo e dos indígenas - fizemos a memória da vida de Dom Tomás, que foi toda ela uma romaria pascal  (fazendo acontecer a Páscoa na história do ser humano e do mundo), até à plenitude da Páscoa (Páscoa definitiva), que é a plenitude do Reino de Deus, a plenitude da glória e da felicidade.
Foram Celebrações de ação de graças pela vida do nosso irmão. O grito que mais se ouviu foi: Tomás vive entre nós! Ele “frequentou a escola dos indígenas, dos posseiros, dos ribeirinhos, dos quilombolas, dos agricultores, dos sem terra e soube aprender com eles a gramática do Evangelho e da simplicidade. Como um verdadeiro discípulo, se fez missionário de Jesus Cristo e o testemunhou junto ao mundo dos pobres, como o Divino Mestre da justiça e da paz. (CNBB. Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz. Mensagem para Dom Tomás Balduino, em sua Páscoa, 03/05/14).
No final de 2012, por ocasião dos 90 anos de idade, destacava - num breve escrito - quatro qualidades de Tomás: sua profunda sensibilidade humana; sua extraordinária perspicácia na escuta dos sinais dos tempos; sua prática radicalmente profética e sua fé inabalável na utopia do Reino de Deus, que é a Boa-Notícia de Jesus de Nazaré. Essas qualidades marcaram a história de vida do nosso irmão. Elas continuam nos edificando e nos animando a continuar a luta por “uma outra Igreja possível” e por “um outro mundo possível”.
Mesmo não tendo participado do Concílio Ecumênico Vaticano II, Tomás foi pioneiro na aplicação e na vivência de seus ensinamentos, que desencadearam, no mundo inteiro, um movimento de volta às fontes e de profunda renovação da Igreja.         
A Igreja, pela qual Tomás doou a sua vida, é a Igreja do Concílio e de Medellín (que encarna o Concílio na América Latina e Caribe): uma Igreja igualitária, de irmãos e irmãs, comunitária (Igreja-comunidade, Igreja-comunhão); Povo de Deus e toda ministerial.
A Igreja do Concílio e de Medellín é também uma Igreja que busca sempre o consenso, reconhecendo e valorizando o “senso da fé” do povo cristão; é uma Igreja que, a todo momento, perscruta os sinais dos tempos, interpretando-os à luz do Evangelho; é uma Igreja pobre, que faz a Opção pelos Pobres (a “Igreja dos Pobres”); é uma Igreja que reconhece e valoriza o diferente (uma Igreja ecumênica e macroecumênica); enfim, é uma Igreja que se alia aos Movimentos e Organizações Sociais Populares e a todos aqueles e aquelas que lutam por um Mundo Novo de justiça e paz, onde todos os Direitos Humanos são respeitados e valorizados. À luz da fé, é a utopia do Reino de Deus, acontecendo na história humana e cósmica (cf. o artigo “Dom Tomás, um pastor-profeta do nosso tempo”, em: http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&langref=PT&cod=73044).
Irmão Tomás, roga por nós!                            

Do alto da cruz, “Jesus viu a mãe e, ao lado dela, o discípulo que Ele amava. Então disse à mãe: ‘Mulher, eis aí o seu filho’. Depois, disse ao discípulo: ‘Eis aí a sua mãe’. E dessa hora em diante, o discípulo a recebeu em sua casa” (Jo 19,26-27).
Lembrando essas animadoras palavras de Jesus e que o discípulo (João Evangelista) representava todos e todas nós, dedico ao amigo, companheiro e irmão de Família Religiosa e de caminhada, Tomás, a:

Ladainha de Nossa Senhora dos Excluídos e Excluídas
Senhor, tende piedade de nós
Cristo, tende piedade de nós
Senhor, tende piedade de nós
Cristo, ouvi-nos
Cristo, atendei-nos
Deus Pai do céu, tende piedade de nós
Deus Filho Redentor do mundo, tende piedade de nós
Deus Espírito Santo, tende piedade de nós
Santíssima Trindade, que sois um só Deus, tende piedade de nós

Santa Maria, rogai por nós
Mãe de Deus,
Mãe de Jesus de Nazaré,
Mãe da Igreja
dos Pobres,
Mãe dos Moradores e Moradoras de Rua,            
Mãe dos Catadores e Catadoras de Lixo, 
Mãe dos Encarcerados e Encarceradas ,
Mãe dos Sem-Terra,  
Mãe dos Sem-Moradia,  
Mãe dos Sem-Trabalho,                                    
Mãe dos Subempregados e Subempregadas, 
Mãe dos Trabalhadores e Trabalhadoras em condição de trabalho escravo,
Mãe dos Doentes que não são atendidos pela Saúde Pública,
Mãe dos Doentes que morrem à míngua por falta desse atendimento,
Mãe das Crianças e Jovens que não têm uma Educação Pública de qualidade,
Mãe das Crianças e Jovens que se envolvem com as drogas, por falta de Políticas Públicas,
Mãe das Crianças e Jovens que são assassinados por causa desse envolvimento,
Mãe das Crianças e Jovens abandonados,
Mãe dos Idosos e Idosas abandonados,
Mãe das Mulheres marginalizadas e violentadas,           
Mãe do Povo que não tem uma Segurança Pública humanizada,
Mãe do Povo que não tem um Transporte Público digno, 
Mãe das Vítimas da Fome e Subnutrição,                                     
Mãe das Vítimas do Tráfico Humano para a exploração no trabalho,
Mãe das Vítimas do Tráfico Humano para a exploração sexual,
Mãe das Vítimas do Tráfico Humano para a extração de órgãos,
Mãe das Vítimas do Tráfico Humano de Crianças e Jovens,
Mãe das Vítimas da Discriminação Racial dos Povos Indígenas e do Povo Negro,
Mãe das Vítimas da Exploração da Terra e das Águas,
Mãe das Vítimas da Violência institucionalizada e de toda Violência,
Mãe dos Descartados e Descartadas da sociedade,   
Mãe de todos os Excluídos e Excluídas,                                                                                                                     
Mãe dos Bons Samaritanos e Samaritanas de hoje,         
Mãe dos Profetas e Profetisas de hoje,                                                  
(Intenções espontâneas)
                                   
Cordeiro de Deus, que tirais os pecados do mundo, perdoai-nos, Senhor
Cordeiro de Deus, que tirais os pecados do mundo, atendei-nos, Senhor
Cordeiro de Deus, que tirais os pecados do mundo, tende piedade de nós

Rogai por nós, Mãe dos Excluídos e Excluídas
Para que anunciemos, com o testemunho e a palavra, a Boa Notícia do Reino de Deus

Oremos. Ó Deus, que sois Pai e nos amais com amor de Mãe, nós Vos pedimos que, pela intercessão de Nossa Senhora dos Excluídos e Excluídas, concedais a vossos filhos e filhas a força de lutar contra todas as formas de exclusão, para que todos e todas tenham Vida e Vida em plenitude. Por Cristo Nosso Senhor. Amém.

(Escrevi a “Ladainha de Nossa Senhora dos Excluídos e Excluídas” - ainda inédita - na Quarta Feira de Cinzas do corrente ano, pensando nos Moradores e Moradoras de Rua).

. Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG

                                                                                       Goiânia, 08 de maio de 2014

Dom Celso, um pastor irmão dos pobres

Em poucos dias - depois de Dom Tomás Balduino - mais um irmão nosso dominicano, muito querido, Dom Celso Pereira de Almeida, “completou a sua Páscoa”, passou para “a vida além da morte” e mergulhou - para toda a eternidade - no mistério da Santíssima Trindade, que é o mistério do amor infinito de Deus para conosco.
A nossa dor - de familiares, de irmãos e irmãs de vida religiosa dominicana e de tantos outros irmãos e irmãs de caminhada de Dom Celso - é muito profunda, mas a esperança é maior. E é por isso que a serenidade e a paz invadem o nosso coração. “Eu sou a Ressurreição e a Vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim, não morrerá jamais” (Jo 11,25-26).
O nosso irmão Celso foi um homem autêntico, transparente, alegre, de extraordinária sensibilidade humana e radicalmente evangélico. Seu testemunho de humildade, simplicidade, proximidade e solidariedade para com os pobres renovou e fortaleceu a nossa esperança. Sua vida foi uma advertência aos poderosos e uma denúncia contra toda injustiça. Como profeta de Deus, Dom Celso tornou-se - quando necessário - defensor e advogado dos pobres, mesmo com risco de sua vida.  
O nosso irmão Celso se relacionava com os pobres, não como objetos de assistência, ou mesmo de ação caritativa, mas como sujeitos e protagonistas de sua própria história. Ele frequentou a escola dos pobres, aprendeu e assimilou sua sabedoria, que é a sabedoria de Deus. Fez-se pobre com os pobres, como Jesus de Nazaré.
Dom Celso era uma pessoa sempre bem humorada. Interessava-se por tudo aquilo que os irmãos e as irmãs faziam. Elogiava e valorizava o seu trabalho, animando a todos e a todas. Ele se identificou com os últimos, que são os preferidos de Deus.
Nunca se colocou numa posição de superioridade, nunca quis ser mais importante do que os outros, sempre foi um irmão de caminhada, andando na frente, do lado ou atrás do seu povo, conforme a necessidade.
O nosso irmão Celso não era um homem legalista, formal e preocupado com as exterioridades. Nos Encontros e nas Celebrações, ele sempre tinha um sincero e profundo respeito por tudo o que as Comunidades e seus animadores preparavam. Quando tinha algo a sugerir, o fazia com amor e com carinho, sem humilhar ninguém. Ele encarnou e viveu a teologia da Igreja Povo de Deus e toda ministerial. Despojou-se de toda forma de autoritarismo clerical.
Em Goiânia e em Porto Nacional - nas Celebrações de corpo presente - fizemos a memória da vida de Dom Celso, que foi, toda ela, um testemunho evangélico de amor aos pobres. No seu ministério de padre e de bispo, ele foi um pastor irmão, amigo e companheiro de caminhada dos pobres, dos excluídos e de todos aqueles que não têm voz nem vez, que são os descartados da sociedade iníqua na qual vivemos .
O povo pobre, que conheceu e conviveu com Dom Celso, tem uma verdadeira veneração por ele. No aeroporto de Porto Nacional - cidade onde o nosso irmão Celso foi bispo por 22 anos - o corpo dele foi recebido com carinho e gratidão por muitas pessoas, entre as quais religiosas, padres e o bispo emérito Dom Geraldo Gusmão, que fez uma fraterna e comovente acolhida. Estavam presentes também o prefeiro da cidade e outras autoridades. No cortejo para a Catedral, Dom Celso foi muito saudado e aplaudido pelo povo nas ruas.
Depois de ser velado, com Orações e Celebrações, o corpo do nosso irmão Celso foi sepultado na Catedral, ao lado do túmulo de Dom Alano, seu predecessor - também dominicano - que o povo considera um santo, e Dom Celso tinha por ele uma veneração especial.
A Igreja, pela qual o nosso irmão Celso doou sua vida por amor, é - como diz o papa Francisco - uma Igreja “em saída”, uma Igreja “com as portas abertas”, uma Igreja que sabe “olhar nos olhos e escutar”, uma Igreja que sabe “renunciar às urgências para acompanhar quem ficou caído à beira do caminho”.
“Prefiro - afirma Francisco - uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada em ser o centro, e que acaba presa num emaranhado de obsessões e procedimentos” (A Alegria do Evangelho - EG, 46, 49).
A Igreja de Dom Celso - que, temos certeza, continua presente entre nós - é “uma Igreja pobre, para os pobres, com os pobres e dos pobres”.
Irmão Celso, roga por nós!
. Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
                                                                                       Goiânia, 15 de maio de 2014