As
eleições - mesmo com todas as limitações do sistema político vigente - são um
momento ímpar para o exercício da cidadania. Quais os critérios que devem orientar
a escolha dos candidatos e candidatas?
Temos que olhar não só a história de
vida dos candidatos e candidatas, mas também e sobretudo o projeto político que
eles e elas e seus partidos defendem atualmente. Digo "atualmente",
porque existem partidos e candidatos e candidatas, que renegaram - se não com
palavras, pelo menos de fato - toda sua história de luta ao lado do povo pobre,
oprimido e excluído, e se aliaram ao sistema econômico dominante, defendendo
seus interesses.
Existem também candidatos e
candidatas, que se dizem "cristãos" ou “cristãs” e fazem questão de
defender alguns valores importantes no campo da bioética, mas que
"encontram-se muitas vezes em contradição com as opções e compromissos que
estes mesmos candidatos e candidatas têm em relação aos direitos humanos, à
economia, à vida social e política e, de modo especial, às necessidades dos
pobres.
(...) A defesa de alguns valores
importantes pode ser feita por estes candidatos e candidatas para iludir e
esconder compromissos e práticas que estão, na verdade, a serviço da cultura da
morte. A defesa da cultura da vida exige que os valores da bioética não sejam
separados dos valores da ética social" (CNBB. Eleições 2010: o chão e o
horizonte).
Hoje, "na verdade, o governo
procura quebrar a combatividade dos movimentos, dividi-los, desmobilizá-los e
mantê-los apenas como massa de apoio quando necessário. Conseguiu, em boa
parte, seu intento de colocar como limite máximo de utopia as mudanças dentro
dos quadros do neoliberalismo (ou do neodesenvolvimentismo, que - apesar de
seus aspectos positivos imediatos - é mais uma tapeação dos trabalhadores e
trabalhadoras). Muitos, nos movimentos, contentam-se com as pequenas conquistas
obtidas.
Há insatisfação, sem dúvida: uma outra
parte dos movimentos tem uma posição crítica. Esta divisão, esta confusão, esta
aparência de governo do povo, sendo preferencialmente governo dos banqueiros,
dificulta o posicionamento dos movimentos sociais (populares).
(...) Existe uma mobilização autônoma,
porém, em vários setores, e em vários movimentos: para dar um exemplo, na
Assembleia Popular, que é uma articulação de diversos movimentos, pastorais e
entidades da sociedade civil. Foi a única articulação que produziu um projeto
de sociedade (‘o Brasil que queremos’), distinto do vigente, crítico ao modelo neoliberal
(ou - acrescento eu - neodesenvolvimentista). Este tipo de articulação pode
crescer, porque vem de encontro aos anseios de muitos que estão
insatisfeitos" (Entrevista com o sociólogo Ivo Lesbaupin, concedida, por
e-mail, à IHU On Line, abril 2010).
Delfim Netto, homem forte da economia
no regime militar e um dos principais conselheiros do governo Lula, afirma que
o governo foi o primeiro a perceber "que o capitalismo deve aos programas
de distribuição de renda sua sobrevivência no país" e que o governo
"mudou o pais de forma importante, de forma a salvar o capitalismo"
(Entrevista de Aguinaldo Novo. Em: O Globo, 20/09/09).
Infelizmente, a maioria dos candidatos
e candidatas (mesmo quando se dizem cristãos ou cristãs), da situação ou da
oposição, são reformistas. Não querem mudar as estruturas do sistema político
dominante; querem simplesmente "maquiá-lo", colocando remendinhos
novos numa roupa velha.
As diferenças e as brigas entre eles e
elas se referem unicamente à reformas e não à mudanças estruturais. Para esses
políticos e políticas, os chamados "programas sociais de distribuição de
renda" (que em situações emergenciais são necessários e aliviam o
sofrimento dos pobres, mas que não mudam a estrutura do sistema capitalista)
são como balinhas que se costuma dar às crianças para que não chorem, e servem
para legitimar o "sistema econômico iniquo" vigente (às vezes, até
com argumentos religiosos, usando o nome de Deus em vão) e para manter o povo,
pobre, oprimido e excluído em situação de dependência dos poderosos e do
governo, evitando assim possíveis revoltas.
É o caso do chamado neodesenvolvimentismo,
que pretende dar uma face aparentemente “humana” ao capitalismo neoliberal, mas
que, na realidade, engana o povo e encobre a iniquidade estrutural do sistema
dominante.
"A misericórdia (leia-se: obras
sociais, programas sociais de distribuição de renda e outros) sempre será
necessária, mas não deve contribuir para criar círculos viciosos que sejam
funcionais para um sistema econômico iníquo. Requer-se que as obras de
misericórdia sejam acompanhadas pela busca da verdadeira justiça social
(...)" (Documento de Aparecida - DA, 385).
O
papa Francisco - lembrando-nos que “o sistema social e econômico é injusto em
sua raiz” e “um mal embrenhado nas estruturas” - afirma com clareza: “devemos dizer
‘não a uma economia da exclusão e da desigualdade social’. Essa economia mata.
(...) Hoje, tudo entra no jogo da competitividade e da lei do mais forte, em
que o poderoso engole o mais fraco. (...) O ser humano é considerado, em si
mesmo, como um bem de consumo que se pode usar e depois lançar fora. Assim teve
início a cultura do ‘descartável’, que, aliás, chega a ser promovida. (...) Os
excluídos e excluídas não são ‘explorados’, mas resíduos, ‘sobras’” (A Alegria
do Evangelho - EG, 53 e 59).
Atualmente - como falou o sociólogo Ivo
Lesbaupin - a maioria dos movimentos populares são cooptados pelo governo,
atrasando de muitos anos a organização popular. Basta, por exemplo, lembrar a
festa do primeiro de maio, reduzida a um show para os trabalhadores e
trabalhadoras.
Precisamos reverter essa situação iníqua e
votar em políticos e políticas, que - conforme nos lembra a 5ª Semana Social
Brasileira (setembro 2013) - estejam de acordo com o projeto "o Brasil que
queremos", "projeto popular", alternativo, justo, humano,
fraterno e estruturalmente diferente (o projeto do “bem viver”). Mesmo que
muitos deles ou delas não ganhem agora as eleições, marcam presença, fazem
avançar o processo democrático e abrem caminhos novos para que o "projeto
popular" aconteça.
Eleitores e eleitoras, vamos abrir os olhos,
refletir e tomar nossas decisões. O seu voto é muito importante e faz a
diferença. "Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em
abundância" (Jo, 10, 10).
Marcos
Sassatelli, Frade dominicano
Doutor
em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor
aposentado de Filosofia da UFG
E-mail:
mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia, 01 de outubro de 2014
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