quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Discurso de Francisco aos Movimentos Populares - Terra é um direito sagrado -



        No Encontro Mundial de Movimentos Populares, Francisco apresenta-se como um irmão entre irmãos e irmãs. Com extraordinária sensibilidade humana, identifica-se com o Encontro. Em seu discurso, chama o Encontro de “nosso”. Como isso é bonito e significativo na sociedade “classista” em que vivemos! “Este Encontro nosso - diz o Papa - responde a um anseio muito concreto, algo que qualquer pai, qualquer mãe quer para os seus filhos; um anseio que deveria estar ao alcance de todos, mas que hoje vemos com tristeza cada vez mais longe da maioria: terra, teto e trabalho”.
Com muita clareza, Francisco afirma: “não se entende que o amor pelos pobres está no centro do Evangelho. Terra, teto e trabalho - isso pelo qual vocês lutam - são direitos sagrados. Reivindicar isso não é nada raro, é a doutrina social da Igreja”.
Terra, teto e trabalho foram escolhidos pelos próprios Movimentos Populares como tema do Encontro e o Papa, em seu discurso, detém-se sobre cada um deles.
            Neste 3º artigo sobre o Encontro Mundial de Movimentos Populares destaco o segundo ponto marcante do Discurso do Papa Francisco: terra é um direito sagrado.
            Ante de tudo, Francisco lembra que, “no início da criação, Deus criou o homem, guardião de sua obra, encarregando-o de cultivá-la e protegê-la”. Com muito carinho, ele afirma: “vejo que aqui há dezenas de camponeses e camponesas, e quero felicitá-los por cuidar da terra, por cultivá-la e por fazer isso em comunidade”.
            O Papa manifesta, pois, sua preocupação, dizendo: “preocupa-me a erradicação de tantos irmãos camponeses que sofrem o desenraizamento, e não por guerras e desastres naturais”. E profeticamente denuncia: “a apropriação de terras, o desmatamento, a apropriação da água, os agrotóxicos inadequados são alguns dos males que arrancam o homem de sua terra natal. Essa dolorosa separação, não é só física, mas também existencial e espiritual, porque há uma relação com a terra que está pondo a comunidade rural e seu modo de vida peculiar em notória decadência e até em risco de extinção”.
Ah, se os governantes entendessem a mensagem do nosso irmão Francisco! Infelizmente, a ganância pelo deus dinheiro obceca os latifundiários, que se consideram donos absolutos da terra, muitas vezes com a conivência criminosa do Poder Público.
            Francisco continua denunciando: “a outra dimensão do processo já global é a fome. Quando a especulação financeira condiciona o preço dos alimentos, tratando-os como qualquer mercadoria, milhões de pessoas sofrem e morrem de fome. Por outro lado, descartam-se toneladas de alimentos. Isso é um verdadeiro escândalo. A fome é criminosa, a alimentação é um direito inalienável”.
            A respeito da Reforma Agrária, o papa afirma: “eu sei que alguns de vocês reivindicam uma Reforma Agrária para solucionar alguns desses problemas, e deixe-me dizer-lhes que, em certos países - e cito aqui o Compêndio da Doutrina Social da Igreja - ‘a Reforma Agrária é, além de uma necessidade política, uma obrigação moral’ (CDSI, 300)”.
            E justamente por ser a Reforma Agrária uma necessidade política e uma obrigação moral, no Brasil e em muitos outros países, os Movimentos Populares do campo - com o apoio e a solidariedade dos Movimentos Populares da cidade - lutam e constroem a Reforma Agrária Popular. Ela “consiste na democratização da terra, prioriza a produção de alimentos saudáveis, através da agroecologia, procura desenvolver sistemas de agroindústrias no campo e sob o controle dos camponeses. Isso possibilita agregar valor aos produtos, gerando mais renda e novos postos de trabalho, sobretudo à juventude. Ainda, busca garantir condições e direitos básicos, como saúde, educação, acesso a tecnologias, cultura e lazer a toda a população do campo” (http://oglobo.globo.com/opiniao/reforma-agraria-popular-urgente-11565408).
             Ora, lutar e construir a Reforma Agrária Popular - democratizando o acesso à terra, à água e aos bens da natureza - significa também alcançar a Soberania Alimentar, que é “o direito de cada nação a manter e desenvolver os seus alimentos, tendo em conta a diversidade cultural e produtiva” (Via Campesina).
Enfim, o Papa Francisco conclui suas palavras sobre o direito sagrado à terra com um caloroso apelo aos Movimentos Populares: “por favor, continuem com a luta pela dignidade da família rural, pela água, pela vida e para que todos possam  se beneficiar dos frutos da terra”.   

Leiam também os artigos “O significado do Encontro Mundial de Movimentos Populares” e “Discurso de Francisco aos Movimentos Populares - Os pobres querem ser protagonistas”.


Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
                                                                                       Goiânia, 10 de dezembro de 2014 

Nenhum comentário:

Postar um comentário