Neste 4º artigo sobre o
Encontro Mundial de Movimentos Populares destaco o 3º ponto marcante do
Discurso do Papa Francisco: moradia é um direito sagrado.
Enfaticamente e de maneira muito firme, o Papa - depois de
falar que a Terra é um direito sagrado - afirma: “em segundo lugar, teto. Eu
disse e repito: uma casa para cada família. Nunca se deve esquecer que Jesus
nasceu em um estábulo porque na hospedagem não havia lugar, e que a sua família
teve de abandonar o seu lar e fugir para o Egito, perseguida por Herodes”.
Com sentimentos de compaixão, ou seja, de partilha do
sofrimento do povo, ele diz: “hoje há tantas famílias sem moradia, ou porque
nunca a tiveram, ou porque a perderam por diferentes motivos. Família e moradia
andam de mãos dadas”.
Francisco
destaca, pois, a importância da dimensão comunitária da família. “Um teto, para
que seja um lar, tem uma dimensão comunitária: e é o bairro... e é precisamente
no bairro onde se começa a construir essa grande família da humanidade, a
partir do mais imediato, a partir da convivência com os vizinhos”. É o oposto
do individualismo, que leva ao isolamento.
O
Papa, com tristeza e ao mesmo tempo com ironia, desmascara a hipocrisia da sociedade
e constata: “hoje, vivemos em imensas cidades que se mostram modernas,
orgulhosas e até vaidosas. Cidades que oferecem inúmeros prazeres e bem-estar para
uma minoria feliz... mas nega-se o teto a milhares de vizinhos e irmãos nossos,
inclusive crianças, e eles são chamados, elegantemente, de ‘pessoas em situação
de rua’”.
E
acrescenta: “é curioso como no mundo das injustiças abundam os eufemismos. Não
se dizem as palavras com toda a clareza, e busca-se a realidade no eufemismo.
Uma pessoa, uma pessoa segregada, uma pessoa apartada, uma pessoa que está
sofrendo a miséria, a fome, é uma pessoa em situação de rua: palavra elegante,
não? Vocês, busquem sempre, talvez me equivoque em algum, mas, em geral, por trás
de um eufemismo há um crime”. É uma crítica contundente à sociedade
capitalista, estruturalmente desumana e antiética.
Como
verdadeiro profeta do nosso tempo, Francisco denuncia a crueldade - que é fruto
da ganância pelo deus dinheiro - das grandes cidades.
“Vivemos
em cidades que constroem torres, centros comerciais, fazem negócios
imobiliários... mas abandonam uma parte de si nas margens, nas periferias. Como
dói escutar que as ocupações pobres são marginalizadas ou, pior, quer-se
erradicá-las! São cruéis as imagens dos despejos forçados, dos tratores
derrubando barracos, imagens tão parecidas às da guerra. E isso se vê hoje”.
As
imagens do bárbaro despejo da ocupação “Sonho Real” do Parque Oeste Industrial,
em Goiânia, são um exemplo paradigmático dessa crueldade. Realmente, não dá
para entender como um governo - que está sempre a serviço dos poderosos - pode
ser tão cruel para com o povo.
Pela
sua experiência existencial (que é também a minha de muitos anos), que brota da
proximidade e sintonia de vida com os pobres, Francisco - com perspicácia - evidencia
os valores profundamente humanos que existem nos bairros populares e nas
ocupações. Os bairros populares são os verdadeiros bairros “nobres”, que não se
definem pelo poder econômico, como hipocritamente se costuma afirmar, mesmo em
ambientes ditos “religiosos”.
“Vocês
sabem que, nos bairros populares, onde muitos de vocês vivem, subsistem valores
já esquecidos nos centros enriquecidos. As ocupações urbanas estão abençoadas
com uma rica cultura popular: ali, o espaço público não é um mero lugar de
trânsito, mas uma extensão do próprio lar, um lugar para gerar vínculos com os
vizinhos. Como são belas as cidades que superam a desconfiança doentia e
integram os diferentes e que fazem dessa integração um novo fator de
desenvolvimento. Como são lindas as cidades que, ainda no seu desenho
arquitetônico, estão cheias de espaços que conectam, relacionam, favorecem o
reconhecimento do outro”.
Enfim,
o Papa faz um caloroso apelo: “por isso, nem expulsão, nem marginalização: é
preciso seguir na linha da integração urbana. Essa palavra deve substituir completamente
a palavra expulsão, desde já, mas também esses projetos que pretendem
envernizar os bairros populares, ajeitar as periferias e maquiar as feridas
sociais, em vez de curá-las, promovendo uma integração autêntica e respeitosa.
Há uma espécie de arquitetura de maquiagem, não? E vai por aí”.
Diz
ainda Francisco: “continuemos trabalhando para que todas as famílias tenham uma
moradia e para que todos os bairros tenham uma infraestrutura adequada (esgoto,
luz, gás, asfalto e, continuo, escolas, hospitais ou salas de primeiros
socorros, clube de esportes) e todas as coisas que criam vínculos e que unem,
acesso à saúde - já disse - e à educação e à segurança”. Lutemos pelo direito
sagrado à moradia!
Que
o Natal 2014 traga a todos e a todas nós muita felicidade e nos comprometa
sempre mais com a Justiça e a Paz e os Direitos Humanos, que - por serem
humanos - são também divinos!
Leiam
na internet - como minha mensagem de Natal - os artigos: “Jesus, ‘morador de
rua’ em Belém” e “Jesus, o ‘sem teto’ de Belém”.
Marcos
Sassatelli, Frade dominicano
Doutor
em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor
aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia,
24 de dezembro de 2014
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