Neste 7º artigo sobre o
Encontro Mundial de Movimentos Populares, destaco o 6º e último ponto marcante
do Discurso do Papa Francisco aos Movimentos Populares: os pobres querem mudar
o sistema.
Chegando ao final do seu Discurso, o Papa lembra: “falamos
da terra, do teto, do trabalho... falamos de trabalhar pela paz e cuidar da
natureza...”. Em tom de desabafo, ele pergunta: “mas por que, em vez disso, nos
acostumamos a ver como se destrói o trabalho digno, se despejam tantas
famílias, se expulsam os camponeses, se faz a guerra e se abusa da natureza?”.
E responde: “porque, nesse sistema, tirou-se o homem, a pessoa humana, do
centro, e substituiu-se por outra coisa. Porque se presta um culto idólatra ao
dinheiro. Porque se globalizou a indiferença!. Se globalizou a indiferença: a
mim - pergunta novamente - o que me importa o que acontece com os outros, se eu
consigo defender o que é meu?”. E, mais uma vez, responde: “porque o mundo se
esqueceu de Deus, que é Pai; tornou-se um órfão, porque deixou Deus de lado”.
Retomando o que foi falado no Encontro, Francisco afirma:
“alguns de vocês disseram: esse sistema não se aguenta mais. Temos que mudá-lo,
temos que voltar a colocar a dignidade humana no centro, e que, sobre esse
alicerce, se construam as estruturas sociais alternativas de que precisamos”.
Como um irmão
entre outros irmãos e irmãs, ele indica o caminho: “é preciso fazer isso com
coragem, mas também com inteligência. Com tenacidade, mas sem fanatismo. Com
paixão, mas sem violência. E entre todos, enfrentando os conflitos sem ficar
presos neles, buscando sempre resolver as tensões para alcançar um plano
superior de unidade, de paz e de justiça”.
Dirigindo-se aos cristãos e cristãs, o Papa lembra que
eles e elas têm na Palavra de Deus um programa de ação. “Os cristãos têm algo
muito lindo, um guia de ação, um programa, poderíamos dizer, revolucionário. Recomendo-lhes
vivamente que o leiam, que leiam as Bem-aventuranças que estão no capítulo 5 de
São Mateus e 6 de São Lucas (cf. Mt 5, 3ss e Lc 6, 20ss) e que leiam a passagem
de Mateus 25. Eu disse isso aos jovens no Rio de Janeiro. Com essas duas coisas,
vocês têm o programa de ação”.
Reconhecendo as diferenças existentes entre os
participantes do Encontro como um grande valor e uma riqueza, ele diz: “sei que
entre vocês há pessoas de distintas religiões, profissões, ideias, culturas, países,
continentes. Hoje, estão praticando aqui a cultura do encontro, tão diferente
da xenofobia, da discriminação e da intolerância que vemos tantas vezes. Entre
os excluídos, dá-se esse encontro de culturas em que o conjunto não anula a
particularidade. Por isso, eu gosto da imagem do poliedro, uma figura geométrica
com muitas faces. O poliedro reflete a confluência de todas as particularidades
que, nele, conservam a originalidade. Nada se elimina, nada se destrói, nada se
domina, tudo se integra. Hoje, vocês também estão buscando essa síntese entre o
local e o global. Sei que trabalham dia após dia no imediato, no concreto, no
seu território, seu bairro, seu lugar de trabalho: convido-os também a continuarem
buscando essa perspectiva mais ampla, que nossos sonhos voem alto e abranjam
tudo”.
Francisco demostra estar por dentro da realidade dos Movimentos
Populares e, com simplicidade fraterna, apresenta algumas sugestões. “Assim,
parece-me importante essa proposta que alguns me compartilharam de que esses
movimentos, essas experiências de solidariedade que crescem a partir de baixo,
a partir do subsolo do planeta, confluam, estejam mais coordenadas, vão se
encontrando, como vocês fizeram nestes dias. Atenção, nunca é bom engessar o
movimento em estruturas rígidas. Por isso, eu disse encontrar-se. Também não é
bom tentar absorvê-lo, dirigi-lo ou dominá-lo; movimentos livres têm a sua
dinâmica própria, devemos, sim, tentar caminhar juntos. Estamos neste salão,
que é o salão do Sínodo velho. Agora há um novo. E sínodo significa precisamente
"caminhar juntos": que esse seja um símbolo do processo que vocês
começaram e estão levando adiante”
Lembra,
pois, que “os Movimentos Populares expressam a necessidade urgente de
revitalizar as nossas democracias, tantas vezes sequestradas por inúmeros
fatores. É impossível imaginar um futuro para a sociedade sem a participação
protagônica das grandes maiorias, e esse protagonismo vai além dos
procedimentos lógicos da democracia formal. A perspectiva de um mundo da paz e
da justiça duradouras nos exige superar o assistencialismo paternalista, nos
exige criar novas formas de participação que incluam os Movimentos Populares e
anime as estruturas de governo locais, nacionais e internacionais com essa
torrente de energia moral que surge da incorporação dos excluídos na construção
do destino comum. E isso com ânimo construtivo, sem ressentimento, com amor”.
Como
um irmão próximo e solidário, o Papa conclui seu Discurso com palavras
carinhosas, que envolvem e comprometem a todos e a todas. “Eu os acompanho de
coração nesse caminho. Digamos juntos com o coração: nenhuma família sem
moradia, nenhum camponês sem terra, nenhum trabalhador sem direitos, nenhuma
pessoa sem a dignidade que o trabalho dá. Queridos irmãos e irmãs: continuem
com a sua luta, faz bem a todos nós. É como uma bênção de humanidade. Deixo-lhes
de recordação, de presente e com a minha bênção, alguns rosários que foram
fabricados por artesãos, coletores de materiais recicláveis (papeleiros) e
trabalhadores da economia popular da América Latina”. Quanta humanidade e
quanta sabedoria - que certamente vem do Espírito Santo - nas palavras do nosso
irmão Francisco!
Vamos,
pois, apoiar e fortalecer a “economia popular” (economia solidária), que abre caminhos
para uma mudança política estrutural e para a construção da sociedade do
“bem-viver” e do “bem-conviver”, que - à luz da fé cristã - é o Reino de Deus
acontecendo na história humana e cósmica.
Enfim,
o Papa promete orações e agradece a todos e a todas. “E nesse acompanhamento eu
rezo por vocês, rezo com vocês e quero pedir ao nosso Pai Deus que os acompanhe
e os abençoe, que os encha com o seu amor e os acompanhe no caminho, dando-lhes
abundantemente essa força que nos mantém de pé: essa força é a esperança, a
esperança que não desilude. Obrigado”.
O
Discurso do nosso irmão Francisco aos Movimentos Populares é realmente um guia
e, ao mesmo tempo, uma luz para as Pastorais Sociais e Ambientais da Igreja,
hoje. Ele é, podemos dizer, sua “Carta Magna”. Ouçamos o que o Espírito diz às
Igrejas! (cf. Ap 2, 7).
Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral
(Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 15 de janeiro de 2015
Nenhum comentário:
Postar um comentário