segunda-feira, 27 de abril de 2015

Ajuste fiscal que reduz direitos dos trabalhadores? “Nem que a vaca tussa!”


Na noite do dia 31 de março, em São Paulo, aconteceu a Plenária dos Movimentos Sociais Populares - promovida pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), União Nacional dos Estudantes (UNE) e outros Movimentos - com o objetivo de convocar duas grandes mobilizações de rua: uma que aconteceu no dia 7 deste mês de abril e outra que acontecerá no dia 1º de maio próximo, Dia do Trabalhador e Trabalhadora.
 Nessa Plenária, Gilmar Mauro, coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), destacou que o Movimento defenderá o Governo Federal se houver ameaça de golpe, mas criticou a política econômica desenvolvida pelo Governo. Disse Gilmar: “não haverá golpes no país sem resistência de massa nas ruas. Não iremos para debaixo da cama, nem para a França. É esse o nosso país e aqui nós vamos estar. Os nossos Movimentos não formaram covardes”.
 O coordenador do MST afirmou ainda: “nós precisamos de ajustes, mas não ajustes que agridam os direitos conquistados com muito sacrifício e esforço pelo nosso povo. Precisamos de ajustes contra o capital financeiro, contra as grandes fortunas. Precisamos de ajustes com esses 500 anos de latifúndio e 400 anos de escravidão no país”.
Nessa mesma Plenária, o discurso do ex-presidente Lula foi, para os militantes dos Movimentos Populares. um banho de água fria, uma frustração total. O ex-presidente disse que - dentro do quadro da crise econômica mundial - a economia brasileira está passando por um momento bastante complicado e que, por isso, as pautas dos Movimentos Populares não serão atendidas. Mesmo assim - afirmou Lula – os Movimentos devem sustentar o Governo. Para o ex-presidente, as medidas do ajuste fiscal, que representam perdas para os trabalhadores e trabalhadoras (como as mudanças nos direitos trabalhistas em relação ao seguro desemprego, à desoneração da folha de pagamento e à pensão por viuvez), são necessárias. Não foi isso que a presidenta Dilma disse na campanha eleitoral. Ela declarou, alto e bom som, que não tocaria nos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, “nem que a vaca tussa!”.
Sobre qual seria a contribuição do capital financeiro, dos especuladores, das grandes indústrias e redes do setor de serviços (ou seja, dos milionários) para enfrentar a crise, Lula não disse uma palavra. Pelo contrário, ele afirmou que o Governo quer melhorar a vida dos mais pobres sem mexer no patrimônio dos mais ricos. A própria bandeira da Reforma Política - que dizem ser prioridade do PT - não apareceu no discurso do ex-presidente.
Sobre a gestão da Presidenta, Lula disse:  “a Dilma é produto nosso. Ela tem compromisso conosco. Querem tirar ela, para tirar o povo do Governo” (http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2015-04/movimentos-populares-fazem-plenaria-em-sao-paulo-sobre-direitos-e-corrupcao).
Ex-presidente Lula, é evidente que os Movimentos Populares, em nome da democracia, defenderão o Governo contra qualquer ameaça de golpe. Dizer, porém, que o povo está no Governo, é piada de mau gosto. Só se o povo for representado por Joaquim Levy, Katia Abreu e companhia limitada!
Lula, que cara de pau você é! Suas palavras beiram o cinismo! Infelizmente, mais uma vez, você mostra que traiu os trabalhadores e que passou a defender os poderosos. Você deve estar achando que o povo é bobo e que para agradar os trabalhadores e trabalhadoras bastam “algumas balinhas”, chamadas “políticas compensatórias”. Ex-presidente Lula, que decepção! Quem te viu e quem te vê! Não dá para entender!
Sob o impacto do discurso do Lula, os dirigentes dos Sindicatos, Movimentos Populares e Organizações de Juventude - na seção mineira da Plenária dos Movimentos Sociais Populares - se reuniram no dia 1º de abril, em Belo Horizonte. Nessa reunião, João Pedro Stedile, líder do MST, disse de maneira incisiva: “não podemos ficar ao lado do ajuste fiscal. Nosso compromisso é com o povo, contra o Joaquim Levy (ministro da Fazenda)” (http://www.mst.org.br/2015/04/03/movimentos-pisam-no-acelerador-e-conclamam-lutas-sociais-para-cobrar-o-governo-e-encarar-a-direita.html). 
Contrariando a posição do Lula - no lugar do ajuste fiscal, que reduz os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras - sugerimos três ajustes que, por questão de justiça, são necessários e urgentes. Com esses ajustes, o Governo Federal arrecadará muito mais dinheiro que com o ajuste fiscal, resolvendo assim a crise econômica brasileira.
1º ajuste: cobrar das grandes empresas que sonegam o fisco.
Com essa cobrança, o Governo Federal obterá imediatamente todo valor que pretende ganhar com o ajuste fiscal e ainda ficará com o saldo de R$ 1 bilhão (veja a lista das empresas em: http://www.brasilpost.com.br/2015/03/28/operacao-zelotes-rbs_n_6962358.html). Esse 1º ajuste foi sugerido - como solução da crise - pelo Frei Betto no artigo “Entenda o ajuste fiscal” (http://site.adital.com.br/site/noticia.php?lang=PT&cod=84674&langref=PT&cat=).
2º ajuste: taxar as grandes fortunas, incluindo as heranças.
“O Brasil tem 225 mil famílias com patrimônio pessoal superior a US$ 1 milhão, favorecidas por sistema tributário injusto”. Taxar as grandes fortunas é uma recomendação do economista francês Thomas Piketty, autor do best-seller “O Capital no Século XXI”, que trata da concentração de renda em vários países, e do professor Paulo Feldmann, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP).
“Este Governo - afirma o professor Paulo - lamentavelmente, está optando por um caminho muito neoliberal e não está colocando as medidas que sempre foram defendidas pelo PT e pela esquerda em geral, no Brasil e no mundo. Isso (imposto sobre fortunas) já aconteceu em outros países. Esse Governo está caminhando para uma política de agradar as camadas mais ricas e os donos do capital. O Brasil é o único país que está aumentando taxa de juros. Por que o Joaquim Levy virou ministro da Fazenda? Porque o Governo quer agradar o grande capital, que não quer mudanças como essa. A política econômica que está aí é muito ortodoxa, ultrapassada”.
Taxar as grandes fortunas (incluindo uma tributação sobre as heranças) daria uma arrecadação de R$ 80 bilhões, mais do que o Joaquim Levy pretende arrecadar com o ajuste fiscal (http://www.redebrasilatual.com.br/economia/2015/03/reforma-tributaria-seria-muito-mais-logico-taxar-as-grandes-fortunas-diz-economista 8288.html).
3º ajuste: cobrar os lucros obtidos pelos bancos acima de um determinado teto (o teto máximo), previamente fixado.  
Segundo estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em 2014 - mesmo tendo sido um ano de crise - os cinco maiores bancos brasileiros tiveram lucros recordes (Itaú: R$ 20,6 bilhões; Bradesco: R$ 15,3 bilhões; Banco do Brasil: R$ 11,3 bilhões; Caixa: R$ 7,1 bilhões; Santander: R$ 5,8 bilhões). Só com prestação de serviços e cobrança de taxas, os cinco maiores bancos arrecadaram R$ 104,1 bilhões, 10,9% a mais que o ano anterior. O valor deu para bancar, com folga, todos os gastos com os 451 mil bancários, que em 2014 custaram R$ 74,6 bilhões, somados salários, encargos, cursos e treinamentos (http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2015/04/18/com-mais-taxas-e-demissoes-bancos-tem-ano-de-lucros-recordes-diz-dieese.htm#fotoNav=6).

Presidenta Dilma, são estes os ajustes que o Governo Federal deve fazer! Mostre que está do lado dos trabalhadores e trabalhadoras, defendendo seus direitos! Povo unido, organizado e mobilizado jamais será vencido!




Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
                                                                                                                                                             Goiânia, 22 de abril de 2015

domingo, 26 de abril de 2015

Maioridade penal



          O debate que atualmente se trava no Congresso Nacional e na sociedade brasileira, a respeito da Proposta de Emenda Constitucional (PEC), que reduz de 18 para 16 anos, a maioridade penal, é um sinal de atraso cultural e ético.

A pesquisa do Instituto CNT/MDA que, em 2013, indicou 92,7% dos brasileiros a favor da medida que reduz a maioridade penal, e a pesquisa do Instituto Datafolha que, no mesmo ano, indicou 93% dos paulistanos a favor da mesma medida, são dois dados reveladores desse atraso.

Para os/as que são comprometidos com a defesa e promoção dos direitos humanos, sobretudo dos adolescentes e jovens pobres, o debate sobre a redução da maioridade penal é simplesmente repugnante.

Mesmo que juristas de diferentes matizes ideológicos afirmem que a responsabilização a partir dos 18 anos é cláusula pétrea da Constituição, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara - depois de algumas sessões de acirrados debates - aprovou no dia 31 de março a admissibilidade da PEC, que reduz de 18 para 16 anos a maioridade penal no Brasil.

A deputada Erika Kokay (PT), às vésperas da votação da PEC, previa: “há uma forte aliança dos setores conservadores na Câmara. Há tempos tenho alertado sobre a força dos fundamentalistas da ‘Bancada BBB’: da Bíblia (acrescento eu: da falsa Bíblia), do Boi e da Bala. Agora, eles estão ainda mais unidos e articulados”. E Ivan Valente (PSOL) afirma: “com Eduardo Cunha na presidência da Câmara, essa aliança consolidou-se. Até porque esses grupos ajudaram a elegê-lo” (cf. BBB no Congresso, Carta Capital, 8 de abril de 2015, p. 22 e 24). Infelizmente, a chamada Bancada da Bíblia (ou Bancada evangélica), nada tem de bíblico (ou evangélico).

A Câmara dos Deputados criou uma Comissão Especial para discutir a maioridade penal e - dos 27 integrantes da Comissão - 20 defenderam publicamente, em diferentes ocasiões, a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Essa Comissão terá cerca de três meses para concluir seus trabalhos. Em seguida, a PEC será votada no plenário da Câmara e, se aprovada, seguirá para o Senado. É muita hipocrisia!

Nestas alturas eu pergunto: será que os criminosos e delinquentes são os adolescentes e jovens ditos infratores ou, antes, os que farisaicamente querem reduzir a maioridade penal?

Apesar de inúmeras críticas que faço ao seu Governo, parabenizo a presidenta Dilma Rousseff por ter se manifestado publicamente contra a redução da maioridade penal.

“Nas últimas semanas - diz a presidenta - intensificou-se o debate sobre a redução da maioridade penal no Brasil, de 18 para 16 anos de idade. Isso seria um grande retrocesso para o nosso País. Há poucos dias, eu reiterei aqui a minha posição contrária a esse tipo de iniciativa. E mantenho minha palavra.

Reduzir a maioridade penal não vai resolver o problema da delinquência juvenil. Isso não significa dizer que eu seja favorável à impunidade. Menores que tenham cometido algum tipo de delito precisam se submeter a medidas socioeducativas, que nos casos mais graves já impõem privação da liberdade. Para isso, o País tem uma legislação avançada: o Estatuto da Criança e do Adolescente, que sempre pode ser aperfeiçoado.

Acredito que é chegada a hora de ampliarmos o debate para alterar a legislação. É preciso endurecer a lei, mas para punir com mais rigor os adultos que aliciam menores para o crime organizado.

Eu já orientei o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a dar início a uma ampla discussão com representantes das entidades e organizações da sociedade brasileira para aprimoramento do Estatuto da Criança e do Adolescente. É uma grande oportunidade para ouvirmos em audiências públicas as vozes do nosso País durante a realização deste debate.

Mas, insisto, não podemos permitir a redução da maioridade penal. Lugar de meninos e meninas é na escola. Chega de impunidade para aqueles que aliciam crianças e adolescentes para o crime” (Texto publicado no Facebook, no dia 13 deste mês).

Se o Congresso Nacional estivesse realmente preocupado com os adolescentes e jovens, o foco do debate não seria a redução da maioridade penal, mas as políticas públicas, federais, estaduais e municipais, em favor desses adolescentes e jovens.

Na realidade não existem - sobretudo nas periferias pobres das grandes cidades - políticas públicas que levem os adolescentes e jovens a descobrirem o verdadeiro sentido da vida e a alegria de bem-viver. Em geral, a escola pública é de péssima qualidade. Fora da escola, os adolescentes e jovens não sabem como ocupar o tempo. Vem a tentação do dinheiro fácil e eles se envolvem com o mundo das drogas. Depois de envolvidos, na maioria das vezes, não conseguem mais sair desse mundo e são cruelmente assassinados.

Entre os muitos casos que poderia lembrar, cito somente dois. O jovem João (nome fictício) marcou a hora de se encontrar com Antônio (nome fictício) em frente a uma Igreja para pagar a dívida das drogas. Chegando ao lugar combinado, a pessoa que tinha sido contratada para assassiná-lo, rindo falou friamente na cara dele: “agora é tarde, me deram muito mais do que isso”, e atirou para matar.

O jovem Pedro (nome fictício) envolveu-se num pequeno roubo com um grupo de colegas. Depois de ser preso, ajoelhou-se aos pés do policial e suplicou: “não me mate, estou me entregando”. O policial falou friamente na cara dele: “as cadeias estão cheias, mas os cemitérios estão vazios”, e atirou para matar.

Na sociedade em que vivemos, a barbárie é institucionalizada, os pobres - sobretudo adolescentes e jovens - são literalmente “descartados”, jogados fora como “lixo” e, muitas vezes, assassinados.

É essa realidade que deveria ser assunto de debate no Congresso Nacional. Diante de situações tão cruéis que vitimam os nossos adolescentes e jovens, o debate sobre a redução da maioridade penal, permeado de argumentos hipócritas, me dá nojo.

Investir recursos nas políticas públicas, em favor dos adolescentes e jovens, deveria ser uma das principais prioridades do Poder Público, Federal, Estadual e Municipal. Nessas políticas públicas e nas medidas socioeducativas deve ser praticada a pedagogia libertadora, na qual os adolescentes e jovens são tratados como sujeitos e protagonistas de sua própria formação e de sua própria história.

A pedagogia libertadora do grande filósofo da educação Paulo Freire - mais valorizado no exterior que no Brasil - deveria ser um guia e, ao mesmo tempo, uma luz para as políticas públicas e as medidas socioeducativas, em favor dos adolescentes e jovens. Lutemos para que esse ideal se torne realidade. A juventude quer viver!



 
Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 15 de abril de 2015
 

domingo, 12 de abril de 2015

Sobre o momento político atual (IV)


              Neste quarto e último artigo sobre o momento político atual faço algumas reflexões a respeito do Projeto Popular para o Brasil, como projeto alternativo ao projeto capitalista neoliberal ou neodesenvolvimentista.
            Para construir o Projeto Popular, precisamos definir quais são os objetivos do Projeto e qual é o programa político necessário para alcançar esses objetivos. Por serem os nossos conhecimentos históricos, situados (no lugar) e datados (no tempo), os objetivos e o programa político deverão ser sempre atualizados de acordo com a realidade.
            O texto “Um Projeto Popular para o Brasil” (que foi elaborado pelo próprio PT em 2004 e é uma prova concreta de quanto o partido se distanciou do seu Projeto original), com o qual me identifico plenamente, apresenta os seguintes objetivos:
“1. Organizar na sociedade brasileira, a produção dos bens, as leis e fixar as prioridades do governo, para que todos os brasileiros e cada cidadão tenha assegurado emprego (trabalho), acesso à terra para trabalhar, moradia digna para sua família, educação pública e gratuita em todos os níveis de escolaridade, alimentação adequada e atendimento de saúde pública.
2. Recuperar a Soberania Nacional do Brasil sobre seus destinos, seja na política externa, seja evitando ingerência de interesses estrangeiros em nossa economia, na política, no território e recursos naturais.
3. Desenvolver um regime político de democracia popular, em que cada cidadão possa participar nas decisões do estado e nos assuntos de interesse coletivo.
4. Valorizar a cultura do povo brasileiro nas suas mais diferentes manifestações e aspectos.
5. Combater todas as formas de discriminação social, por renda, raça, gênero, opção sexual, cor da pele, opção religiosa, etc..
6. Desenvolver de forma quotidiana, na nossa sociedade, os valores humanistas e socialistas que fizeram a evolução da humanidade, como a solidariedade, a justiça social e a igualdade entre todos os cidadãos.
7. Preservar os recursos naturais, com um processo de desenvolvimento equilibrado e responsável com as gerações futuras. Defender nossa Amazônia e sua biodiversidade”.
            Em seguida, o texto citado apresenta o programa político necessário para alcançar os objetivos, que consiste nos seguintes pontos:
“1. Ruptura com a dependência externa da nossa economia. Romper os acordos com FMI e Banco Mundial, que monitoram nossa economia. Proibir a transferências de lucros e riquezas para o exterior. Cancelar o pagamento da divida externa. Investigar todos os empréstimos e envios de recursos passados.
2. Controlar o capital financeiro. Revisar toda dívida pública interna, federal, estadual e municipal. Ver sua legitimidade, níveis de taxas de juros, e submetê-la aos interesses e prioridades sociais. Ou seja, os recursos ora carreados pelo governo para os Bancos seriam destinados aos programas de educação, saúde, transporte coletivo, e na reorganização da indústria e da agricultura. Controlar a taxa de juros e a especulação.
3. Democratizar a propriedade da terra. Estabelecer o tamanho máximo da propriedade rural e realizar uma reforma agrária desapropriando todas as grandes propriedades acima do limite que garanta o acesso à terra a todos os que quiserem viver e trabalhar no meio rural.
4. Reorganizar a produção nacional, na indústria e na agricultura, visando em primeiro lugar o abastecimento das necessidades básicas da população e a geração de empregos. Descentralizar o parque industrial, levando o desenvolvimento para o interior do país e para o meio rural.
5. Manter sob controle do Estado todas as empresas estratégicas na área de minérios, comunicações, energia e transportes, garantindo assim sua finalidade social e a reaplicação dos lucros para o bem estar coletivo.
6. Distribuir riqueza e renda. Implantar um amplo programa de distribuição de renda e de riqueza, diminuindo as desigualdades sociais, com aumento real dos salários, imposto sobre grandes fortunas e heranças.
7. Reforma urbana, reordenamento das cidades. Impedir a especulação imobiliária.  Controle dos aluguéis. Democratização da propriedade do solo urbano para garantir moradia digna para todos.
8. Democratizar os meios de comunicação de massa, garantindo o acesso e o controle das rádios e televisão, que são concessões de serviço público, para as comunidades e a sociedade em geral.
9. Desenvolvimento da tecnologia nacional. Desenvolver um programa de estímulo e difusão da pesquisa, da ciência e da tecnologia no território nacional. E priorizar a busca de solução dos problemas do povo brasileiro.
10. Regime político. Mudar as leis do país para que se garanta uma democracia com efetiva participação popular, em todos os níveis de decisão política” (http://www.pt-pr.org.br/pt_pag/PAG%202004/PARTIDO%20DOS%20TRABALHADORES/Um%20projeto%20popular%20para%20o%20Brasil.pdf).  
            É esse o caminho para construir o Projeto Popular. Ah, se o PT tivesse colocado em prática ou quisesse colocar em prática hoje esse programa político! Como o Brasil poderia ter sido ou poderia ser hoje diferente!

            Vejam também a “Carta Compromisso da 5ª Semana Social Brasileira” (2-5 de setembro de 2013). Ela é uma luz que ilumina o nosso caminho na construção do Projeto Popular para o Brasil. 




Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
                                                                                                                                                                           Goiânia, 08 de abril de 2015   

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Sobre o momento político atual (III)


Neste terceiro artigo sobre o momento político atual, faço algumas reflexões a respeito da reforma política (da mudança estrutural do sistema político) por meio de uma Constituinte exclusiva e soberana.
A proposta da reforma política foi feita no mês de junho de 2013 pela própria presidenta Dilma Rousseff, em resposta às grandes manifestações de rua então em curso. Diante, porém, das dificuldades encontradas para viabilizá-la, ela recuou.
No dia 14 de março - como foi divulgado na mídia - João Pedro Stédile, coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), desafiou a presidenta Dilma a “sair do palácio” e a “ouvir o povo”. Afirmou com veemência que o Governo Federal tem que “criar vergonha” e dar uma resposta aos Movimentos Sociais Populares que ajudaram a eleger a presidenta Dilma.
Depois que Dilma assumiu o segundo mandato, “a crise econômica - diz João Pedro - se intensificou; ela colocou o Joaquim Levy na Fazenda e todas as medidas de política econômica até agora foram ruins para a classe trabalhadora”. Faço minhas as palavras de João Pedro.
Um dia antes, 13 de março, Stédile disse que Joaquim Levy, ministro da Fazenda, é um “capitalista infiltrado” no Governo Federal. Pessoalmente, acho que Joaquim Levy é um capitalista (como Kátia Abreu e outros), que - calculada e propositalmente - foi convidado (não se infiltrou) pela presidenta Dilma para ocupar, com todas as honras, um posto-chave no Governo Federal, que também é capitalista.
Quando Lula, na primeira campanha presidencial, em 2002, assinou a “Carta aos Brasileiros”, assumiu o compromisso diante dos poderosos de não fazer mudanças substanciais na política econômica. Consequentemente, ele comprometeu-se a fazer um governo capitalista neoliberal, atenuado por políticas públicas compensatórias (a única concessão que os detentores do poder econômico fazem aos trabalhadores e trabalhadoras), que são uma faca de dois gumes: de um lado aliviam situações sociais de injustiça estrutural e, de outro lado, fortalecem o sistema capitalista neoliberal, tranquilizando o deus mercado contra possíveis revoltas do povo. O Lula e a Dilma cumpriram e cumprem, fiel e servilmente, o compromisso assumido na “Carta aos Brasileiros”. Demostraram e demostram claramente de que lado eles estão.
Mesmo consciente dessa realidade, ainda acredito (a esperança nunca morre) na possibilidade da reforma política por meio de uma Constituinte exclusiva e soberana. Por isso, do mais profundo das minhas entranhas - em plena sintonia com os anseios de todos os excluídos e excluídas da sociedade - desafio a presidenta Dilma, seu governo e o PT a mudarem de posição política (voltando às fontes) e a tomarem corajosa e urgentemente (com o apoio do povo) algumas medidas, que são necessárias para viabilizar e fazer acontecer a reforma política.
1ª medida: deixar de exercer o papel de nova burguesia, totalmente submissa e subserviente à velha burguesia.
2ª medida: realizar uma nova reviravolta (em sentido contrário à reviravolta de 2002), retomando o princípio sagrado do PT de fazer alianças somente com forças políticas (partidos) situadas no campo democrático popular e o critério (seguido por muito tempo) de os militantes políticos interessados se filiarem ao PT somente num núcleo de base e participando dele.
3ª medida: formar um novo governo com novos ministérios, seguindo - na escolha dos participantes (ministros e outros) - o princípio sagrado do PT acima apontado.
4ª medida: promover (a exemplo do papa Francisco) um grande Encontro Nacional dos Movimentos Populares e Sindicais, experimentando a força da união e organização desses Movimentos. Participar do Encontro como militantes que se identificam com ele e o chamam (como fez Francisco) “esse nosso Encontro”.
5ª medida: lançar - no final do Encontro - uma grande Campanha de Mobilização Nacional pela reforma política (mudança estrutural do sistema político) por meio de uma Constituinte exclusiva e soberana, atendendo ao desejo de quase 8 milhões de pessoas, manifestado em setembro passado no Plebiscito Popular. A aprovação da Constituinte exclusiva e soberana - caso o Congresso não reconheça o valor legal do Plebiscito Popular - poderá ser precedida de um Plebiscito Constituinte oficial. Com o Congresso e o Judiciário que temos atualmente, só com muita organização, mobilização e pressão popular conseguiremos a reforma política pleiteada.
6ª medida: buscar a “governabilidade popular” e não a “governabilidade capitalista neoliberal ou neodesenvolvimentista”.
7ª medida: comprometer-se, enfim, com o Projeto Popular, que é o projeto alternativo ao projeto capitalista neoliberal ou neodesenvolvimentista.
            A reflexão do próximo artigo (o último da série sobre o momento político atual) será justamente sobre o Projeto Popular.

            Como minha mensagem de Páscoa leia o artigo “Fazer acontecer a Páscoa, hoje”, em: http://freimarcos.blogspot.com.br/search?updated-min=2014-01-01T00:00:00-08:00&updated-max=2014-04-30T05:40:00-07:00&max-results=50&start=35&by-date=false. Páscoa é Vida Nova. Feliz Páscoa a todos e a todas!






Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
                                                                                                                                                                           Goiânia, 01 de abril de 2015   

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Sobre o momento político atual (II)


            Neste segundo artigo sobre o momento político atual, faço algumas reflexões a respeito do projeto político do Governo Federal do PT e seus aliados (ou seja, da nova e velha burguesia), que - embora alguns afirmem o contrário - é fundamentalmente um projeto capitalista neoliberal, atenuado por políticas públicas compensatórias. E, devido a essas políticas, é chamado também projeto neodesenvolvimentista.
“No Brasil, o neoliberalismo surge como política de governo sob a presidência de Collor (1990-1992); atinge o seu clímax no PROER (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional) e no auge das privatizações durante os governos FHC (1995-2002); e tem seguimento, atenuado por políticas compensatórias, nos governos de Lula (2003-2010) e Dilma (2011-2014). Em 2015, a crise bate à porta dos brasileiros e as políticas de ‘ajuste’ do governo Dilma apontam para o aprofundamento das políticas neoliberais, com novas perdas de direitos sociais e desidratação das políticas compensatórias” (http://laurocampos.org.br/2015/01/neoliberalismo-estado-de-mal-estar-social/).
O PT, até 2002, só fazia alianças com forças políticas situadas no campo democrático popular (de centro-esquerda). Para o partido, essa prática era um princípio sagrado e fazia parte de sua identidade. A respeito dsse princípio, o PT não transigia em hipótese alguma. Quando, em nível estadual ou municipal, o principio era desrespeitado, o Diretório nacional do PT intervinha imediatamente nos Diretórios regionais e locais.
 Na campanha presidencial de Lula em 2002, houve uma reviravolta total. Lula foi obrigado a assinar um texto - a Carta aos Brasileiros - no qual prometia que, caso ganhasse a disputa, não tomaria nenhuma medida que representasse grandes mudanças na política econômica brasileira. Foi uma decepção para setores da esquerda, que sonhavam com um outro governo.
O PT - querendo ganhar o poder a qualquer custo e com qualquer meio - abandonou o princípio sagrado pelo qual tanto lutou: fazer alianças somente com forças políticas situadas no campo democrático popular. Renegou toda a sua história e fez alianças com partidos políticos de direita e extrema direita, como o PP (inclusive com Maluf e seu grupo político), o PMDB (inclusive com Sarney e seu grupo político), e outros. Não esqueçamos que Maluf e Sarney foram grandes esteios do golpe civil militar de 1964.
Na realidade, o PT (como partido e não necessariamente todos os petistas) se vendeu, traiu os trabalhadores e passou para o outro lado, apoiando e fortalecendo o projeto capitalista neoliberal, embora com algumas políticas públicas compensatórias, para tornar o projeto mais palatável ao gosto do povo. De fato, fazer aliança significa estar unidos na realização de um projeto, mesmo com algumas divergências secundárias. É diferente de um acordo pontual (sobre algum assunto específico) entre dois projetos, que pode ser feito por razões diferentes ou até opostas e que não compromete a substância dos projetos.
Os governos do PT de Lula e de Dilma, para garantir a governabilidade capitalista neoliberal, deram - e continuam dando - total apoio aos que detêm o poder econômico. Não taxaram - e continuam não taxando - as grandes fortunas, não tiraram - e continuam não tirando - um centavo sequer dos ricos, a fim de promover uma maior distribuição de renda. Nesses governos, os banqueiros, por exemplo, conseguiram os maiores lucros de toda sua história.
Os governos do PT não tiveram - e continuam não tendo - nenhuma preocupação de abrir caminhos novos que levem à mudança de estruturas, à superação, mesmo que a longo prazo, do sistema capitalista neoliberal e à construção de um projeto político popular.
As forças políticas que - como o PT e outros - estavam do lado dos trabalhadores e eram comprometidas com o projeto político popular, na prática (mesmo que digam o contrário) se venderam, mudaram de lado e passaram a defender os interesses dos poderosos. Essas forças políticas formam a nova burguesia (a burguesia dos traidores, pior do que a velha burguesia, que sempre foi burguesia).
Dizer que existe uma velha burguesia “raivosa” que não se conforma em ter perdido o poder, é uma afirmação equivocada. A velha burguesia não perdeu o poder. Está presente em postos-chave no Governo Federal atual, aliada à nova burguesia, que é refém dela. Basta citar o comportamento político recente da presidenta Dilma em relação ao PMDB. É simplesmente vergonhoso e repugnante! No caso, por exemplo, do Acampamento Dom Tomás Balduino, em Corumbá de Goiás, o Governo Federal foi covarde e totalmente submisso ao poder político do senador Eunício Oliveira. E a nomeação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda e Kátia Abreu para o Ministério da Agricultura? Não são eles legítimos representantes e fiéis defensores da velha burguesia?
É verdade que na velha burguesia, como na nova, existem pessoas e facções políticas (partidos) que - embora unidas no mesmo projeto político - têm interesses pessoais e grupais diferentes e até divergentes. A sede de poder é insaciável. Uma facção política ou um partido - como no caso do PSDB em relação às últimas eleições presidenciais - pode lamentar profundamente ter perdido as eleições.
Enfim, os Governos do PT foram - e continuam sendo - uma grande decepção para todos aqueles e aquelas (pessoas, movimentos populares, sindicatos autênticos e outras entidades) que ainda acreditam num outro Brasil possível e lutam por ele.
Lembrando as palavras de Tobias - “pratica a justiça todos os dias de tua vida e não sigas os caminhos da iniquidade” (Tb 4,5) - e manifestando sua preocupação diante do delicado momento pelo qual passa o País - o escândalo da corrupção na Petrobras, as recentes medidas de ajuste fiscal adotadas pelo Governo, a crise na relação entre os três Poderes da República e manifestações de insatisfação da população - a CNBB declara: “esta situação clama por medidas urgentes. Qualquer resposta, no entanto, que atenda antes ao mercado e aos interesses políticos que às necessidades do povo, especialmente dos mais pobres, nega a ética e desvia-se do caminho da justiça. Cobrar essa resposta é direito da população, desde que se preserve a ordem democrática e se respeitem as instituições da comunidade política”.
A CNBB continua dizendo: “diante das suspeitas de corrupção na gestão do patrimônio público, manifestamos nossa firme convicção de que a justiça e a ética requerem uma cuidadosa apuração dos fatos e a responsabilização, perante a lei, de eventuais corruptos e corruptores. Enquanto a moralidade pública for olhada com desprezo ou considerada um empecilho à busca do poder e do dinheiro, estaremos longe de uma solução para a crise vivida no Brasil. A solução passa também pelo fim do fisiologismo político que alimenta a cobiça insaciável de agentes públicos, comprometidos com a manutenção de interesses privados. Urge, ainda, uma profunda reforma política que renove em suas entranhas o sistema político em vigor” (Nota da CNBB sobre a realidade atual do Brasil. Brasília, 12 de março de 2015).

A reflexão do próximo artigo será sobre a reforma política por meio de uma Constituinte exclusiva e soberana (a mudança estrutural do sistema político).



Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 25 de março de 2015