O debate que atualmente
se trava no Congresso Nacional e na sociedade brasileira, a respeito da Proposta
de Emenda Constitucional (PEC), que reduz de 18 para 16 anos, a maioridade
penal, é um sinal de atraso cultural e ético.
A pesquisa
do Instituto CNT/MDA que, em 2013, indicou 92,7% dos brasileiros a favor da
medida que reduz a maioridade penal, e a pesquisa do Instituto Datafolha que,
no mesmo ano, indicou 93% dos paulistanos a favor da mesma medida, são dois
dados reveladores desse atraso.
Para
os/as que são comprometidos com a defesa e promoção dos direitos humanos, sobretudo
dos adolescentes e jovens pobres, o debate sobre a redução da maioridade penal é
simplesmente repugnante.
Mesmo
que juristas de diferentes matizes ideológicos afirmem que a responsabilização
a partir dos 18 anos é cláusula pétrea da Constituição, a Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara - depois de algumas sessões de acirrados
debates - aprovou no dia 31 de março a admissibilidade da PEC, que reduz de 18
para 16 anos a maioridade penal no Brasil.
A
deputada Erika Kokay (PT), às vésperas da votação da PEC, previa: “há uma forte
aliança dos setores conservadores na Câmara. Há tempos tenho alertado sobre a
força dos fundamentalistas da ‘Bancada BBB’: da Bíblia (acrescento eu: da falsa
Bíblia), do Boi e da Bala. Agora, eles estão ainda mais unidos e articulados”. E
Ivan Valente (PSOL) afirma: “com Eduardo Cunha na presidência da Câmara, essa
aliança consolidou-se. Até porque esses grupos ajudaram a elegê-lo” (cf. BBB no
Congresso, Carta Capital, 8 de abril de 2015, p. 22 e 24). Infelizmente, a chamada
Bancada da Bíblia (ou Bancada evangélica), nada tem de bíblico (ou evangélico).
A Câmara
dos Deputados criou uma Comissão Especial para discutir a maioridade penal e -
dos 27 integrantes da Comissão - 20 defenderam publicamente, em diferentes
ocasiões, a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Essa Comissão terá
cerca de três meses para concluir seus trabalhos. Em seguida, a PEC será votada
no plenário da Câmara e, se aprovada, seguirá para o Senado. É muita
hipocrisia!
Nestas
alturas eu pergunto: será que os criminosos e delinquentes são os adolescentes
e jovens ditos infratores ou, antes, os que farisaicamente querem reduzir a
maioridade penal?
Apesar
de inúmeras críticas que faço ao seu Governo, parabenizo a presidenta Dilma
Rousseff por ter se manifestado publicamente contra a redução da maioridade
penal.
“Nas
últimas semanas - diz a presidenta - intensificou-se o debate sobre a redução
da maioridade penal no Brasil, de 18 para 16 anos de idade. Isso seria um
grande retrocesso para o nosso País. Há poucos dias, eu reiterei aqui a minha
posição contrária a esse tipo de iniciativa. E mantenho minha palavra.
Reduzir
a maioridade penal não vai resolver o problema da delinquência juvenil. Isso
não significa dizer que eu seja favorável à impunidade. Menores que tenham
cometido algum tipo de delito precisam se submeter a medidas socioeducativas,
que nos casos mais graves já impõem privação da liberdade. Para isso, o País
tem uma legislação avançada: o Estatuto da Criança e do Adolescente, que sempre
pode ser aperfeiçoado.
Acredito
que é chegada a hora de ampliarmos o debate para alterar a legislação. É
preciso endurecer a lei, mas para punir com mais rigor os adultos que aliciam
menores para o crime organizado.
Eu
já orientei o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a dar início a uma
ampla discussão com representantes das entidades e organizações da sociedade
brasileira para aprimoramento do Estatuto da Criança e do Adolescente. É uma
grande oportunidade para ouvirmos em audiências públicas as vozes do nosso País
durante a realização deste debate.
Mas,
insisto, não podemos permitir a redução da maioridade penal. Lugar de meninos e
meninas é na escola. Chega de impunidade para aqueles que aliciam crianças e
adolescentes para o crime” (Texto publicado no Facebook, no dia 13 deste mês).
Se o
Congresso Nacional estivesse realmente preocupado com os adolescentes e jovens,
o foco do debate não seria a redução da maioridade penal, mas as políticas
públicas, federais, estaduais e municipais, em favor desses adolescentes e
jovens.
Na
realidade não existem - sobretudo nas periferias pobres das grandes cidades -
políticas públicas que levem os adolescentes e jovens a descobrirem o
verdadeiro sentido da vida e a alegria de bem-viver. Em geral, a escola pública
é de péssima qualidade. Fora da escola, os adolescentes e jovens não sabem como
ocupar o tempo. Vem a tentação do dinheiro fácil e eles se envolvem com o mundo
das drogas. Depois de envolvidos, na maioria das vezes, não conseguem mais sair
desse mundo e são cruelmente assassinados.
Entre
os muitos casos que poderia lembrar, cito somente dois. O jovem João (nome
fictício) marcou a hora de se encontrar com Antônio (nome fictício) em frente a
uma Igreja para pagar a dívida das drogas. Chegando ao lugar combinado, a
pessoa que tinha sido contratada para assassiná-lo, rindo falou friamente na
cara dele: “agora é tarde, me deram muito mais do que isso”, e atirou para
matar.
O
jovem Pedro (nome fictício) envolveu-se num pequeno roubo com um grupo de
colegas. Depois de ser preso, ajoelhou-se aos pés do policial e suplicou: “não
me mate, estou me entregando”. O policial falou friamente na cara dele: “as
cadeias estão cheias, mas os cemitérios estão vazios”, e atirou para matar.
Na
sociedade em que vivemos, a barbárie é institucionalizada, os pobres -
sobretudo adolescentes e jovens - são literalmente “descartados”, jogados fora
como “lixo” e, muitas vezes, assassinados.
É
essa realidade que deveria ser assunto de debate no Congresso Nacional. Diante
de situações tão cruéis que vitimam os nossos adolescentes e jovens, o debate
sobre a redução da maioridade penal, permeado de argumentos hipócritas, me dá
nojo.
Investir
recursos nas políticas públicas, em favor dos adolescentes e jovens, deveria
ser uma das principais prioridades do Poder Público, Federal, Estadual e
Municipal. Nessas políticas públicas e nas medidas socioeducativas deve ser praticada
a pedagogia libertadora, na qual os adolescentes e jovens são tratados como sujeitos
e protagonistas de sua própria formação e de sua própria história.
A
pedagogia libertadora do grande filósofo da educação Paulo Freire - mais
valorizado no exterior que no Brasil - deveria ser um guia e, ao mesmo tempo,
uma luz para as políticas públicas e as medidas socioeducativas, em favor dos
adolescentes e jovens. Lutemos para que esse ideal se torne realidade. A
juventude quer viver!
Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral
(Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia,
15 de abril de 2015
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