A Saúde Pública encontra-se em estado de descalabro total. É um caos
generalizado. É uma situação de calamidade, que clama por justiça diante de
Deus. A omissão de socorro por falta de vaga em UTIs é uma realidade de todo
dia. Basta citar, como amostra, algumas manchetes da mídia deste ano de 2015.
“Médicos denunciam
mortes por falta de leitos de UTI” (Piauí). “Centenas morrem à espera de UTI em
hospital público” (Piauí). “Falta de UTI pode ter levado duas pessoas à morte”
(Tocantins). “Falta de remédios e de vagas na UTI no maior hospital de Brasília
pode acarretar mortes” (Distrito Federal). “Família denuncia que paciente
morreu por falta de vaga na UTI do hospital de S. Maria” (Distrito Federal). “DF
é condenado a indenizar mãe que perde filha por falta de vaga em UTI”. “Menino
de 3 anos morre durante espera por vaga de UTI” (Goiás). “Mães dormem no chão
de hospital à espera de UTI para filhos” (Goiás). “Família se revolta com morte
de idoso após esperar dois dias por UTI” (Goiânia - GO). “Casal com queimaduras
viaja 400 km e não recebe atendimento (em UTI)” (Goiânia - GO). “Família culpa
falta de UTI por morte de adolescente” (Itumbiara - GO).
Como exemplo do descalabro na Saúde Pública, destaco
o caso - citado na última manchete - da adolescente Carolyne, de 17 anos. Ela morreu,
no dia 2 de março, no Hospital Municipal de Itumbiara (GO). Após uma crise
epilética, Carolyne caiu de uma escada e sofreu o acidente que a levaria à
morte. Ela precisava com urgência de tratamento intensivo. “Com estado grave de
saúde, o hospital disse que nenhuma das dez vagas da UTI que são oferecidas
para a rede municipal poderia ser usada por Carolyne Alves. Acabou que o
hospital municipal fez pedido para que ela fosse transferida para a rede
pública de Goiânia. Conforme um médico que atendeu a jovem, sua saúde piorou
com a espera. Por fim, acabou falecendo diante de um sistema de saúde injusto e
que permite a morte dos mais pobres e excluídos” (http://www.dm.com.br/cidades/2015/03/familia-culpa-falta-de-uti-por-morte-de-adolescente.html).
A constante falta de vagas em UTI é a
decretação silenciosa da “pena de morte” para muitos trabalhadores, trabalhadoras
e seus familiares, que dependem do SUS para cuidar de sua saúde. É realmente de
ficar profundamente chocados e indignados!
Na Saúde Pública, além do
grave problema da falta de vagas em UTIs, existem muitos outros problemas como
a falta de estrutura física adequada, a falta de material básico para um atendimento
digno, o descaso para com os pacientes, o atendimento precário e, muitas vezes,
a longa demora para consegui-lo.
Cito, como exemplo de desrespeito e de demora
no atendimento, o caso de Antônio (nome fictício), um trabalhador amigo que, depois
de muita luta, conseguiu agendar (sem definir a data) pelo SUS, na Santa Casa
de Misericórdia de Goiânia, uma cirurgia de hérnia, que exigia urgência.
Pediram-lhe que aguardasse a chamada. Periodicamente, o trabalhador voltava à
Santa Casa e cobrava a cirurgia. A resposta era sempre a mesma: aguarde a
chamada. Depois de mais de dois anos de espera, Antônio - indignado com a
situação, com muita dor e já sem condições de trabalhar para sustentar sua
família - brigou com os atendentes da Santa Casa e exigiu (era seu direito) que
fosse marcada a data da cirurgia.
Companheiros e companheiras, pasmem! Na Santa Casa
de Misericórdia nem constava que o trabalhador tivesse agendado - mesmo sem
definir a data - a cirurgia. Que desrespeito! Sorte que Antônio tinha uma pasta
de documentos que mostravam o agendamento e pôde esfregar debaixo do nariz dos
que o atendiam naquele momento. Finalmente, depois dessa novela toda e de muita
briga, o trabalhador conseguiu marcar a data da cirurgia para o início de junho
próximo. Que vergonha!
Em julho de 2011, em outro escrito sobre a saúde
pública, eu perguntava: “quem vai responder judicialmente pelos 62 pacientes
que, num mês (uma média de dois por dia) morreram no Hugo e nos Cais de
Goiânia, enquanto aguardavam uma vaga em UTI?”. Os números podem mudar, mas a
pergunta continua a mesma. (Veja na internet o artigo: “As mortes do Sistema
Público de Saúde: quem vai responder por elas?”)..
A Constituição Federal reconhece e garante que a
saúde é direito de todos e dever do Estado (artigo 196). Mas, “a verdade é que
o direito à saúde não vem sendo cumprido pelo Estado que tem o dever
constitucional de fazê-lo. O tratamento dado à saúde é, portanto,
inconstitucional e precisa ser recuperado” (Ruy Martins Altenfelder Silva. Tratamento
inconstitucional. Folha de S. Paulo, 18/05/15, p. A3). O Estado tem a
obrigação, em caso de urgência e emergência, de internar o paciente em UTI,
mesmo que seja num hospital particular e a pagamento.
Afirmo, com todas as letras, que a responsabilidade
humana, ética e constitucional do crime de omissão de socorro - por falta de
vaga em UTI de hospitais públicos - e de outros crimes contra o direito à saúde
(que é o direito à vida), é do Estado, que deveria ser processado, julgado e
condenado.
Faço um apelo aos advogados, sensíveis à causa da
justiça e dos direitos humanos, para que dediquem algumas horas do seu tempo ao
trabalho de voluntariado e assumam gratuitamente a causa de pessoas (trabalhadores,
trabalhadoras e familiares) que morreram por crime de omissão de socorro em
hospitais públicos, processando o Estado e exigindo uma indenização para as
famílias dos falecidos ou falecidas.
Uma outra saúde pública é possível e necessária! Comunidades,
Sindicatos e Movimentos Populares - unidos, organizados e mobilizados - lutemos
por ela!
Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP)
e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de
Filosofia da UFG
Goiânia, 27 de maio de 2015
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