Neste 3º artigo sobre o 2º Encontro Mundial dos
Movimentos Populares destaco o segundo ponto marcante do Discurso do Papa
Francisco: vocês são semeadores de mudança.
Com simplicidade e ternura de irmão, Francisco diz: “aqui,
na Bolívia, ouvi uma frase de que gosto muito: ‘processo de mudança’. A
mudança concebida não como algo que um dia chegará porque se impôs esta ou
aquela opção política ou porque se estabeleceu esta ou aquela estrutura social.
Sabemos, amargamente, que uma mudança de estruturas que não seja acompanhada
por uma conversão sincera das atitudes e do coração, acaba a longo ou curto
prazo por burocratizar-se, corromper-se e sucumbir”.
Por
isso - continua o Papa - “gosto tanto da imagem do processo, onde a paixão por
semear, por regar serenamente o que outros verão florescer, substitui a
ansiedade de ocupar todos os espaços de poder disponíveis e de ver resultados
imediatos. Cada um de nós é apenas uma parte de um todo complexo e
diversificado interagindo no tempo: povos que lutam por uma afirmação, por um
destino, por viver com dignidade, por ‘viver bem’”. É a sociedade do bem viver
e do bem conviver.
Confiando
nos Movimentos Populares, Francisco declara: “vocês, a partir dos Movimentos Populares,
assumiram as tarefas comuns motivados pelo amor fraterno, que se rebela contra
a injustiça social. Quando olhamos o rosto dos que sofrem, o rosto do camponês
ameaçado, do trabalhador excluído, do indígena oprimido, da família sem teto,
do imigrante perseguido, do jovem desempregado, da criança explorada, da mãe
que perdeu o seu filho num tiroteio porque o bairro foi tomado pelo
narcotráfico, do pai que perdeu a sua filha porque foi sujeita à escravidão;
quando recordamos estes ‘rostos e nomes’, estremecem-nos as entranhas diante de
tanto sofrimento e comovemo-nos…”.
Com
sentimentos de compaixão, ou seja, de partilha da dor dos irmãos e irmãs, o
Papa lembra as razões dessa comoção e afirma: “porque ‘vimos e ouvimos’ não a
fria estatística, mas as feridas da humanidade dolorida, as nossas feridas, a
nossa carne. Isto é muito diferente da teorização abstrata ou da indignação
elegante. Isto comove-nos, move-nos e procuramos o outro para nos movermos
juntos. Esta emoção feita ação comunitária é incompreensível apenas com a
razão: tem um algo mais de sentido que só os povos entendem e que confere a sua
mística particular aos verdadeiros Movimentos Populares”.
Como
irmão e companheiro de caminhada, Francisco reconhece: “vocês vivem, cada dia,
imersos na crueza da tormenta humana. Falaram-me das suas causas, partilharam
comigo as suas lutas. E agradeço-vos. Queridos irmãos, muitas vezes trabalharam
no insignificante, no que aparece ao seu alcance, na realidade injusta que vos
foi imposta e a que não vos resignais, opondo uma resistência ativa ao sistema
idólatra que exclui, degrada e mata”. Reparem as palavras do Papa: “sistema idólatra
que exclui, degrada e mata”. Meditemos!
Com
muito realismo, o Papa diz: “vi vocês trabalharem incansavelmente pela terra e
a agricultura camponesa, pelos vossos territórios e comunidades, pela
dignificação da economia popular, pela integração urbana das vossas favelas e
agrupamentos, pela autoconstrução de moradias e o desenvolvimento das infraestruturas
do bairro e em muitas atividades comunitárias que tendem à reafirmação de algo
tão elementar e inegavelmente necessário como o direito aos ‘3 T’: terra, teto e trabalho”.
E
acrescenta: “este apego ao bairro, à terra, ao território, à profissão, à
corporação, este reconhecer-se no rosto do outro, esta proximidade no
dia-a-dia, com as suas misérias e os seus heroísmos quotidianos, é o que
permite realizar o mandamento do amor, não a partir de ideias ou conceitos, mas
a partir do genuíno encontro entre pessoas, porque não se amam os conceitos nem
as ideias; amam-se as pessoas. A entrega, a verdadeira entrega nasce do amor
pelos homens e mulheres, crianças e idosos, vilarejos e comunidades... Rostos e
nomes que enchem o coração”. Diz ainda
Francisco: “a partir destas sementes de esperança, semeadas
pacientemente nas periferias esquecidas do planeta, destes rebentos de ternura
que lutam por subsistir na escuridão da exclusão, crescerão grandes árvores,
surgirão bosques densos de esperança para oxigenar este mundo”.
E
constata: “vejo, com alegria, que vocês trabalham no que aparece ao vosso
alcance, cuidando dos rebentos; mas, ao mesmo tempo, com uma perspectiva mais
ampla, protegendo o arvoredo. Trabalham numa perspectiva que não só aborda a
realidade setorial, que cada um de vocês representa e na qual felizmente está
enraizado, mas procuram também resolver, na sua raiz, os problemas gerais de pobreza,
desigualdade e exclusão”.
Parabeniza,
pois, os participantes dos Movimentos Populares, mostrando a confiança que tem
em suas lutas: “felicito-vos por isso. É imprescindível que, a par da
reivindicação dos seus legítimos direitos, os povos e as suas organizações
sociais construam uma alternativa humana à globalização da exclusão”. Com
profunda convicção, ele reconhece: “vocês são semeadores de mudança”.
Por
fim, o Papa faz uma oração: “que Deus vos dê coragem, alegria, perseverança e
paixão para continuarem a semear. Podem ter a certeza de que, mais cedo ou mais
tarde, vamos ver os frutos”. Dirigindo-se, pois, às lideranças, ele pede: “sejam
criativos e nunca percam o apego às coisas próximas, porque o pai da mentira
sabe usurpar palavras nobres, promover modas intelectuais e adotar posições ideológicas,
mas se vocês construírem sobre bases sólidas, sobre as necessidades reais e a
experiência viva dos seus irmãos, dos camponeses e indígenas, dos trabalhadores
excluídos e famílias marginalizadas, com certeza não se equivocarão”.
Francisco
conclui dizendo: “a Igreja não pode nem deve ser alheia a este processo no
anúncio do Evangelho. Muitos sacerdotes e agentes pastorais realizam uma tarefa
imensa acompanhando e promovendo os excluídos em todo o mundo, ao lado de
cooperativas, dando impulso a empreendimentos, construindo casas, trabalhando
abnegadamente nas áreas da saúde, esporte e educação. Estou convencido de que a
cooperação amistosa com os Movimentos Populares pode robustecer estes esforços
e fortalecer os processos de mudança”. Será que nós, cristãos e cristãs,
estamos convencidos e convencidas disso?
E faz
mais um pedido: “no coração, tenhamos sempre a Virgem Maria, uma jovem humilde
duma pequena aldeia perdida na periferia dum grande império, uma mãe sem teto,
que soube transformar um curral de animais na casa de Jesus com uns pobres
paninhos e uma montanha de ternura. Maria é sinal de esperança para os
povos que sofrem dores de parto até que brote a justiça. Rezo à Virgem do
Carmo, padroeira da Bolívia, para fazer com que este nosso Encontro (reparem: este
“nosso” Encontro) seja fermento de mudança”. É o que todos e todas nós
desejamos!
Fr Marcos Sassatelli, Frade
dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em
Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de
Filosofia da UFG
Goiânia, 19 de agosto de 2015
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