A
“Carta de Santa Cruz”, do 2º EMMP (juntamente com a “Carta dos
Excluídos aos Excluídos”, do 1º EMMP - Roma, 27-29/10/14)
servirá de base para o trabalho dos Movimentos Populares em seus
respectivos países. Como a do primeiro Encontro, a Carta está em
plena sintonia com o Discurso do Papa Francisco e é também uma
fonte inspiradora para as Pastorais Sociais e Ambientais da Igreja,
hoje.
Pretendo
agora, com alguns comentários e questionamentos, destacar os 10
pontos da Carta, que inicia dizendo: “As organizações sociais
reunidas no Segundo Encontro Mundial dos Movimentos Populares, em
Santa Cruz de la Sierra, Bolívia, durante os dias 7, 8 e 9 de julho
de 2015, concordamos com o Papa Francisco em que as problemáticas
social e ambiental emergem como duas faces da mesma moeda. Um sistema
incapaz de garantir terra, teto e trabalho para todos, que mina a paz
entre as pessoas e ameaça a própria subsistência da Mãe Terra,
não pode seguir regendo o destino do planeta”.
Quanta
clareza e quanta firmeza nas palavras dos participantes do 2º EMMP!
Eles sentem-se fortalecidos com a proximidade, a solidariedade e o
apoio do Papa Francisco, que é hoje o grande animador e incentivador
das lutas dos Movimentos Populares. E nós? E as Pastorais Sociais e
Ambientais da nossa Igreja? Não podemos ser omissos ou indiferentes
diante do testemunho do nosso irmão Francisco. É um sinal dos
tempos. É - como já disse - uma “revolução evangélica”.
A
Carta aponta o caminho da mudança: “Devemos superar um modelo
social, político, econômico e cultural onde o mercado e o dinheiro
se converteram nos reguladores das relações humanas em todos os
níveis”.
E
acrescenta: “Nosso grito, o grito dos mais excluídos e
marginalizados, obriga que os poderosos compreendam que não se pode
seguir dessa forma. Os pobres do mundo se levantaram contra a
exclusão social que sofrem cotidianamente. Não queremos explorar,
nem ser explorados. Não queremos excluir, nem ser excluídos.
Queremos construir um modo de vida no qual a dignidade esteja acima
de todas as coisas”.
Para
alcançar esse objetivo, os participantes do Encontro assumem os
seguintes compromissos, que são um programa de luta e de vida:
-
“Impulsionar e aprofundar o processo de mudança. Reafirmamos nosso compromisso com os processos de transformação e libertação como resultado da ação dos povos organizados, que a partir de suas memórias coletivas tomam a história em suas mãos e decidem transformá-la, para dar vida às esperanças e às utopias que nos convocam a revolucionar as estruturas mais profundas de opressão, dominação, colonização e exploração”.
Será que nós - como cidadãos e cidadãs,
cristãos e cristãs - estamos convencidos que “os processos de
transformação e libertação” são o “resultado da ação dos
povos organizados”, que “tomam a história em suas mãos e
decidem transformá-la”? Será que queremos realmente “dar vida
às esperanças e às utopias que nos convocam a revolucionar as
estruturas mais profundas de opressão, dominação, colonização e
exploração”? Meditemos!
-
“Bem viver, em harmonia com a Mãe Terra. Seguiremos lutando para defender e proteger a Mãe Terra, promovendo a ‘ecologia integral’ de que fala o papa Francisco. Somos fiéis à filosofia ancestral do ‘bem viver’, nova ordem de vida que propõe harmonia e equilíbrio nas relações entre os seres humanos e entre estes e a natureza. A terra não nos pertence, nós pertencemos à terra. Devemos dela cuidar e trabalhá-la em benefício de todos. Queremos leis ambientais em todos os países em função do cuidado dos bens comuns. Exigimos a reparação histórica e um marco jurídico que resguarde os direitos dos povos indígenas em nível nacional e internacional, promovendo um diálogo sincero a fim de superar os diversos e múltiplos conflitos que atravessam os povos indígenas, originários, camponeses e afrodescendentes”.
Que determinação e que
profundidade humana encontramos nas palavras dos participantes do
Encontro! Que nível de consciência ecológica e que senso de
responsabilidade! É um testemunho de vida para todos e todas nós! É
um motivo de muita esperança!
-
“Defender o trabalho digno. Comprometemo-nos a lutar na defesa do trabalho como direito humano. Pela criação de fontes de trabalho digno, pelo desenho e implementação de políticas que restituam todos os direitos trabalhistas eliminados pelo capitalismo neoliberal, tais como os sistemas de seguridade social, a aposentadoria e o direito de sindicalização. Rechaçamos a precarização, a terceirização e buscamos que se supere a informalidade através da inclusão, nunca com perseguição ou repressão. Levantamos também a causa dos migrantes, deslocados e refugiados. Instamos aos governos dos países ricos a que derroguem todas as normas que promovem tratamento discriminatório contra eles e que estabeleçam formas de regulação que eliminem o trabalho escravo, o tráfico de pessoas e a exploração infantil. Impulsionaremos formas alternativas de economia, tanto em áreas urbanas como em zonas rurais. Queremos uma economia popular e social comunitária que resguarde a vida das comunidades e na qual prevaleça a solidariedade acima do lucro. Para isso é necessário que os governos fortaleçam os esforços que emergem das bases sociais”.
Esses compromissos - e os outros da “Carta
de Santa Cruz” - são o caminho que faz acontecer a mudança. Ah,
se os nossos políticos e governantes seguissem esse caminho! Reparem
a clareza e a força da expressão: “Queremos uma economia popular
e social comunitária que resguarde a vida das comunidades e na qual
prevaleça a solidariedade acima do lucro”! Lutemos para que essa
economia se torne realidade! Vamos eleger, com urgência, políticos
e governantes que estejam realmente comprometidos com esse projeto!
(Continua no próximo artigo).
Fr
Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor
em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor
aposentado de Filosofia da UFG
E-mail:
mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia,
18 de novembro de 2015
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