Neste
artigo dou continuidade à apresentação das propostas (são 10) da Carta do 2º Encontro
Mundial dos Movimentos Populares (2º EMMP) aos prefeitos, que Francisco fez
sua. Como já disse na 1ª parte, elas são tão claras que não precisam de
explicações, mas de serem colocadas em prática. Chegamos à quarta proposta.
4.
“Hospitalidade
com imigrantes e refugiados
Pretender combater o tráfico e adotar uma política
de desprezo aos migrantes é uma grande hipocrisia. Os traficantes de pessoas se
nutrem da xenofobia institucional de alguns Estados. As cidades que pretendam
erradicar o trabalho escravo devem receber com amor os migrantes, prover-lhes
documentação, oportunidades de trabalho e direitos plenos.
Propomos a
regularização migratória de todos. Nenhuma pessoa é ilegal. Ser migrante não é
um crime. Criminosas são as causas que os obrigam a migrar.
5. Transporte público digno e ecológico
A utilização individualista do automóvel destrói a
convivência e o meio ambiente: deve ser restringida. A alternativa pública
costuma ser uma verdadeira tortura.
Propomos a
utilização de ciclovias, fortes investimentos em metrô, trens e formas de
transporte coletivo, integrando o transporte informal. Reivindicamos sua gratuidade ou tarifas
sociais diferenciadas.
6. Dignificar o setor informal
Perseguir os vendedores, artesãos, feirantes,
recicladores, etc. é roubar o pão dos pobres. Hoje a economia popular emprega
1500 milhões de excluídos. O espaço público é seu principal meio de produção:
tirá-lo deles é lançá-los à desesperança e isso implica em violência. A
penalização dessas atividades só favorece organizações criminosas, porque estas
assim as monopolizam em cumplicidade com as polícias.
Propomos institucionalizar
a economia popular. Criar, com participação popular, regulamentos inclusivos do
espaço público que garantam a convivência harmônica e o trabalho digno para
nossos companheiros. Fomentar as
empresas recuperadas e os polos produtivos populares como alternativa ao trabalho
escravo. Os bens de falências e os ativos confiscados em processos judiciais
devem ser socialmente reutilizados para criar trabalho. As compras públicas deveriam
potencializar a economia popular, não o capitalismo de amigos.
7. Ecologia integral e popular
Os catadores são os maiores recicladores do mundo,
mas em muitas cidades são perseguidos. Em outras, sua luta tem conquistado
sistemas de reciclagem mistos que lhes conferem condições de trabalho dignas.
Propomos multiplicar
e aprofundar as políticas de reciclagem com inclusão. A gestão de resíduos não
deve ser um eco-negócio, mas sim uma oportunidade para incluir os recicladores
e criar milhões de cooperativas verdes. Sem catadores não há lixo! Eles
demonstram que uma verdadeira proposta ecológica se converte sempre em proposta
social.
8. Integração campo-cidade
Nos municípios rurais deve-se favorecer a
agricultura camponesa, indígena e agroecológica. Lembremos - como diz o Papa
Francisco - que a reforma agrária é uma obrigação moral. Os problemas da cidade
nunca se resolverão se a expulsão de camponeses continua.
O tráfico de pessoas também se alimenta do
desenraizamento rural. Para cada desenraizado, há um novo pobre urbano e
possivelmente novo explorado. Os alimentos que produzimos podem contribuir a
uma dieta saudável para as crianças das cidades, mal nutridas por escassez ou
pela má alimentação.
Propomos redes
de distribuição e compras públicas para garantir renda aos camponeses e levar,
sem intermediários, alimentos de qualidade às periferias urbanas.
9. Cultura popular ecológica
Devemos frear o consumismo, o machismo e a
objetificação da mulher, que são promovidos pelos meios de comunicação,
fomentando o tráfico de mulheres. A cultura popular é o melhor antídoto.
Propomos: apoiar
os meios de comunicação populares, rádios, televisões e revistas comunitárias,
que expressam uma cultura solidária. Proteger os espaços culturais autogeridos,
que se desenvolvem em prédios abandonados e correm o risco de serem despejados.
Fechar ruas centrais para espaços de arte popular (domingos e feriados).
10. Os únicos privilegiados dever ser crianças e idosos
Como destacou o Papa, falar em crianças de rua é um
eufemismo criminoso: são crianças abandonadas! Os jovens pobres, ao invés de
amados, são vistos como perigosos e se tornam vítimas do gatilho fácil. Quanto
aos idosos, estes são deixados para que morram.
Propomos garantir
espaços comunitários de contenção e criar milhões de postos de trabalho para o
cuidado de crianças e idosos. Também, criar creches nas periferias urbanas,
como reivindicam as mulheres trabalhadoras. Nenhuma criança sem infância, nenhum
jovem sem oportunidades, nenhum idoso sem uma velhice venerável!”.
A Carta
termina, pois, com um pedido, que é um caloroso apelo: “Estimados prefeitos.
Mais além das propostas que esperamos que analisem, pedimos a vocês vocação de
serviço, coragem e comprometimento orçamentário com os excluídos. Lembrem-se:
Sem exclusão não há tráfico de pessoas! Também lhes rogamos que leiam a nossa Carta de Santa Cruz e o Discurso do Papa perante
os Movimentos Populares. Muito obrigado!”.
Reparem o
que os Movimentos Populares pedem aos prefeitos: “vocação de serviço, coragem e
comprometimento orçamentário com os excluídos”. Ah, se os nossos prefeitos
fossem realmente imbuídos dessas três qualidades! Como as nossas cidades seriam
diferentes!
A Carta retrata
muito bem a situação desumana na qual a maioria do nosso povo vive, sobretudo
nas grandes cidades. Nas suas propostas, ela aponta o caminho de uma verdadeira
mudança de estruturas.
A Carta,
pela sua profundidade humana e evangélica, deveria ser pauta de reivindicações aos
prefeitos, da parte das Pastorais Sociais e Ambientais da Igreja e de todos/as
nós, cidadãos e cidadãs, cristãos e cristãs.
Tendo
presente a realidade de cada país ou região e adaptando-a a essa realidade, a
Carta vale para os prefeitos do mundo inteiro. Hoje, os grandes problemas
sociais e ambientais - mesmo que repercutam de maneira diferente nos diversos
países ou regiões do planeta - tornam-se cada vez mais mundiais e precisam ser
enfrentados local e globalmente.
Enfim, a
Carta deveria ser livro de cabeceira dos prefeitos de todas as cidades e municípios
do mundo, grandes ou pequenos.
Companheiros
e companheiras, irmãos e irmãs, deixemos de ser indiferentes, saiamos do nosso comodismo
e vamos à luta! Feliz Natal a todos e a
todas!
Fr Marcos Sassatelli, Frade
dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em
Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de
Filosofia da UFG
Goiânia, 16 de
dezembro de 2015
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