quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

CFE 2016: Casa comum, nossa responsabilidade


            A Campanha da Fraternidade Ecumênica 2016 (CFE 2016) - que é a quarta - tem como tema: “Casa comum, nossa responsabilidade”, e como lema: “Quero ver o direito brotar como fonte e correr a justiça qual riacho que não seca” (Am 5,24).
As outras três Campanhas Ecumênicas tiveram os seguintes temas e lemas:
Ano 2000: tema: “Dignidade Humana e paz”; lema: “Novo Milênio sem exclusões”.
Ano 2005: tema: “Solidariedade e Paz”; lema: “Felizes os que promovem a Paz”.
Ano 2010: tema: “Economia e Vida”; lema: “Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro”.
As Campanhas da Fraternidade Ecumênicas são promovidas pelas Igrejas que integram o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil - CONIC (Igreja Católica Apostólica Romana, Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, Igreja Presbiteriana Unida do Brasil, Igreja Sirian Ortodoxa de Antioquia), mas estão sempre abertas à participação e colaboração de outras Igrejas ou Entidades religiosas.
A Campanha deste ano tem também a participação e colaboração da Aliança de Batistas do Brasil, da Visão Mundial, do Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular (CESEP) e - transpondo as fronteiras nacionais - da Misereor, entidade da Igreja Católica da Alemanha que trabalha na cooperação para o desenvolvimento na Ásia, África e América Latina.
No centro da vivência ecumênica está a fé em Jesus Cristo, que supera todo tipo de competição e de proselitismo. “O movimento ecumênico está marcado pela ação e pelo desafio de construir uma Casa Comum (oikoumene) justa, sustentável e habitável para todos os seres vivos. Essa luta é profética, que questiona as estruturas que causam e legitimam vários tipos de exclusão: econômica, ambiental, social, racial e étnica” (Texto-Base, 4).
            O Objetivo geral da CFE 2016 é: “assegurar o direito ao saneamento básico para todas as pessoas e empenharmo-nos, à luz da fé, por políticas públicas e atitudes responsáveis que garantam a integridade e o futuro de nossa Casa Comum”.
            Os Objetivos específicos são:

            1.    “Unir Igrejas, diferentes expressões religiosas e pessoas de boa vontade na promoção da justiça e do direito ao saneamento básico; 
            2.    Estimular o conhecimento da realidade local em relação aos serviços de saneamento básico; 
            3.    Incentivar o consumo responsável dos dons da natureza, principalmente da água; 
            4.    Apoiar e incentivar os municípios para que elaborem e executem o seu Plano de Saneamento Básico; 
            5.    Acompanhar a elaboração e a excussão dos Planos Municipais de Saneamento Básico; 
            6.    Desenvolver a consciência de que políticas públicas na área de saneamento básico apenas tornar-se-ão realidade pelo trabalho e esforço conjunto; 
            7.    Denunciar a privatização dos serviços de saneamento básico, pois eles devem ser política pública como obrigação do Estado; 
            8.    Desenvolver a compreensão da relação entre ecumenismo, fidelidade à proposta cristã e envolvimento com as necessidades humanas básicas” (26). 

Os Objetivos, geral e específicos, da CFE 2016 apontam - para todos e todas nós, cidadãos e cidadãs, cristãos e cristãs - caminhos para um plano de ação.
A CFE 2016 chama a nossa atenção para a questão do saneamento básico e sua importância para a saúde integral e qualidade de vida de todos e de todas. “O saneamento básico é um direito humano fundamental e, como todos os outros direitos, requer a união de esforços entre sociedade civil e poder público no planejamento e na prestação de serviços e de cuidados” (171).
“O abastecimento de água potável, o esgoto sanitário, a limpeza urbana, o manejo de resíduos sólidos, o controle de meios transmissores de doenças e a drenagem de águas pluviais são medidas necessárias para que todas as pessoas possam ter saúde e vida dignas”. E é por isso que a “justiça ambiental” é parte integrante da “justiça social” (20 e 21).  
Alguns dados apresentados no Texto-Base da CFE 2016 nos questionam, nos fazem refletir e nos obrigam em consciência a tomar decisões concretas. “Estudos estimam que morre uma criança a cada 2,5 minutos por não ter acesso a água potável, por falta de redes de esgoto e por falta de higiene” (37). “Os últimos dados do SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento Básico - base 2013) mostram que pouco mais de 82% da população brasileira têm acesso à água tratada. Mais de 100 milhões de pessoas no país ainda não possuem coleta de esgotos e apenas 39% destes esgotos são tratados, sendo despejados diariamente o equivalente a mais de 5 mil piscinas olímpicas de esgoto sem tratamento na natureza” (40). “No mundo, um bilhão de pessoas fazem suas necessidades a céu aberto.
Mais de 4.000 crianças morrem por ano por falta de acesso a água potável e ao saneamento básico. Na América Latina, as pessoas têm mais acesso aos celulares que aos banheiros. 120 milhões de latino-americanos não têm acesso aos banheiros. O Brasil está entre os 20 países do mundo nos quais as pessoas têm menos acesso aos banheiros” (46).
As Campanhas da Fraternidade Ecumênicas “fortalecem os espaços de convivência entre as diferentes Igrejas. O diálogo e o trabalho conjunto em favor do bem comum são testemunhos importantes que podemos oferecer para a sociedade” (163). A CFE 2016 nos faz uma proposta concreta: “cuidar da Casa Comum que Deus nos deu e fazer dela um lugar saudável, no qual a fraternidade e a justiça corram como rios de água viva. Que Deus nos ajude a viver com alegria e responsabilidade essa bonita missão!” (195).
A Quaresma é um tempo propício para mudar de vida e entrar em ação, transformando o mundo do jeito que Deus quer. Mãos à obra!
Leia o Texto-Base da CFE 2016.


Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
                                                                                                                                                                     Goiânia, 10 de fevereiro de 2016

Declaração conjunta dos Prefeitos e do Papa (2ª parte)

Escravidão moderna e mudanças climáticas:

o compromisso das cidades e de seus prefeitos”


Como vimos na 1ª parte da Declaração, os prefeitos, em primeiro lugar, reconhecem a realidade da escravidão moderna e das mudanças climáticas; em segundo lugar, sabem que o ser humano tem hoje a possibilidade de mudar essa realidade; e, em terceiro lugar lembram a responsabilidade dos políticos a esse respeito. Dando continuidade, apresento neste artigo a 2ª parte da Declaração.
Em quarto lugar, os prefeitos dizem o que precisa ser feito com urgência. “Para reverter as mudanças climáticas antrópicas, será necessária uma rápida transformação que faça do nosso habitat um mundo impulsionado por energias de baixo carbono - entre elas as renováveis - e fundado na gestão sustentável dos ecossistemas. Tais transformações deverão ser realizadas no marco dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que, concordados em nível mundial, terão como objetivo pôr fim à pobreza extrema, garantir o acesso universal à saúde, à educação de qualidade, à água potável e à energia sustentável; e fomentar a cooperação para erradicar o tráfico de pessoas e todas as formas modernas de escravidão”.
Em quinto lugar, os prefeitos tornam públicos os compromissos que pretendem assumir. “Como prefeitos, comprometemo-nos a reforçar em nossas cidades e assentamentos urbanos a capacidade de persistência dos pobres e daqueles que estão em situação de vulnerabilidade, e reduzir a sua exposição aos eventos extremos relacionados com o clima e outros impactos e catástrofes econômicas, sociais e ambientais, que fomentam o tráfico de pessoas e os riscos da migração forçada. Comprometemo-nos, outrossim, a acabar com o abuso, a exploração, o tráfico de pessoas e todas as formas de escravidão moderna, que são crimes de lesa humanidade, incluindo o trabalho forçado e a prostituição, o tráfico de órgãos e a escravidão doméstica. Comprometemo-nos também a desenvolver programas nacionais de reassentamento e reintegração que evitem a repatriação involuntária das pessoas vítimas de tráfico (cf. a revisão dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, n. 16.2, realizada pela PASS).
Em sexto e último lugar, os prefeitos exprimem um desejo. “Queremos que as nossas cidades e assentamentos urbanos sejam cada vez mais socialmente inclusivos, seguros, persistentes e sustentáveis (cf. Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, n. 11). Todos os setores e todas as partes interessadas deverão desempenhar o papel que lhes corresponde: esse é um compromisso a que cada um de nós se soma plenamente, seja como prefeitos, seja como pessoas”.
Companheiros e companheiras de caminhada, irmãos e irmãs, que Declaração bonita! Que maravilha de compromissos! Ah, se todos os prefeitos (e todos os governantes e políticos) levassem a sério essa Declaração e a colocassem em prática! Cabe aos Movimentos Populares, às Pastorais Sociais e Ambientais e a todos/as nós, que queremos um outro mundo possível, cobrar isso deles. É um grande sinal de esperança! Vamos à luta!
          As assinaturas originais dos prefeitos do mundo inteiro (incluindo os prefeitos brasileiros de São PauloRio de JaneiroBelo HorizonteSalvadorCuritibaPorto Alegre e Goiânia), presentes no Encontro, podem ser conferidas no texto da Declaração disponibilizada pela Santa Sé, em: http://www.pass.va/content/dam/scienzesociali/booklet/declaration21july2015.pdf.
O Papa Francisco subscreveu a Declaração e, junto com sua assinatura, deixou - como um irmão confiante - a seguinte mensagem: "Agradeço esta Declaração. Desejo que faça muito bem".



Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 03 de fevereiro de 2016

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Declaração conjunta dos Prefeitos e do Papa (1ª parte)

 
 

Escravidão moderna e mudanças climáticas:
o compromisso das cidades e de seus prefeitos”

A Declaração conjunta do Encontro de cerca de cem prefeitos das maiores cidades do mundo com o Papa Francisco - realizado no Vaticano nos dias 21 e 22 de julho de 2015 - começa dizendo: “Nós, abaixo-assinados, nos reunimos aqui, naAcademia Pontifícia das Ciências e naAcademia Pontifícia das Ciências Sociais, com o objetivo de abordar duas dramáticas emergências correlacionadas: as mudanças climáticas induzidas pelo ser humano e a exclusão social nas formas extremas de radical pobreza, da escravidão moderna e do tráfico de pessoas”.
E ainda: “Chegamos até aqui de diversos âmbitos e diferentes culturas e, assim, somos o fiel reflexo do desejo, compartilhado por toda a humanidade, de paz, felicidade, prosperidade, justiça e sustentabilidade ambiental. Seguindo o que afirma a encíclica ‘Laudato si', consideramos a esmagadora evidência científica que confirma a existência de uma mudança climática provocada pelo ser humano, assim como a perda de biodiversidade e a vulnerabilidade dos mais pobres aos desastres econômicos, sociais e ambientais”.
Diante das urgências representadas “pelas mudanças climáticas antropogênicas, a exclusão social e a pobreza extrema”, os prefeitos - como fruto de consenso - fazem as declarações que se seguem.
Em primeiro lugar, eles reconhecem a realidade. “As mudanças climáticas antropogênicas são uma realidade cientificamente comprovada, e o seu controle efetivo é um imperativo moral que atinge toda a humanidade. Neste fundamental espaço moral, as cidades de todo o planeta cumprem um papel-chave. Todas as nossas tradições culturais afirmam a inerente dignidade e a responsabilidade social de cada indivíduo em sua relação com o bem comum de toda a humanidade. Elas proclamam a beleza e a maravilha do mundo natural, assim como a sua inerente bondade, e a valorizam como um dom precioso que foi confiado ao nosso cuidado comum; por isso, é nosso dever moral respeitar, e nunca devastar, este jardim que é a nossa ‘casa comum’. Os pobres e os excluídos, embora participem minimamente na disrupção do clima, estão expostos a temíveis ameaças por causa de perturbações climáticas antropogênicas, tais como a maior frequência de secas, tempestades extremas, ondas de calor e o aumento incessante do nível do mar”.
Em segundo lugar, os prefeitos sabem que o ser humano tem hoje a possibilidade de mudar a realidade. “Hoje, a humanidade conta com os instrumentos tecnológicos, os meios financeiros e o conhecimento adequado para reverter as mudanças climáticas antrópicas, pondo fim, ao mesmo tempo, à pobreza extrema, mediante a aplicação de soluções relativas ao desenvolvimento sustentável, tais como a adoção de sistemas de baixo carbono, com o respaldo das tecnologias da informação e da comunicação. O financiamento das iniciativas em prol do desenvolvimento sustentável, tais como as destinadas a manter um efetivo controle das mudanças climáticas antropogênicas, deve ser impulsionado por incentivos que ajudem na transição para energias de baixo carbono e renováveis, e deve incorporar a busca incansável da paz, o que permitirá que os orçamentos dos governos passem a priorizar os investimentos na sustentabilidade, que tanto fazem falta, em detrimento dos gastos bélicos. O mundo deve saber que a cúpula sobre as mudanças climáticas (COP 21, realizada em Paris no fim de 2015) pode ser a última oportunidade efetiva de negociar acordos para manter o aquecimento antropogênico abaixo dos 2ºC e para apontar, para uma maior segurança, a que se mantenha o clima do planeta bem abaixo desse limiar. No entanto, se continuar a trajetória atual, a humanidade poderia facilmente alcançar a devastadora cifra de 4ºC ou mais”.
Em terceiro lugar, os prefeitos lembram a responsabilidade dos políticos. “Os líderes políticos de todos os Estados-membros daONU têm a especial responsabilidade de concordar, no marco daCOP 21, um ousado acordo em prol do clima que limite o aquecimento do planeta a um nível seguro para a humanidade e que proteja os mais pobres e vulneráveis das mudanças climáticas ininterruptas que colocam as suas vidas em grave perigo. Tal como prometeram, os países com altos níveis de renda devem ajudar a financiar os custos da mitigação das mudanças climáticas nas nações mais necessitadas”.
A Declaração nos convida a uma profunda reflexão!
(Continua no próximo artigo).

 
Fr Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 27 de janeiro de 2016