Na Exortação apostólica pós-sinodal
sobre o amor na família “A Alegria do Amor” (“Amoris Laetitia”
- AL) - datada de 19 de março (Solenidade de S. José) e divulgada
no dia 8 deste mês de abril - o Papa Francisco recolhe os resultados
de dois Sínodos sobre a família (outubro de 2014 e outubro de
2015), além de outras valiosas contribuições.
O
que caracteriza a Exortação é sua profundidade humana e sua
abordagem libertadora. De um lado, Francisco apresenta com clareza e
simplicidade de irmão o projeto de matrimônio e família de Jesus
de Nazaré como um ideal de vida que liberta, humaniza e leva à
felicidade: uma meta a ser perseguida. De outro lado, o Papa, com
muita sensibilidade e ternura, sabe compreender e respeitar os casais
e as famílias nas diferentes situações concretas em que se
encontram, com seus limites, seus problemas e suas dificuldades. Sabe
enxergar e valorizar os aspectos positivos que existem em todas as
situações matrimoniais e familiares como sinais da graça e da
presença de Deus.
A
meu ver, a Teologia Moral e Pastoral que perpassa toda a Exortação
é a da Libertação, que é uma Teologia radicalmente humana e, por
isso, cristã (evangélica). De fato, ser cristão ou cristã é ser
radicalmente humano ou humana. Nunca alguém é humano ou humana
demais. Mas como o ser humano faz parte do mundo e é mundo, faz
parte da natureza e é natureza, podemos dizer que o cristianismo é
um humanismo radical natural e, ao mesmo tempo, um naturalismo
radical humano.
Tendo
consciência da historicidade do ser humano, o critério que sempre
guiou as minhas reflexões sobre Ética filosófica (Ética à luz da
razão) e Ética teológica (Ética à luz da razão iluminada pela
Fé) foi esse: é ético (ou moral) o comportamento mais humano
possível numa determinada situação concreta.
Constato
agora com alegria que é justamente esse o critério que guiou o Papa
Francisco na elaboração da Exortação apostólica pós-sinodal: “A
Alegria do Amor”
Para
o Papa Francisco a Ética (ou a Moral) matrimonial e familiar é uma
Ética que - à luz da Palavra de Deus - parte da situação concreta
em que se encontram os casais e as famílias. É o próprio Francisco
que diz isso fazendo um resumo da Exortação.
“No desenvolvimento do texto, começarei
por uma abertura inspirada na Sagrada Escritura, que lhe dê o tom
adequado. A partir disso, considerarei a situação atual das
famílias, para manter os pés assentes na terra. Depois lembrarei
alguns elementos essenciais da doutrina da Igreja sobre o matrimônio
e a família, seguindo-se os dois capítulos centrais, dedicados ao
amor. Em seguida destacarei alguns caminhos pastorais que nos levem a
construir famílias sólidas e fecundas segundo o plano de Deus, e
dedicarei um capítulo à educação dos filhos. Depois deter-me-ei
sobre um convite à misericórdia e ao discernimento pastoral perante
situações que não correspondem plenamente ao que o Senhor nos
propõe; e, finalmente, traçarei breves linhas de espiritualidade
familiar” (AL, 6).
E ainda: “Quero reiterar que nem todas as
discussões doutrinais, morais ou pastorais devem ser resolvidas
através de intervenções magisteriais. Naturalmente, na Igreja, é
necessária uma unidade de doutrina e práxis, mas isto não impede
que existam maneiras diferentes de interpretar alguns aspectos da
doutrina ou algumas consequências que decorrem dela. Assim há de
acontecer até que o Espírito nos conduza à verdade completa (cf.
Jo 16,13), isto é, quando nos introduzir perfeitamente no mistério
de Cristo e pudermos ver tudo com o seu olhar. Além disso, em cada
país ou região, é possível buscar soluções mais inculturadas,
atentas às tradições e aos desafios locais. De fato, ‘as
culturas são muito diferentes entre si e cada princípio geral
(...), se quiser ser observado e aplicado, precisa ser inculturado’”
(AL, 3)
Refletindo sobre a vida matrimonial e
familiar, precisamos sempre ter presente o critério da gradualidade.
“Durante muito tempo - afirma Francisco - pensamos que, com a
simples insistência em questões doutrinais, bioéticas e morais,
sem motivar a abertura à graça, já apoiávamos suficientemente as
famílias, consolidávamos o vínculo dos esposos e enchíamos de
sentido as suas vidas compartilhadas. Temos dificuldade em apresentar
o matrimónio mais como um caminho dinâmico de crescimento e
realização do que como um fardo a carregar a vida inteira. Também
nos custa deixar espaço à consciência dos fiéis, que muitas vezes
respondem o melhor que podem ao Evangelho no meio dos seus limites e
são capazes de realizar o seu próprio discernimento perante
situações onde se rompem todos os esquemas. Somos chamados a formar
as consciências, não a pretender substituí-las” (AL, 37).
O Papa continua dizendo: “No mundo atual
aprecia-se também o testemunho dos cônjuges que não se limitam a
perdurar no tempo, mas continuam a sustentar um projeto comum e
conservam o afeto. Isto abre a porta a uma pastoral positiva,
acolhedora, que torna possível um aprofundamento gradual das
exigências do Evangelho. No entanto, muitas vezes agimos na
defensiva e gastamos as energias pastorais multiplicando os ataques
ao mundo decadente, com pouca capacidade de propor e indicar caminhos
de felicidade. Muitos não sentem a mensagem da Igreja sobre o
matrimónio e a família como um reflexo claro da pregação e das
atitudes de Jesus, o qual, ao mesmo tempo que propunha um ideal
exigente, não perdia jamais a proximidade compassiva às pessoas
frágeis como a samaritana ou a mulher adúltera” (AL, 38).
Na Exortação apostólica pós-sinodal,
Francisco aplica à realidade do matrimônio e da família o
ensinamento do Concílio Vaticano II: "O mistério do ser humano
só se torna claro verdadeiramente no mistério do Verbo encarnado.
(…) Cristo manifesta plenamente o ser humano ao próprio ser humano
e lhe descobre a sua altíssima vocação" (A Igreja no mundo de
hoje - GS, 22). “O pecado diminui o ser humano, impedindo-o de
atingir a sua plena realização” (GS, 13). "Todo aquele que
segue Cristo, o Homem perfeito, torna-se ele também mais ser humano"
(GS, 41). "A fé esclarece todas as coisas com luz nova.
Manifesta o plano divino sobre a vocação integral do ser humano. E
por isso orienta a mente para soluções plenamente humanas"
(GS, 11). Meditemos!
Oportunamente voltarei sobre o assunto,
aprofundando os pontos principais da Exortação apostólica
pós-sinodal: “A Alegria do Amor”.
Fr.
Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor
em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor
aposentado de Filosofia da UFG
E-mail:
mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia,
13 de abril de 2016
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