Uma pesquisa, realizada pelo Núcleo de
Estudos Sobre Criminalidade e Violência da Universidade Federal de
Goiás (Necrivi-UFG), com apoio da Secretaria Municipal de
Assistência Social (Semas), aponta que 61 moradores de rua foram
mortos nos últimos três anos em Goiânia (entre agosto de 2012 e
maio de 2015). O estudo destaca que esse número "é alarmante"
quando comparado ao total de 351 pessoas que viviam nas ruas da
capital no ano passado.
De acordo com o sociólogo e professor da
UFG Djaci David de Oliveira, coordenador da pesquisa, os dados são
preocupantes. “Eles mostram que a sociedade goiana está achando
uma maneira bem perversa de resolver a questão, pois o número de
mortes de moradores de rua é muito alto. E de maio do ano passado
para cá, já ocorreram mais assassinatos, ou seja, a situação
precisa ser analisada com atenção”.
Entre os 351 moradores de rua que foram
entrevistados pelos pesquisadores, “298 eram adultos, 22 idosos, 21
crianças e 10 adolescentes. Deste total, 80,6% são homens, com
idade média de 39,5 anos de idade, sendo que o mais novo tinha idade
inferior a 1 ano e o mais velho, 98”.
Em sua maioria, “se declararam como
não-brancos, solteiros e com escolaridade que não passa do ensino
médio. Apesar de obter o número de mortes, os pesquisadores ainda
analisam as idades e tentam traçar um perfil mais detalhado das
vítimas”.
Djaci explica que “muitos foram
enterrados como indigentes e fica difícil esse levantamento. Além
disso, o universo de mortes pode ser ainda maior, já que existem
mais de 100 corpos sem identificação no IML [Instituto Médico
Legal]”.
Segundo o pesquisador, o principal motivo
para que essa população passe a viver nas ruas são conflitos
familiares. “Muitos enfrentaram situações de brigas, maus-tratos
e outros problemas com parentes, e acabaram saindo de casa. Notamos
que alguns deles sabem onde estão seus parentes, mas se recusam a
voltar para aquele ambiente e acabam ficando nas ruas”.
Há também aqueles que viviam em outras
cidades ou estados e se mudaram para Goiânia em busca de uma vida
melhor, mas não conseguiram emprego. “Cerca de 30% dos moradores
de rua que encontramos eram pessoas nascidas na capital. O restante é
todo de pessoas que mudaram para a cidade por algum motivo,
principalmente em busca de emprego, mas não obtiveram sucesso”.
De acordo com o pesquisador Djaci, depois
de passar um ano nas ruas, dificilmente a pessoa consegue uma
reinserção na sociedade. “Eles passam a viver sem regras, muitos
fazem consumo de entorpecentes e é difícil que se adequem aos
hábitos antigos. Por isso, eles precisam de ajuda especializada, com
psicólogos, assistentes sociais, para que possam ter novas
oportunidades e as aceitem também”.
Segundo a pesquisa, “104 moradores de rua
declararam que estavam fora das suas casas há menos de um ano, 33
até cinco anos, 22 até dez anos, e 26 há mais de dez anos”.
O levantamento do Necrivi aponta ainda que
“46,4% dos moradores de rua vivem na região Central de Goiânia.
Lodo depois vem a região Sul, com 15,8%, e a região Oeste, com
11,5%. Já a região Leste concentrava 10% das pessoas em situação
de rua, seguida das regiões Norte (8,1%), Sudoeste (3,3%) e Noroeste
(1,9%). Já 2,9% não souberam informar em quais locais costumam
permanecer com maior frequência”.
Ainda segundo a pesquisa, muitos moradores
de rua se concentram nas avenidas Independência e Paranaíba e na
extensão do Eixo Anhanguera. “Normalmente são áreas com grande
circulação de pessoas, então, eles atuam como pedintes e também
fazem alguns bicos como flanelinhas, ambulantes e vigias de carros.
Essas atividades garantem uma renda mínima pelo menos para a
alimentação”.
A concentração é maior no Centro em
função também dos serviços de assistência pública, como a
Semas, o Complexo 24 horas, a Casa de Acolhida Cidadã e o
Restaurante Cidadão.
“E foi exatamente desses locais - explica
o sociólogo - que a pesquisa teve seu ponto de partida, pois
consultamos os cadernos de registro de fluxo diário e conseguimos
ter os primeiros dados. Aí elaboramos um questionário com o
objetivo de traçar um perfil dessa população”.
Do total de entrevistados, “59,5%
afirmaram que dormem nas ruas e 40,5% disseram que passam a noite em
abrigos”.
Outro dado relevante da pesquisa é em
relação às crianças que vivem nas ruas da capital. Segundo o
professor Djaci, nenhuma das 21 crianças vivia sozinha, todas
estavam vinculadas aos pais. “Essa é uma realidade diferente de
outras capitais, onde muitos menores estão por conta própria. Todos
os que encontramos em Goiânia estão em situação de rua juntamente
com seus pais”.
Os entrevistados afirmaram que houve uma
redução no número de crianças nas ruas. Diante disso, os
pesquisadores fazem um levantamento para saber se elas foram
apreendidas pela polícia, por algum ato ilícito, ou se estão entre
os mortos. “Infelizmente, os dados que coletamos não apresentam a
idade das vítimas. Sendo assim, estamos trabalhando nisso agora para
saber se as crianças em situação de rua também são vítimas dos
homicídios”.
Para o sociólogo, as crianças que já
crescem nas ruas têm ainda mais chance de nunca conseguir uma
inserção na sociedade. “Se é difícil para qualquer um crescer
com acesso à saúde, educação, e ter um bom emprego na vida
adulta, imagine para uma criança de rua. Com isso, a maioria acaba
vivendo ao relento por toda a vida, sem projeções de que ela seja
muito longa”.
Segundo o professor da UFG faltam políticas
públicas voltadas à população em situação de rua.
“Primeiramente, é preciso que a Semas tenha uma equipe
especializada para lidar com essas pessoas, tratar o vício em
entorpecentes. Em seguida, é preciso que seja construído um espaço
para que elas possam tomar banho, trocar de roupas, passar a noite.
Esse trabalho é realizado em alguns abrigos, mas precisa de uma
abrangência ainda maior”.
O pesquisador ressalta que - além disso -
as autoridades precisam ajudar os moradores de rua a aprenderem uma
profissão. “Se essas pessoas fossem devidamente tratadas e
recebessem qualificação profissional, não tenho dúvidas de que a
realidade seria diferente. Muita gente teria plenas condições de se
reerguer. Também podiam oferecer moradia e, aliada a uma
oportunidade de emprego, a vida entraria nos eixos novamente”.
A situação alarmante dos Moradores de rua
questiona-nos a todos e a todas, faz-nos refletir e leva-nos a tomar
atitudes urgentes. São irmãos e irmãs nossos em permanente perigo
de vida.
“É curioso - diz o Papa - como no mundo
das injustiças abundam os eufemismos. Não se dizem as palavras com
toda a clareza, e busca-se a realidade no eufemismo. Uma pessoa, uma
pessoa segregada, uma pessoa apartada, uma pessoa que está sofrendo
a miséria, a fome, é uma pessoa em situação de rua: palavra
elegante, não? (...) Por trás de um eufemismo há um crime”
(Discurso aos participantes do 1º
Encontro Mundial dos Movimentos Populares, Roma, outubro de 2014).
Meditemos as palavras do nosso irmão
Francisco!
Moradores
de rua costumam ficar embaixo de viaduto na Marginal Botafogo
Fr.
Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor
em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor
aposentado de Filosofia da UFG
E-mail:
mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia,
04 de maio de 2016
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