No artigo “Brasil, o paraíso dos ricos” (Carta Capital,
29/08/16), Carlos Drummond escreve: “a
convergência de várias políticas garante ao Brasil a medalha de ouro em concentração
de renda no mundo”. Que triste primado! Que vergonha para o Brasil! Infelizmente
temos no País um modelo de sistema capitalista neoliberal dos mais retrógrados
do ponto de vista cultural. Esse modelo conseguiu juntar formas escravagistas e
feudais de vida com o que há de pior do sistema capitalista neoliberal.
O jornalista continua
dizendo que (conforme mostrou
o seminário sobre o tema organizado pelo
site Plataforma Política Social e o Le Monde Diplomatique Brasil, São Paulo, 15/08/16) “a transferência de renda para os
ricos é crescente no País, na
contramão da tendência mundial de aumentar
os impostos para as faixas mais altas.
Tornou-se também uma
instituição sólida, garantida pelas
políticas tributária, fiscal, monetária e cambial”.
Citando o economista Rodrigo Octávio Orair (pesquisador
do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - Ipea e do International Policy
Center for Inclusive Growth, da Organização das Nações Unidas), Carlos Drummond
afirma que são três as condições que tornam o Brasil o paraíso dos ricos e
super-ricos: a primeira “é a taxa de juros sem paralelo no resto do mundo,
garantia de alta rentabilidade para o capital”; a segunda “é a isenção
tributária de lucros e dividendos, instituída em 1995 no governo FHC”; a
terceira “são as alíquotas de impostos muito baixas para as aplicações
financeiras, de 15% a 20%, quando os assalariados pagam até 27,5%”. Orair
aponta: “a concentração de renda no Brasil não tem rival no mundo”.
Na
pesquisa (realizada com Sérgio Wulff Gobetti, também pesquisador do Ipea),
Orair (utilizando a base de dados sobre os 20 países mais ricos, criada pelo
economista francês Thomas Piketti, autor do livro O Capital no Século XXI),
denuncia: “o meio milésimo mais rico do País, composto de 71 mil pessoas, ‘uma
população que cabe num estádio de futebol’, apropria-se de 8,5% de toda a renda
nacional das famílias. Na Colômbia, a proporção é 5,4% e nas economias desenvolvidas
fica abaixo de 2%”.
Carlos
Drummond afirma que ”há um movimento mundial para reduzir a desigualdade
econômica. De 2008 para cá, 21 dos 34 países da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) tomaram medidas de aumento da tributação dos
mais ricos. Os Estados Unidos elevaram as alíquotas máximas do Imposto de Renda
daquela camada e o Chile tomou medida semelhante em 2013, para financiar a
educação”. O Brasil - destaca o pesquisador do Ipea - “é um dos poucos lugares
onde não se toca no tema. A discussão está bloqueada”.
Segundo
a autor do artigo, “os super-ricos do Brasil têm renda média de 4 milhões de
reais, dois terços dos seus ganhos, compostos de lucros e dividendos, são
isentos e um quarto está aplicado no mercado financeiro com alíquotas, em
média, entre 16% e 17%. O argumento de que não cabe taxar dividendos porque a
empresa já recolhe impostos e haveria uma bitributação não procede”. O
pesquisador do Ipea diz que “quase todos os países possuem esse sistema
clássico de tributação, do lucro na empresa e dos dividendos distribuídos às
pessoas físicas”.
Sempre
segundo Carlos Drummond, “o sistema todo é regressivo, mas os mais ricos,
isentos de tributação na maior parte da sua renda, costumam dizer que todos
pagam o pato”. Com isso - critica Orair - “canalizam a raiva de quem paga de
fato para
defender o seu próprio status quo”.
Diante dessa situação gritante de injustiça
institucionalizada, que garante aos detentores do poder econômico um
crescimento ao infinito às custas dos trabalhadores/as, o governo ilegítimo do
usurpador Michel Temer para recolocar a economia nos eixos (devem ser os eixos
dos super-ricos!) vem com um pacote de medidas, que - sob a falsa aparência de
modernidade - ameaçam os direitos dos trabalhadores/as, conquistados a duras
penas,
Fala-se de um teto para gastos públicos, de reforma da
previdência, de ajuste fiscal, de modernização das leis trabalhistas contra o
corporativismo sindical e de livre negociação entre empregados e empregadores.
São todas medidas que - da maneira como estão sendo planejadas - prejudicam, de
um jeito ou de outro, os trabalhadores/as, favorecendo sua exploração e
superexploração. Essas medidas nem tocam de leve nos privilégios dos detentores
do poder econômico, cujos lucros são cada vez maiores.
Ainda sobre as medidas que o governo ilegítimo pretende
tomar, declaro: o único critério para definir o teto dos gastos públicos deve
ser a necessidade para uma vida de qualidade de todo o povo brasileiro,
principalmente dos mais pobres. A reforma da previdência e o ajuste fiscal devem
reafirmar os direitos adquiridos dos trabalhadores/as e ampliá-los (não cortá-los
ou diminuí-los). A luta para defender os direitos dos trabalhadores/as não é
corporativismo (como costumam dizer os poderosos), mas o papel dos sindicatos.
Os trabalhadores/as não podem ser enganados em nome da chamada modernização das
leis trabalhistas e da assim dita livre negociação. Entre lados tão desiguais
como os detentores do poder econômico e os trabalhadores/as - que em sua
maioria, para não morrer de fome, são obrigados (pegos pelo pescoço) a aceitar
qualquer tipo de trabalho, mesmo superexplorado - a livre negociação não
existe, é uma farsa.
Agora,
pergunto: se o Brasil ganhou a medalha de ouro em concentração de renda do
mundo, por que não cobrar a devolução, com juro e correção monetária, do
dinheiro - que é do povo - roubado pelos ladrões de “colarinho branco”? A
prática comum da corrupção na política - sobretudo através das propinas - como se
fosse algo normal, não é um sinal de um roubo muito maior do dinheiro público,
institucionalizado e legalizado? Por que não acabar com a sonegação de impostos
dos ricos e super-ricos, cobrando - também com juros e correção monetária -
todos os impostos atrasados? Por que não taxar as grandes fortunas, incluindo
as heranças? Por que - no lugar de fixar aleatoriamente um teto para os gastos
públicos - não fixar um teto para o lucro dos bancos que não tem limite e é uma
afronta aos trabalhadores/as?
São
essas as verdadeiras medidas que devem ser tomadas para sanar a economia. Tomando
essas medidas, nunca faltarão recursos para uma vida digna e de qualidade para
todos e para todas.
Enfim,
lembro mais uma vez as duras palavras do Papa Francisco aos Movimentos
Populares (Bolívia, julho de 2015): “este sistema é insuportável: exclui,
degrada, mata!”. Precisamos muda-lo e não tomar medidas econômicas que o
fortaleçam (como pretende fazer o governo ilegítimo do usurpador Michel Temer).
Vamos à luta! A caminhada é longa!
Fr.
Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em
Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de
Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia, 21de setembro de 2016
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