quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Discurso do Papa Francisco no 3º EMMP 3. Um projeto-ponte dos povos diante do projeto-muro do dinheiro


No tema “O amor e as pontes” destaco o terceiro ponto marcante do Discurso do Papa Francisco aos participantes do 3º EMMP: um projeto-ponte dos povos diante do projeto-muro do dinheiro.
Francisco começa a apresentação do tema citando dois fatos da vida de Jesus de Nazaré, que - diz ele - aconteceram “num dia como este, num sábado” e que, como afirma o Evangelho, “precipitaram o complô para mata-lo”.
O primeiro fato: “Jesus passava com os seus discípulos por um campo de semeadura. Os discípulos estavam com fome e comeram algumas espigas. Nada se diz sobre o ‘dono’ daquele campo… encontrava-se subjacente a destinação universal dos bens. O certo é que, diante da fome, Jesus deu prioridade à dignidade dos filhos de Deus, antes que a uma interpretação formalística, conciliante e interessada da norma”. Quanta clareza nas palavras do Papa! A vida está acima de qualquer norma!
Quando os doutores da lei - diz ainda o Papa Francisco - se queixaram com indignação hipócrita, Jesus recordou-lhes que Deus quer amor, não sacrifícios, e explicou que o sábado foi feito para o ser humano, e não o ser humano para o sábado (cf. Mc 2, 27). Jesus enfrentou o pensamento hipócrita e presunçoso com a inteligência humilde do coração (cf. Homilia no Congreso de Evangelización de la CulturaBuenos Aires, 3 de novembro de 2006), que dá sempre a prioridade ao ser humano e não aceita que determinadas lógicas impeçam a sua liberdade de viver, amar e servir o próximo”.
O segundo fato: “Em seguida, naquele mesmo dia, Jesus fez algo ‘pior’, uma coisa que irritou ainda mais os hipócritas e os soberbos que o observavam, porque procuravam uma desculpa para capturá-lo. Curou a mão atrofiada de um homem. A mão, um sinal tão forte de ação, de trabalho. Jesus restituiu àquele homem a capacidade de trabalhar e, com ela, a sua dignidade”.
Consciente da realidade de hoje, o Papa com dor no coração exclama: “Quantas mãos atrofiadas, quantas pessoas privadas da dignidade do trabalho!”. E, mais uma vez, denuncia: “Porque para defender sistemas injustos, os hipócritas opõem-se a tais curas”.
Dirigindo-se carinhosamente aos Movimentos Populares, o Papa diz: “Às vezes penso que quando vocês, os pobres organizados, inventam o seu próprio trabalho, criando uma cooperativa, recuperando uma fábrica falida, reciclando os descartes da sociedade consumista, enfrentando a inclemência do tempo para vender numa praça, reivindicando um pequeno pedaço de terra para cultivar e alimentar quem tem fome, quando fazem isto imitam Jesus (reparem: imitam Jesus!) porque procuram curar, mesmo que seja só um pouco e de modo precário, esta atrofia do sistema socioeconômico imperante que é o desemprego. Não me surpreende que também vocês, às vezes, sejam vigiados ou perseguidos, e que os soberbos não se interessem por aquilo que vocês dizem”.
As palavras de Francisco são simples e objetivas! Não deixam dúvidas! Será que nós, os cristãos e cristãs de hoje, acreditamos que os Movimentos Populares, quando lutam pelo direito a um trabalho digno, ‘imitam Jesus’ que cura, restituindo à pessoa humana a capacidade de trabalhar e, com ela, sua dignidade? Pensemos!

O Papa acrescenta: “Naquele sábado Jesus arriscou a sua vida porque, depois de ter curado a mão, os fariseus e os herodianos (cf. Mc 3, 6), dois partidos opostos entre si, que temiam o povo e também o império, fizeram os seus cálculos e conspiraram para mata-lo. Sei que muitos de vocês arriscam a vida. Sei - e desejo recordá-lo, quero recordá-la - que alguns não estão aqui hoje porque apostaram a sua vida… Por isso, não há amor maior do que dar a própria vida. É isto que Jesus nos ensina”.
Francisco declara: “Os ‘3 t’ (terra, teto, trabalho), o grito de vocês que faço meu, tem algo daquela inteligência humilde, mas ao mesmo tempo forte e curadora. Um projeto-ponte dos povos diante do projeto-muro do dinheiro. Um programa que visa o desenvolvimento humano integral”.
Continua dizendo: “O contrário do desenvolvimento, poder-se-ia dizer, é a atrofia, a paralisia. Temos o dever de ajudar a curar o mundo da sua atrofia moral. Este sistema atrofiado é capaz de fornecer algumas ‘próteses’ cosméticas que não constituem verdadeiros desenvolvimentos: crescimento da economia, progressos tecnológicos, maior ‘eficiência’ para produzir coisas que se compram, se usam e se abandonam, envolvendo-nos a todos numa vertiginosa dinâmica do descarte… Mas este mundo não permite o desenvolvimento do ser humano na sua totalidade, o desenvolvimento que não se reduz ao consumo, que não se limita ao bem-estar de poucos, que inclui todos os povos e as pessoas na plenitude da sua dignidade, desfrutando fraternalmente da maravilha da criação. Este é o desenvolvimento do qual nós temos necessidade: humano, integral, respeitoso com a criação, com a casa comum”. É este o desenvolvimento que nós queremos e pelo qual lutamos!

As palavras do Papa não nos permitem ficar em cima do muro! Elas nos questionam, nos incomodam, nos fazem refletir e nos obrigam a tomar atitudes concretas diante dos desafios que a realidade de hoje nos apresenta!



Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 25 de janeiro de 2017 

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Discurso do Papa Francisco no 3º EMMP 2. Este sistema é terrorista: enfrentemos o terror com o amor!



Em seu Discurso, o Papa Francisco - com a simplicidade e a humildade de um homem que escuta o povo e aprende com ele - revela-nos: “Gostaria de abordar alguns temas mais específicos, que vocês me sugeriram, que me levaram a refletir (reparem: que vocês me sugeriram, que me levaram a refletir!) e que volto a apresentar a vocês neste momento”. Os temas são: “O terror e os muros”, “O amor e as pontes” e “A falência e o resgate”
No tema “O terror e os muros” destaco o segundo ponto marcante do Discurso de Francisco aos participantes do 3º EMMP: Este sistema é terrorista: enfrentemos o terror com o amor!
O Papa - embora reconheça que “este nosso diálogo com os Movimentos Populares, que se acrescenta aos esforços de muitos milhões de pessoas que trabalham diariamente pela justiça no mundo inteiro, começa a ganhar raízes” - com muito realismo diz: “No entanto esta germinação, que é lenta e que tem os seus tempos, como todas as germinações, é ameaçada pela velocidade de um mecanismo destruidor que age em sentido contrário”.
Com firmeza, Francisco denuncia: “Existem forças poderosas que podem neutralizar este processo de amadurecimento de uma mudança, que seja capaz de mudar o primado do dinheiro e pôr novamente no centro o ser humano, o homem e a mulher. Aquele ‘fio invisível’, do qual pudemos falar na Bolívia, aquela estrutura injusta que une todas as exclusões que vocês padecem, pode consolidar-se e transformar-se num chicote, num chicote existencial que, como no Egito do Antigo Testamento, escraviza, rouba a liberdade, golpeia sem misericórdia alguns e ameaça constantemente os outros, para abater a todos como gado, até onde o dinheiro divinizado quer”.
O Papa pergunta e, ao mesmo tempo, responde: “Quem governa? O dinheiro. Como governa? Com o chicote do medo, da desigualdade, da violência financeira, social, cultural e militar que gera cada vez mais violência numa espiral descendente que parece infinita. Quanta dor e quanto medo!”.
Francisco continua denunciando: “Existe - como eu disse recentemente - um terrorismo de base que provém do controle global do dinheiro na terra, ameaçando a humanidade inteira. É deste terrorismo de base que se alimentam os terrorismos derivados, como o narcoterrorismo, o terrorismo de Estado e aquele que alguns erroneamente chamam terrorismo étnico ou religioso. Mas nenhum povo, nenhuma religião é terrorista! É verdade, existem pequenos grupos fundamentalistas em toda a parte. Mas o terrorismo começa quando ‘se expulsa a maravilha da criação, o homem e a mulher, colocando no seu lugar o dinheiro’ (Conferência de imprensa no voo de regresso da Viagem Apostólica à Polónia, 31 de julho de 2016). Este sistema é terrorista (reparem mais uma vez: este sistema - o nosso sistema - é terrorista!)”. Quanta coragem profética nas palavras do Papa!
Numa breve memória histórica, Francisco lembra: “Há quase cem anos, Pio XI previu o afirmar-se de uma ditadura global da economia, à qual ele chamou ‘imperialismo internacional do dinheiro’ (Carta Encíclica Quadragesimo Anno, 15 de maio de 1931, n. 109). Refiro-me ao ano de 1931! A sala onde agora nos encontramos chama-se ‘Paulo VI’, e foi ele que denunciou, há quase cinquenta anos, a ‘nova forma abusiva de domínio econômico nos planos social, cultural e até político’ (Carta Apostólica Octogesima Adveniens, 14 de maio de 1971, n. 44). No ano de 1971!”.
O Papa conclui: “São palavras duras, mas justas dos meus predecessores que perscrutaram o futuro. A Igreja e os profetas dizem há milénios aquilo que tanto escandaliza que o Papa repita neste tempo, no qual tudo isto alcança expressões inéditas. Toda a doutrina social da Igreja e o magistério dos meus predecessores se revoltam contra o ídolo do dinheiro, que reina ao invés de servir, tiraniza e aterroriza a humanidade”.
De maneira categórica, Francisco afirma: “Nenhuma tirania se sustenta sem explorar os nossos medos. Esta é uma chave! Por isso, toda tirania é terrorista. E quando este terror, que foi semeado nas periferias com massacres, saques, opressões e injustiças, explode nos centros sob várias formas de violência, até com atentados hediondos e infames, os cidadãos que ainda conservam alguns direitos são tentados pela falsa segurança dos muros físicos ou sociais. Muros que fecham alguns e exilam outros. Cidadãos murados, aterrorizados, de um lado; excluídos, exilados, ainda mais aterrorizados, de outro”.
Para nos ajudar a refletir, o Papa pergunta: “É esta a vida que Deus, nosso Pai, deseja para os seus filhos?”. E - como um verdadeiro profeta - denuncia novamente a iniquidade da nossa realidade. “O medo é alimentado, manipulado… Porque, além de ser um bom negócio para os comerciantes de armas e de morte, o medo debilita-nos, desestabiliza-nos, destrói as nossas defesas psicológicas e espirituais, anestesia-nos diante do sofrimento do próximo e no final torna-nos cruéis. Quando sentimos que se festeja a morte de um jovem que talvez tenha errado o caminho, quando vemos que se prefere a guerra à paz, quando vemos que se propaga a xenofobia, quando constatamos que propostas intolerantes ganham terreno; por detrás de tal crueldade, que parece massificar-se, sopra o frio vento do medo”.
Francisco faz-nos, pois, um pedido: “Peço-vos que rezem por todos aqueles que têm medo; oremos a fim de que Deus lhes infunda coragem e que neste Ano da misericórdia os nossos corações possam sensibilizar-se. A misericórdia não é fácil…, exige coragem! É por isso que Jesus nos diz: ‘Não tenhais medo!’ (Mt 14, 27), porque a misericórdia é o melhor antídoto contra o medo. É muito melhor do que os remédios antidepressivos e tranquilizantes. Muito mais eficaz do que os muros, as grades, os alarmes e as armas. E é grátis: uma dádiva de Deus”.
Enfim, o Papa deixa-nos uma mensagem de fé e esperança com um caloroso apelo: “Caros irmãos e irmãs, todos os muros ruem. Todos! Não nos deixemos enganar. Como vocês mesmos disseram: ‘continuemos a trabalhar para construir pontes entre os povos, pontes que nos permitam derrubar os muros da exclusão e da exploração’. (Documento conclusivo do 2º EMMP, 11 de julho de 2015, Santa Cruz de la Sierra, Bolívia). Enfrentemos o terror com o amor!”.
Escutemos! Não sejamos omissos! Vamos à luta!


Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 18 de janeiro de 2017

Discurso do Papa Francisco no 3º EMMP 1. Uma mudança de estruturas para que a vida seja digna



Em seu Discurso - depois de saudar e agradecer carinhosamente os participantes do 3º Encontro Mundial dos Movimentos Populares (3º EMMP) - o Papa Francisco faz a recordação do 2º Encontro. Nesta recordação destaco o primeiro ponto marcante do Discurso: uma mudança de estruturas para que a vida seja digna.
No nosso último Encontro na Bolívia - diz Francisco - com a maioria de latino-americanos, pudemos falar da necessidade de uma mudança para que a vida seja digna, uma transformação de estruturas; além disso, do modo como vocês, Movimentos Populares, são semeadores de mudança, promotores de um processo para o qual convergem milhões de pequenas e grandes ações interligadas de modo criativo, como numa poesia; foi por isso que quis chamar vocês de ‘poetas sociais’; e também pudemos enumerar algumas tarefas imprescindíveis para caminhar rumo a uma alternativa humana diante da globalização da indiferença: 1. pôr a economia ao serviço dos povos; 2. construir a paz e a justiça; 3. defender a Mãe Terra”.
De coração aberto, o Papa lembra: “Naquele dia, com a voz de uma ‘cartonera’ e de um camponês, na conclusão foram lidos os dez pontos de Santa Cruz de la Sierra, onde a palavra ‘mudança’ estava carregada de um grande conteúdo, ligada às coisas fundamentais que vocês reivindicam: trabalho digno para todas as pessoas excluídas do mercado de trabalho; terra para os camponeses e as populações indígenas; habitações para as famílias desabrigadas; integração urbana para os bairros populares; eliminação da discriminação, da violência contra as mulheres e das novas formas de escravidão; fim de todas as guerras, do crime organizado e da repressão; liberdade de expressão e de comunicação democrática; ciência e tecnologia ao serviço dos povos”.
Francisco diz ainda: “Ouvimos também como vocês se comprometeram a abraçar um projeto de vida que rejeite o consumismo e recupere a solidariedade, o amor entre nós e o respeito pela natureza como valores essenciais. É a felicidade de ‘viver bem’ aquilo que vocês reclamam, a ‘vida boa’, e não aquele ideal egoísta que enganosamente inverte as palavras e propõe a ‘boa vida’”.
Reparem como o Papa se coloca no meio dos Movimentos Populares: como um irmão que confia neles e conta com eles!
Francisco reconhece e respeita a diversidade e as diferenças como um grande valor. Nós que hoje estamos aqui, de diferentes origens, credos e ideias, talvez não estejamos de acordo acerca de tudo, certamente pensamos de modo diverso sobre muitas coisas, mas sem dúvida estamos de acordo sobre estes pontos”.
Mostrando que acompanha e é ‘próximo’ da caminhada e da luta dos Movimentos Populares, o Papa declara: Sei também que foram realizados Encontros e laboratórios em vários países, onde se multiplicaram os debates à luz da realidade de cada Comunidade. Isto é muito importante porque as soluções reais para as problemáticas atuais não sairão de uma, três ou mil conferências: elas devem ser fruto de um discernimento coletivo que amadurece nos territórios juntamente com os irmãos, um discernimento que se torna ação transformadora ‘em conformidade com os lugares, os tempos e as pessoas’, como dizia Santo Inácio. Caso contrário, corremos o risco das abstrações, de certos ‘nominalismos declaracionistas (slogans), que são frases bonitas, mas que não conseguem sustentar a vida das nossas Comunidades’ (Carta ao Presidente da Pontifícia Comissão para a América Latina, 19 de março de 2016). São slogans! O colonialismo ideológico globalizador procura impor receitas supraculturais que não respeitam a identidade dos povos”. Reparem, mais uma vez, como o Papa é objetivo e claro em suas palavras!
Francisco elogia e aprecia a capacidade de discernimento dos Movimentos Populares: “Vocês caminham por outra vereda que é local e, ao mesmo tempo, universal. Um caminho que me recorda como Jesus pediu para dispor a multidão em grupos de cinquenta, para lhes distribuir o pão (cf. Homilia na Solenidade do Corpus Christi, Buenos Aires, 12 de junho de 2004)”.
Com toda ternura e fraternidade, o Papa faz elogios à luta, à persistência e à coragem dos Movimentos Populares. Tem por eles muita admiração e palavras de incentivo que brotam do mais profundo de suas entranhas.
Há pouco assistimos ao vídeo que vocês apresentaram como conclusão deste 3º Encontro. Vimos os rostos de vocês nos debates sobre o modo de enfrentar ‘a desigualdade que gera violência’. Tantas propostas, muita criatividade e grande esperança na voz de vocês, que talvez tivesse mais motivos para se queixar, permanecer emudecida nos conflitos, cair na tentação do negativo. E, no entanto, vocês olham para a frente, pensam, debatem, propõem e agem. Congratulo-me com vocês, acompanho vocês e peço-lhes que continuem a abrir caminhos e a lutar. Isto me dá força, dá-nos força. Penso que este nosso diálogo, que se acrescenta aos esforços de muitos milhões de pessoas que trabalham diariamente pela justiça no mundo inteiro, começa a ganhar raízes”.
Quanta sinceridade e quanta empatia para com os Movimentos Populares Francisco revela em suas palavras! Realmente, ele é uma pessoa de uma sensibilidade humana e cristã muito profunda. Vive a radicalidade do seguimento de Jesus de Nazaré e - como um verdadeiro pastor e profeta - enfrenta com coragem os desafios do mundo de hoje! E nós! Meditemos!



Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 11 de janeiro de 2017

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

3º Encontro Mundial dos Movimentos Populares: seu significado


É urgente “os pobres deixarem de ser vítimas de políticas sociais, definidas sem a sua participação,
para se tornarem protagonistas de um processo de mudança,
que lhes permita o acesso aos direitos mais sagrados como a terra, teto e trabalho”
(Juan Grabois)
De 2 a 5 de novembro de 2016 - a convite de Papa Francisco - realizou-se no Vaticano (Roma - Itália) o 3º Encontro Mundial dos Movimentos Populares (3º EMMP), com a participação de 170 delegados e delegadas de 65 países. Do Brasil, participaram integrantes dos Movimentos: Conselho de Entidades Negras (CONEM), Central dos Movimentos Populares (CMP), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) - La Via Campesina, Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), União Nacional Por Moradia Popular (UNMP) e outros.
Nos quatro dias do Encontro, foram debatidos os eixos que historicamente marcam o evento e preocupam tanto os Movimentos Populares como o Papa Francisco: Terra, Teto (Casa) e Trabalho. Neste Encontro abriram-se também novas discussões, ampliando as perspectivas de análise e de luta, sobre: Povo e Democracia, Território e Natureza, Migração e Refugiados.
Segundo Juan Grabois, da Comissão Organizadora do Encontro, “há um grande número de Organizações integradas pelos excluídos e excluídas, que não estão resignados à miséria que lhes foi imposta e resistem com solidariedade ao paradigma tecnocrático atual. O diálogo entre nós e a Igreja tem o objetivo de acompanhar, incentivar e visibilizar esses processos que surgem das bases populares". Diz ainda: “os 3-T (Terra, Teto, Trabalho) continuam a ser o coração dos nossos Encontros; direitos estão sendo violados por um sistema injusto, que deixa milhões de camponeses sem terra, famílias desabrigadas e trabalhadores sem direitos. Por isso os principais protagonistas de nossos Encontros são os três setores sociais mencionados, marginalizados do campo e da cidade”.
No dia 2 à tarde aconteceu o Painel de Abertura, realizado pelo Comitê de Organização: Card. Peter Turkson, Pontifício Conselho da Justicia e da Paz - Vaticano; João Pedro Stédile, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) - La Vía Campesina - Brasil; Juan Grabois, Movimento de Trabalhadores Excluídos (MTE) - Confederação de Trabalhadores da Economia Popular (CTEP) - Argentina; Jockin Arputham, National Slum Dwellers Federation of India - Slum Dwellers International (SDI) - India; Xaro Castelló, Hermandad Obrera de Acción Católico (HOAC) - Movimento Mundial de Trabalhadores Cristãos (MMTC) - Espanha.
Com testemunhos concretos, representantes dos cinco continentes, relataram a situação de suas democracias, que muitas vezes são somente de fachada. Falaram das condições precárias e da violação dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, da trágica condição feminina e da marginalidade.
O intercâmbio e a partilha das delegações dos países presentes concluíram no dia 5 de novembro com o “Discurso do Papa Francisco aos participantes no 3º EMMP”. No Encontro foram aprovados os Documentos finais: “Propostas de ação transformadora assumidas pelos Movimentos Populares do mundo, em diálogo com o Papa Francisco” e “Síntese dos trabalhos de grupo: estratégias comuns em todas as linhas de ação”
Esses Encontros dos Movimentos Populares com o Papa representam (como já disse) uma verdadeira revolução na Igreja, uma “revolução evangélica” radical. No 1º Encontro, o cardeal Turkson - presidente do Pontifício Conselho Justiça e Paz - ressaltou que se trata de uma novidade absoluta. “Pela primeira vez - disse à época - um Papa convocou as lideranças dos Movimentos Populares para um Encontro”.
Conforme afirma João Pedro Stédile (MST), o Papa é realmente “um homem de muita coragem”. “Esse processo de debates e diálogos entre Francisco e os Movimentos Populares partiu de uma vontade política do pontífice: a de dialogar e dar protagonismo aos Movimentos Populares em todo mundo, como estímulo à organização dos trabalhadores e dos mais pobres, como esperança e necessidade para a mudança do sistema capitalista”.
Neste artigo faço algumas considerações e reflexões sobre o significado do 3º EMMP. Em outros artigos, destacarei os pontos marcantes do Discurso de Francisco aos participantes no 3º EMMP e o conteúdo extraordinário dos Documentos Finais. São luzes e, ao mesmo tempo, um programa de lutas para nossa militância nos Movimentos Populares e nas Pastorais Sociais e Ambientais.
Qual é, pois, o significado do 3º EMMP? O que ele representa? Em primeiro lugar, o 3º EMMP teve o objetivo de dar continuidade ao 1º, realizado no Vaticano de 27 a 29 de outubro de 2014, e ao 2º, que aconteceu em Santa Cruz de la Sierra na Bolívia de 7 a 9 de julho de 2015. Em segundo lugar, teve também o objetivo de retomar, aprofundar e ampliar os temas desses Encontros.
Baseando-se no método ver-julgar-agir (analisar-interpretar-libertar), Juan Grabois diz que podemos definir “o primeiro Encontro como o do conhecimento recíproco entre nós e o Papa. O segundo como o do discernimento e da reflexão, sintetizados por Francisco em três diretrizes: pôr a economia a serviço dos povos, construir a paz e a justiça, e defender a Mãe Terra. Agora, cabe a nós agir. Já fazemos isso nos respectivos países. Trata-se de estabelecer uma maior coordenação e compartilhar as ‘boas práticas’".
Como sempre, o Papa Francisco - em seu Discurso aos participantes no 3º EMMP - coloca-se no meio deles e delas num plano de igualdade, como um irmão de caminhada que está em plena sintonia com os anseios e as aspirações dos Movimentos Populares. Dirige-se aos irmãos e irmãs desses Movimentos com toda simplicidade e confiança. “Boa tarde, irmãos e irmãs! Neste nosso (reparem: neste nosso!) 3º Encontro expressamos a mesma sede, a sede de justiça, o mesmo grito: terra, teto e trabalho para todos. Agradeço aos delegados que vieram das periferias urbanas, rurais e industriais dos cinco continentes, mais de 60 países, para debater novamente sobre o modo de defender estes direitos que unem. Obrigado aos Bispos que vieram acompanhar-vos. Obrigado aos milhares de italianos e europeus que hoje se reuniram no final deste Encontro. Obrigado aos observadores e aos jovens comprometidos na vida pública, que vieram com humildade para ouvir e aprender. Quanta esperança tenho nos jovens!”.
Reparem a ternura e a empatia do Papa Francisco para com os Movimentos Populares! Será que nós cristãos e cristãs - pessoalmente e como Igreja - temos a mesma ternura e empatia para com esses Movimentos? Se queremos ser hoje seguidores e seguidoras de Jesus de Nazaré e sua Igreja, esse é o caminho! Não há outro! Pensemos!






Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 04 de janeiro de 2017