quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Discurso do Papa Francisco no 3º EMMP 3. Um projeto-ponte dos povos diante do projeto-muro do dinheiro


No tema “O amor e as pontes” destaco o terceiro ponto marcante do Discurso do Papa Francisco aos participantes do 3º EMMP: um projeto-ponte dos povos diante do projeto-muro do dinheiro.
Francisco começa a apresentação do tema citando dois fatos da vida de Jesus de Nazaré, que - diz ele - aconteceram “num dia como este, num sábado” e que, como afirma o Evangelho, “precipitaram o complô para mata-lo”.
O primeiro fato: “Jesus passava com os seus discípulos por um campo de semeadura. Os discípulos estavam com fome e comeram algumas espigas. Nada se diz sobre o ‘dono’ daquele campo… encontrava-se subjacente a destinação universal dos bens. O certo é que, diante da fome, Jesus deu prioridade à dignidade dos filhos de Deus, antes que a uma interpretação formalística, conciliante e interessada da norma”. Quanta clareza nas palavras do Papa! A vida está acima de qualquer norma!
Quando os doutores da lei - diz ainda o Papa Francisco - se queixaram com indignação hipócrita, Jesus recordou-lhes que Deus quer amor, não sacrifícios, e explicou que o sábado foi feito para o ser humano, e não o ser humano para o sábado (cf. Mc 2, 27). Jesus enfrentou o pensamento hipócrita e presunçoso com a inteligência humilde do coração (cf. Homilia no Congreso de Evangelización de la CulturaBuenos Aires, 3 de novembro de 2006), que dá sempre a prioridade ao ser humano e não aceita que determinadas lógicas impeçam a sua liberdade de viver, amar e servir o próximo”.
O segundo fato: “Em seguida, naquele mesmo dia, Jesus fez algo ‘pior’, uma coisa que irritou ainda mais os hipócritas e os soberbos que o observavam, porque procuravam uma desculpa para capturá-lo. Curou a mão atrofiada de um homem. A mão, um sinal tão forte de ação, de trabalho. Jesus restituiu àquele homem a capacidade de trabalhar e, com ela, a sua dignidade”.
Consciente da realidade de hoje, o Papa com dor no coração exclama: “Quantas mãos atrofiadas, quantas pessoas privadas da dignidade do trabalho!”. E, mais uma vez, denuncia: “Porque para defender sistemas injustos, os hipócritas opõem-se a tais curas”.
Dirigindo-se carinhosamente aos Movimentos Populares, o Papa diz: “Às vezes penso que quando vocês, os pobres organizados, inventam o seu próprio trabalho, criando uma cooperativa, recuperando uma fábrica falida, reciclando os descartes da sociedade consumista, enfrentando a inclemência do tempo para vender numa praça, reivindicando um pequeno pedaço de terra para cultivar e alimentar quem tem fome, quando fazem isto imitam Jesus (reparem: imitam Jesus!) porque procuram curar, mesmo que seja só um pouco e de modo precário, esta atrofia do sistema socioeconômico imperante que é o desemprego. Não me surpreende que também vocês, às vezes, sejam vigiados ou perseguidos, e que os soberbos não se interessem por aquilo que vocês dizem”.
As palavras de Francisco são simples e objetivas! Não deixam dúvidas! Será que nós, os cristãos e cristãs de hoje, acreditamos que os Movimentos Populares, quando lutam pelo direito a um trabalho digno, ‘imitam Jesus’ que cura, restituindo à pessoa humana a capacidade de trabalhar e, com ela, sua dignidade? Pensemos!

O Papa acrescenta: “Naquele sábado Jesus arriscou a sua vida porque, depois de ter curado a mão, os fariseus e os herodianos (cf. Mc 3, 6), dois partidos opostos entre si, que temiam o povo e também o império, fizeram os seus cálculos e conspiraram para mata-lo. Sei que muitos de vocês arriscam a vida. Sei - e desejo recordá-lo, quero recordá-la - que alguns não estão aqui hoje porque apostaram a sua vida… Por isso, não há amor maior do que dar a própria vida. É isto que Jesus nos ensina”.
Francisco declara: “Os ‘3 t’ (terra, teto, trabalho), o grito de vocês que faço meu, tem algo daquela inteligência humilde, mas ao mesmo tempo forte e curadora. Um projeto-ponte dos povos diante do projeto-muro do dinheiro. Um programa que visa o desenvolvimento humano integral”.
Continua dizendo: “O contrário do desenvolvimento, poder-se-ia dizer, é a atrofia, a paralisia. Temos o dever de ajudar a curar o mundo da sua atrofia moral. Este sistema atrofiado é capaz de fornecer algumas ‘próteses’ cosméticas que não constituem verdadeiros desenvolvimentos: crescimento da economia, progressos tecnológicos, maior ‘eficiência’ para produzir coisas que se compram, se usam e se abandonam, envolvendo-nos a todos numa vertiginosa dinâmica do descarte… Mas este mundo não permite o desenvolvimento do ser humano na sua totalidade, o desenvolvimento que não se reduz ao consumo, que não se limita ao bem-estar de poucos, que inclui todos os povos e as pessoas na plenitude da sua dignidade, desfrutando fraternalmente da maravilha da criação. Este é o desenvolvimento do qual nós temos necessidade: humano, integral, respeitoso com a criação, com a casa comum”. É este o desenvolvimento que nós queremos e pelo qual lutamos!

As palavras do Papa não nos permitem ficar em cima do muro! Elas nos questionam, nos incomodam, nos fazem refletir e nos obrigam a tomar atitudes concretas diante dos desafios que a realidade de hoje nos apresenta!



Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 25 de janeiro de 2017 

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