No tema “O amor e as pontes” destaco o
terceiro ponto marcante do Discurso do Papa Francisco aos
participantes do 3º EMMP: um projeto-ponte dos povos diante do
projeto-muro do dinheiro.
Francisco
começa a apresentação do tema citando dois fatos da vida de Jesus
de Nazaré, que - diz ele - aconteceram “num dia como este, num
sábado” e que, como afirma o Evangelho, “precipitaram o complô
para mata-lo”.
O primeiro fato: “Jesus passava com os
seus discípulos por um campo de semeadura. Os discípulos estavam
com fome e comeram algumas espigas. Nada se diz sobre o ‘dono’
daquele campo… encontrava-se subjacente a destinação universal
dos bens. O certo é que, diante da fome, Jesus deu prioridade à
dignidade dos filhos de Deus, antes que a uma interpretação
formalística, conciliante e interessada da norma”. Quanta clareza
nas palavras do Papa! A vida está acima de qualquer norma!
“Quando os doutores da lei - diz ainda o
Papa Francisco - se queixaram com indignação hipócrita, Jesus
recordou-lhes que Deus quer
amor, não sacrifícios, e explicou
que o sábado foi feito para o ser humano, e não o ser humano para o
sábado (cf. Mc 2,
27). Jesus enfrentou o pensamento hipócrita e presunçoso com a
inteligência humilde do coração (cf. Homilia
no I Congreso
de Evangelización de la Cultura, Buenos
Aires, 3 de novembro de 2006), que dá sempre a prioridade ao ser
humano e não aceita que determinadas lógicas impeçam a sua
liberdade de viver, amar e servir o próximo”.
O segundo fato: “Em seguida, naquele
mesmo dia, Jesus fez algo ‘pior’, uma coisa que irritou ainda
mais os hipócritas e os soberbos que o observavam, porque procuravam
uma desculpa para capturá-lo. Curou a mão atrofiada de um homem. A
mão, um sinal tão forte de ação, de trabalho. Jesus restituiu
àquele homem a capacidade de trabalhar e, com ela, a sua dignidade”.
Consciente da realidade de hoje, o Papa com
dor no coração exclama: “Quantas mãos atrofiadas, quantas
pessoas privadas da dignidade do trabalho!”. E, mais uma vez,
denuncia: “Porque para defender sistemas injustos, os hipócritas
opõem-se a tais curas”.
Dirigindo-se carinhosamente aos Movimentos
Populares, o Papa diz: “Às vezes penso que quando vocês, os
pobres organizados, inventam o seu próprio trabalho, criando uma
cooperativa, recuperando uma fábrica falida, reciclando os descartes
da sociedade consumista, enfrentando a inclemência do tempo para
vender numa praça, reivindicando um pequeno pedaço de terra para
cultivar e alimentar quem tem fome, quando fazem isto imitam Jesus
(reparem: imitam Jesus!) porque procuram curar, mesmo que seja só um
pouco e de modo precário, esta atrofia do sistema socioeconômico
imperante que é o desemprego. Não me surpreende que também vocês,
às vezes, sejam vigiados ou perseguidos, e que os soberbos não se
interessem por aquilo que vocês dizem”.
As palavras de Francisco são simples e
objetivas! Não deixam dúvidas! Será que nós, os cristãos e
cristãs de hoje, acreditamos que os Movimentos Populares, quando
lutam pelo direito a um trabalho digno, ‘imitam Jesus’ que cura,
restituindo à pessoa humana a capacidade de trabalhar e, com ela,
sua dignidade? Pensemos!
O Papa acrescenta: “Naquele sábado Jesus
arriscou a sua vida porque, depois de ter curado a mão, os fariseus
e os herodianos (cf. Mc 3,
6), dois partidos opostos entre si, que temiam o povo e também o
império, fizeram os seus cálculos e conspiraram para mata-lo. Sei
que muitos de vocês arriscam a vida. Sei - e desejo recordá-lo,
quero recordá-la -
que alguns não estão aqui hoje porque apostaram a sua vida… Por
isso, não há amor maior do que dar a própria vida. É isto que
Jesus nos ensina”.
Francisco declara: “Os ‘3 t’ (terra,
teto, trabalho), o grito de vocês que faço meu, tem algo daquela
inteligência humilde, mas ao mesmo tempo forte e curadora. Um
projeto-ponte dos povos diante do projeto-muro do dinheiro. Um
programa que visa o desenvolvimento humano integral”.
Continua dizendo: “O contrário do
desenvolvimento, poder-se-ia dizer, é a atrofia, a paralisia. Temos
o dever de ajudar a curar o mundo da sua atrofia moral. Este sistema
atrofiado é capaz de fornecer algumas ‘próteses’ cosméticas
que não constituem verdadeiros desenvolvimentos: crescimento da
economia, progressos tecnológicos, maior ‘eficiência’ para
produzir coisas que se compram, se usam e se abandonam,
envolvendo-nos a todos numa vertiginosa dinâmica do descarte… Mas
este mundo não permite o desenvolvimento do ser humano na sua
totalidade, o desenvolvimento que não se reduz ao consumo, que não
se limita ao bem-estar de poucos, que inclui todos os povos e as
pessoas na plenitude da sua dignidade, desfrutando fraternalmente da
maravilha da criação. Este é o desenvolvimento do qual nós temos
necessidade: humano, integral, respeitoso com a criação, com a casa
comum”. É este o desenvolvimento que nós queremos e pelo qual
lutamos!
As palavras do Papa não nos permitem ficar
em cima do muro! Elas nos questionam, nos incomodam, nos fazem
refletir e nos obrigam a tomar atitudes concretas diante dos desafios
que a realidade de hoje nos apresenta!
Fr.
Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor
em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor
aposentado de Filosofia da UFG
E-mail:
mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia,
25 de janeiro de 2017
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