Neste 5º artigo sobre o 2º Encontro
Mundial dos Movimentos Populares destaco o quarto ponto marcante do
Discurso do Papa Francisco: “unir os nossos povos no caminho da paz
e da justiça” (que é a segunda grande tarefa proposta por
Francisco aos Movimentos Populares).
O Papa Francisco começa dizendo: “Os
povos do mundo querem ser artífices do seu próprio destino. Querem
caminhar em paz para a justiça. Não querem tutelas nem
interferências, onde o mais forte subordina o mais fraco. Querem que
a sua cultura, o seu idioma, os seus processos sociais e tradições
religiosas sejam respeitados”.
E ainda: “Nenhum poder efetivamente
constituído tem direito de privar os países pobres do pleno
exercício da sua soberania e, quando o fazem, vemos novas formas de
colonialismo que afetam seriamente as possibilidades de paz e
justiça, porque ‘a paz funda-se não só no respeito pelos
direitos do ser humano, mas também no respeito pelos direitos dos
povos, sobretudo o direito à independência’” (cita o “Compêndio
da Doutrina Social da Igreja” do Pontifício Conselho ‘Justiça e
Paz’, 157).
Francisco lembra: “Os povos da América
Latina alcançaram, com um parto doloroso, a sua independência
política e, desde então, viveram já quase dois séculos duma
história dramática e cheia de contradições, procurando conquistar
uma independência plena”.
E
constata: “Nos últimos anos, depois de tantos mal-entendidos,
muitos países latino-americanos viram crescer a fraternidade entre
os seus povos. Os Governos da região juntaram seus esforços para
fazer respeitar a sua soberania, a de cada país e a da região como
um todo que, de forma muito bela como faziam os nossos antepassados,
chamam a ‘Pátria Grande’”.
O Papa faz, pois, um pedido aos Movimentos
Populares: “Peço-vos, irmãos e irmãs dos Movimentos Populares,
que cuidem e façam crescer esta unidade. É necessário manter a
unidade contra toda tentativa de divisão, para que a região cresça
em paz e justiça”.
Francisco reconhece: “Apesar destes
avanços, ainda subsistem fatores que atentam contra este
desenvolvimento humano equitativo e limitam a soberania dos países
da ‘Pátria Grande’ e doutras latitudes do Planeta. O novo
colonialismo assume variadas fisionomias. Às vezes, é o poder
anônimo do ídolo dinheiro: corporações, credores, alguns tratados
denominados ‘de livre comércio’ e a imposição de medidas de
‘austeridade’ que sempre apertam o cinto dos trabalhadores e dos
pobres”.
O Papa lembra ainda: “Os bispos
latino-americanos denunciam-no muito claramente, no Documento de
Aparecida (66), quando afirmam que ‘as instituições financeiras e
as empresas transnacionais se fortalecem ao ponto de subordinar as
economias locais, sobretudo debilitando os Estados, que aparecem cada
vez mais impotentes para levar adiante projetos de desenvolvimento a
serviço de suas populações’”.
Como um verdadeiro profeta, Francisco
denuncia: “Noutras ocasiões, sob o nobre disfarce da luta contra a
corrupção, o narcotráfico ou o terrorismo - graves males dos
nossos tempos que requerem uma ação internacional coordenada -
vemos que se impõem aos Estados medidas que pouco têm a ver com a
resolução de tais problemáticas e muitas vezes tornam as coisas
piores”.
E continua: “Da mesma forma, a
concentração monopolista dos meios de comunicação social, que
pretende impor padrões alienantes de consumo e certa uniformidade
cultural, é outra das formas que adota o novo colonialismo. É o
colonialismo ideológico. Como dizem os bispos da África,
muitas vezes pretende-se converter os países pobres em ‘peças de
um mecanismo, partes de uma engrenagem gigante’” (cita a
Exortação Apostólica pós-sinodal “Ecclesia in Africa” de São
João Paulo II, 52).
O Papa conclui dizendo: “Temos de
reconhecer que nenhum dos graves problemas da humanidade pode ser
resolvido sem a interação dos Estados e dos povos a nível
internacional. Qualquer ato de envergadura realizado numa parte do
Planeta repercute-se no todo em termos econômicos, ecológicos,
sociais e culturais. Até o crime e a violência se globalizaram. Por
isso, nenhum Governo pode atuar à margem duma responsabilidade
comum. Se queremos realmente uma mudança positiva, temos de assumir
humildemente a nossa interdependência. Mas interação não é
sinónimo de imposição, não é subordinação de uns em função
dos interesses dos outros”.
Sempre com muito realismo, Francisco
afirma: “O colonialismo, novo e velho, que reduz os países
pobres a meros fornecedores de matérias-primas e mão de obra
barata, gera violência, miséria, emigrações forçadas e todos os
males que vêm juntos... precisamente porque, ao pôr a periferia em
função do centro, nega-lhes o direito a um desenvolvimento
integral. Isto é desigualdade, e a desigualdade gera violência que
nenhum recurso policial, militar ou dos serviços secretos será
capaz de deter”.
Quanta clareza e quanta sabedoria nas
palavras de Papa! Meditemos! Diante dessa realidade desumana e
antievangélica, Francisco convida-nos a tomar uma posição clara,
sem meios termos e sem ambiguidades: “Digamos
NÃO às velhas e novas formas de colonialismo. Digamos SIM ao
encontro entre povos e culturas. Bem-aventurados os que trabalham
pela paz”.
Por último, o Papa diz: “Aqui quero
deter-me num tema importante. É que alguém poderá, com direito,
dizer: ‘quando o Papa fala de colonialismo, esquece-se de certas
ações da Igreja’. Com pesar, vo-lo digo: Cometeram-se muitos e
graves pecados contra os povos nativos da América, em nome de Deus.
Reconheceram-no os meus antecessores, afirmou-o o CELAM e
quero reafirmá-lo eu também. Como São João Paulo II, peço
que a Igreja ‘se ajoelhe diante de Deus e implore o perdão pelos
pecados passados e presentes dos seus filhos’” (cita a Bula
“Incarnationis mysterium” de São João Paulo II, 11).
E afirma: “Digo-vos que quero ser muito
claro, como foi São João Paulo II: Peço humildemente
perdão, não só pelas ofensas da própria Igreja, mas também pelos
crimes contra os povos nativos durante a chamada conquista da
América. Peço-vos também a todos, crentes e não crentes, que se
recordem de tantos bispos, sacerdotes e leigos que pregaram e pregam
a Boa Nova de Jesus com coragem e mansidão, respeito e em paz; que,
na sua passagem por esta vida, deixaram impressionantes obras de
promoção humana e de amor, pondo-se muitas vezes ao lado dos povos
indígenas ou acompanhando os próprios Movimentos Populares mesmo
até ao martírio”.
Francisco declara: “A Igreja, os seus
filhos e filhas, fazem parte da identidade dos povos na América
Latina. Identidade que alguns poderes, tanto aqui como noutros
países, se empenham por apagar, talvez porque a nossa fé é
revolucionária, porque a nossa fé desafia a tirania do ídolo
dinheiro”.
Irmãos e irmãs, reparem a radicalidade
evangélica dessas palavras: “a nossa fé é revolucionária”,
“a nossa fé desafia a tirania do ídolo dinheiro”! Como cidadãos
e cidadãs, cristãos e cristãs, o Papa nos provoca, nos faz
refletir e nos impele a tomar atitudes firmes.
Com
muita dor no coração, Francisco reconhece: “Hoje vemos, com
horror, como no Médio Oriente e noutros lugares do mundo
se persegue, tortura, assassina a muitos irmãos nossos pela sua fé
em Jesus. Isto também devemos denunciá-lo: dentro desta terceira
guerra mundial em parcelas que vivemos, há uma espécie de genocídio
em curso que deve cessar”. Mais uma vez, irmãos e irmãs, reparem
as palavras: “terceira guerra mundial em parcelas”. Não dá para
sermos indiferentes diante dessa realidade!
O Papa termina essa parte de seu discurso
expressando sua solidariedade de irmão aos povos indígenas: “Aos
irmãos e irmãs do movimento indígena latino-americano, deixem-me
expressar a minha mais profunda estima e felicitá-los por procurarem
a conjugação dos seus povos e culturas segundo uma forma de
convivência, a que eu chamo poliédrica, onde as partes conservam a
sua identidade construindo, juntas, uma pluralidade que não atenta
contra a unidade, mas fortalece-a. A procura desta
interculturalidade, que conjuga a reafirmação dos direitos dos
povos nativos com o respeito à integridade territorial dos Estados,
enriquece-nos e fortalece-nos a todos”.
Quanta sensibilidade, quanta ternura e
quanta sintonia com os desafios do mundo de hoje nas palavras e nas
atitudes do nosso irmão Francisco! E nós cristãos e cristãs - em
nossas Pastorais Sociais e Ambientais - temos essa mesma
sensibilidade, essa mesma ternura e essa mesma sintonia? Pensemos!
Fr
Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor
em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor
aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia,
04 de novembro de 2015