domingo, 31 de julho de 2011

25 Anos do 6º Encontro Interreclesial das CEBs

Há 25 anos, do dia 21 a 25 de julho de 1986 (depois de um ano, um mês e 20 dias da Páscoa definitiva do grande Pastor-Profeta Dom Fernando Gomes dos Santos, arcebispo de Goiânia), aconteceu em Trindade - GO o 6º Encontro Interreclesial das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) com o tema: “CEBs, Povo de Deus em Busca da Terra Prometida”.
O Encontro contou com 1.647 participantes, dentre os quais 742 representantes das bases, 203 agentes de pastoral, 30 assessores, 51 bispos, 16 representantes de Igrejas evangélicas, 10 representantes dos povos indígenas, e observadores nacionais e estrangeiros.
“O 6º Interreclesial significou uma virada decisiva na vida dos Interreclesiais. (...) Os Encontros Interreclesiais das CEBs passam, em Trindade, por uma transformação de sua natureza. (...) Em razão da proporção dos participantes, bem mais acentuada com respeito aos Encontros anteriores, não havia condições plausíveis para um estudo mais aprofundado sobre os temas propostos. Num evento de quase duas mil pessoas não se podia mais, evidentemente, privilegiar o momento reflexivo. A dimensão celebrativa passa a ocupar lugar de centralidade, o que não significa ausência da dimensão reflexiva, que permanecerá em cena. A novidade é que a partir de então os tempos fortes dos Interreclesiais serão ocupados por grandes e vibrantes celebrações de fé. As celebrações do Interreclesial de Trindade foram extremamente criativas, com destaque para a presença de símbolos gestados na ampla e profunda experiência de enraizamento popular das Comunidades” (Os Interreclesiais das CEBs: Identidade em construção!, Persp. Real. 29 (1997) 155-187). Diversas vezes, destacou-se que “a Santíssima Trindade é a melhor Comunidade”.
Em sintonia com o tema central, outros grandes temas - ligados à caminhada das CEBs - marcaram o 6º Interreclesial: CEBs e seu estatuto eclesiológico (identidade e missão, fé e política, espiritualidade libertadora e Bíblia, hierarquia e ministérios); CEBs e política partidária; CEBs e projeto político popular; CEBs e sindicalismo; CEBs e movimentos populares; CEBs e lutas específicas (mulheres, negros e índios); CEBs e luta pela terra (terra de Deus, terra de irmãos): CEBs e reforma agrária (projetos do governo); CEBs e moradia (solo urbano); CEBs e questão latino-americana; CEBs e ecumenismo; e outros.
No Encontro, falou-se muito das CEBs como um novo jeito ou “um novo modo de ser Igreja” (CNBB. As Comunidades Eclesiais de Base na Igreja do Brasil, 1982, doc. 25, 3) e “um novo modo de toda a Igreja ser”. Entre as duas expressões não há, a meu ver, contradição; elas se complementam a partir de enfoques diferentes. Por “um novo modo de ser Igreja”, entende-se “um espírito ou referência inspiracional e não uma forma ou uma estrutura específica” (Os Interreclesiais das CEBs: Identidade em construção!, o.c.). Se as CEBs - como foi afirmado em 2000, no 10º Interreclesial - têm 2000 anos de caminhada, pode-se dizer também que elas são, ao mesmo tempo, “um novo e antigo modo de ser Igreja”: “um novo modo”, pela escuta dos sinais dos tempos, ligando a fé com a vida; “um antigo modo”, pela volta às fontes, redescobrindo a principal motivação, que é a motivação bíblica (Êxodo, Profetas, Jesus de Nazaré).
Por “um novo modo de toda a Igreja ser”, não se quer defender “um modo único de ser Igreja” ou a uniformidade na Igreja, mas se quer apontar uma meta (uma utopia, um ideal): viver, de forma sempre mais radical (radicalidade evangélica), aquilo que define ou caracteriza o ser de toda a Igreja, nas suas mais variadas manifestações, segundo o projeto de Jesus de Nazaré. Para toda a Igreja, o grande referencial deve ser a práxis de Jesus de Nazaré ou, em outras palavras, o seu jeito de ser e viver. Toda a Igreja deve ser e viver hoje como Jesus foi e viveu na época dele.
Pode-se afirmar que as CEBs “são herdeiras do sonho de Jesus e de sua missão libertadora” (Carta dos bispos às Comunidades Eclesiais de Base. 10º Interreclesial: 11-15/07/2000). É nesse sentido que se pode dizer também que as CEBs são “um modo normal de toda a Igreja ser” (Dom Pedro Casaldáliga, 2000).
“Um novo modo de ser Igreja” e “um novo modo de toda a Igreja ser” leva necessariamente a “um novo modo de a Igreja estar presente ao mundo” (CNBB, doc. 25, 4).
Antes do Encontro de Trindade, foram realizados 5 Interreclesiais:
1º Interreclesial: Aconteceu na cidade de Vitória (ES), de 06 a 08 de janeiro de 1975, com o tema: “Uma Igreja que nasce do Povo pelo Espírito de Deus”. Dele participaram 70 pessoas, representantes de 11 dioceses. Foi enfatizada a importância da participação.
2º Interreclesial: Também realizado na cidade de Vitória (ES), de 29 de julho a 1º de agosto de 1976, com o tema: “Igreja, Povo que caminha”. Contou com 100 participantes. No processo de nova consciência socioeclesial, o 2º Interreclesial favoreceu a compreensão de que a fé não pode ser separada da vida e que a Palavra de Deus se revela também na história do Povo.
3º Interreclesial: Foi em João Pessoa (PB), de 19 a 23 de julho de 1978, com o tema: “Igreja, Povo que se liberta”. Dele participaram 200 pessoas. Em relação aos Encontros anteriores, houve uma significativa mudança. Grande parte da assembleia era constituída de gente simples. Assessores e bispos colocavam-se no lugar de ouvintes da palavra dos pobres e pequenos, de sua história e paixão, de seus sonhos e esperanças.
4º Interreclesial: Aconteceu em Itaici (SP), de 20 a 24 de abril de 1981, com o tema: “Igreja, Povo Oprimido que se organiza para a Libertação”. 300 pessoas estavam presentes. O Encontro deixa claro que as CEBs, em razão de sua identidade religiosa ou de sua eclesialidade, não podem se transformar em células partidárias, mas tampouco podem deixar de lado sua educação política. As CEBs devem ser lugar de vivência, aprofundamento e celebração da fé, mas também lugar onde se confrontam vida e prática com a Palavra de Deus, no sentido de se verificar a coerência da ação política com o plano de Deus.
5º Interreclesial: Foi em Canindé (CE), de 04 a 08 de julho de 1983, com o tema: “Igreja, Povo Unido, Semente de uma Nova Sociedade”. Contou com 500 participantes, inclusive com representantes de outros países da América Latina. A reflexão central do Encontro foi que, na luta por uma nova sociedade, as CEBs encontram na motivação evangélica a razão última de todo seu empenho.
Depois do Encontro de Trindade, aconteceram mais seis Interreclesiais:
7º Interreclesial: Foi em Duque de Caxias (RJ), de 10 a 14 de julho de 1989, com o tema: “Povo de Deus na América Latina, a Caminho da Libertação”. 2.500 pessoas participaram desse Encontro, que teve sua temática geral subdividida em três questões específicas: a situação da América Latina, a relação entre fé e libertação, a eclesialidade das CEBs e sua dimensão ecumênica.
8º Interreclesial: Aconteceu em Santa Maria (RS), de 08 a 12 de setembro de 1992, com o tema: “Povo de Deus, renascendo das Culturas Oprimidas”. 2.800 pessoas estavam presentes. Cada bloco encarregou-se de um tema: índios, negros, migrantes, trabalhadores e mulheres. Esta experiência inovadora de evangelização a partir dos povos e culturas oprimidas não ocorreu sem momentos de forte dificuldade e tensão, conforme o que testemunha o documento final: “Tudo que é novo nasce com dor de parto, mas também traz alegria”. Em especial, dos blocos dos negros e das mulheres vieram as reivindicações mais contundentes.
9º Interreclesial: Aconteceu em São Luiz (MA), de 15 a 19 de julho de 1997, com o tema: “CEBs, Vida e Esperança nas Massas”. Contou com 2.800 participantes. O tema foi subdividido em seis eixos, formando a base do trabalho nos blocos temáticos. São eles: CEBs e catolicismo popular; CEBs e religiões afro; CEBs e pentecostalismo; CEBs e cultura de massa; CEBs e movimento popular (excluídos); CEBs e questão indígena.
10º Interreclesial: Foi em Ilhéus (BA), de 11 a 15 de julho de 2000, com o tema: “CEBs, Povo de Deus, 2000 Anos de Caminhada”. Dele participaram 3.036 pessoas. Recordou-se o sonho de Jesus e a vida de Comunidade assumida por seus seguidores e seguidoras de ontem e de hoje. O Encontro avaliou e celebrou os 500 anos de evangelização no Brasil e os 25 anos dos Interreclesiais, através das temáticas: CEBs, memória e caminhada; sonho e compromisso. Tudo isso para celebrar, festejar, avaliar e abrir novos horizontes para que um dia possamos colher os frutos da justiça, da partilha, da igualdade, da ternura, do carinho e da festa.
11º Interreclesial: Teve lugar em Ipatinga (MG), de 19 a 23 de julho de 2005, com o tema: “CEBs, Espiritualidade Libertadora. Seguir Jesus no Compromisso com os Excluídos”. Houve a participação de aproximadamente 4.000 pessoas. O Encontro foi avaliado, no seu conjunto, como um “Novo Pentecostes” que, alimentado por uma espiritualidade autenticamente libertadora, uniu e reuniu povos e línguas, raças e nações, para celebrar o amor do Deus Libertador, parceiro dos pobres e oprimidos, renovando em todos e todas o empenho de “seguir Jesus no compromisso com os excluídos” (Cf. Retrospectiva dos Interreclesiais das CEBs: www.lucimarbueno.blogspot.com - 09/01/09).
12º Interreclesial: Aconteceu em Porto Velho (RO), de 21 a 25 de julho de 2009, com o tema: “CEBs: Ecologia e Missão. Do Ventre da Terra, o Grito que vem da Amazônia”.
Na abertura do Encontro, o Arcebispo de Porto Velho Dom Moacyr Grecchi, a líder indígena e educadora Eva Canoé, e o teólogo e assessor nacional das CEBs Padre Benedito Ferraro falaram sobre o trabalho das CEBs. Para Ferraro, o grande papel das CEBs, que têm um forte compromisso social, é a busca pela libertação, em todos os sentidos: econômico, político, ecológico, cultural, espiritual, sexual, e outros.
Dom Moacyr enfatizou a alegria de receber o Encontro das CEBs na cidade de Porto Velho e destacou as lutas das Comunidades. Ele citou o provérbio africano “gente simples, fazendo coisas pequenas em lugares sem importância, conseguem mudanças extraordinárias”, que, segundo ele, é o retrato das CEBs hoje.
Para Eva Canoé, as CEBs respeitam e consideram muito a cultura e a religião dos povos indígenas, em suas crenças e seus rituais. Além disso, ela afirmou que a Igreja, organizada em Comunidades de Base, valoriza a autonomia dos povos indígenas, apóia suas lutas e sua causa, e se importa com seus direitos e necessidades (Cf. Maíra Heinem. E o trem das CEBs chega à Amazônia: www.brasildefato.com.br - 04/08/09)
13º Intereclesial das CEBs: Acontecerá, de 07 a 11 de janeiro de 2014, em Crato (CE). Esse Encontro terá como tema: “Justiça e Profecia a Serviço da Vida. CEBs, Romeiras do Reino no Campo e na Cidade”.
A atualidade das CEBs foi reafirmada pelo Documento de Aparecida, da 5ª Conferência do Episcopado da América Latina e do Caribe, e pelo Documento (oficial) “Mensagem ao Povo de Deus sobre as CEBs”, da 48ª Assembleia Geral da CNBB. Reparem que a Mensagem é dirigida a todo o Povo de Deus, a toda a Igreja. Não se diz “Mensagem às CEBs”, mas “Mensagem ao Povo de Deus sobre as CEBs”.
Na Mensagem os bispos, retomando as palavras do Doc. 25, de 1982. dizem: “’As Comunidades Eclesiais de Base’ constituem, ‘em nosso país, uma realidade que expressa um dos traços mais dinâmicos da vida da Igreja (...)’ (CNBB, Doc. 25, 1). Após a Conferência de Aparecida (2007) e o 12º Interreclesial (Porto Velho - 2009), queremos oferecer a todos os nossos irmãos e irmãs uma mensagem de animação, embora breve, para a caminhada de nossas CEBs.
Queremos reafirmar que elas continuam sendo um ‘sinal da vitalidade da Igreja’ (“Redemptoris Missio” - RM 51). Os discípulos e as discípulas de Cristo nelas se reúnem para uma atenta escuta da Palavra de Deus, para a busca de relações mais fraternas, para celebrar os mistérios cristãos em sua vida e para assumir o compromisso de transformação da sociedade. Além disso, como afirma Medellín, as Comunidades de Base são ‘o primeiro e fundamental núcleo eclesial (...), célula inicial da estrutura eclesial e foco de evangelização e, atualmente, fator primordial da promoção humana (...)’ (Medellín 15).
Por isso, ‘Como pastores, atentos à vida da Igreja em nossa sociedade, queremos olhá-las com carinho, estar à sua escuta e tentar descobrir através de sua vida, tão intimamente ligada à história do povo no qual elas estão inseridas, o caminho que se abre diante delas para o futuro’ (CNBB, Doc. 25, 5)”.
A Mensagem fala, pois, dos novos desafios que as CEBs enfrentam hoje, numa sociedade globalizada e urbanizada, por causa das “grandes mudanças que estão acontecendo no mundo inteiro e em nosso país”. Fala-se atualmente que “o mundo vive não mais uma época de mudanças, mas ‘uma mudança de época, cujo nível mais profundo é o cultural’ (Documento de Aparecida - DA, 44)”. Conclui a Mensagem: “Só uma Igreja com diferentes jeitos de viver a mesma fé será capaz de dialogar relevantemente com a sociedade contemporânea”.

Fazendo a memória dos 25 anos do 6º Interreclesial das CEBs em Trindade - GO (“CEBs, Povo de Deus em Busca da Terra Prometida”) e, ao mesmo tempo, iniciando a nossa caminhada espiritual rumo ao 13º Interreclesial em Crato - CE (“Justiça e Profecia a Serviço da Vida. CEBs, Romeiras do Reino no Campo e na Cidade”), em janeiro/14, sugiro que as CEBs da Arquidiocese de Goiânia e das Dioceses do Regional Centro Oeste da CNBB - com a participação de representantes das CEBs do Brasil inteiro - organizem uma grande Romaria das CEBs (uma viagem especial do trem das CEBs) ao Santuário do Divino Pai Eterno em Trindade - GO, por ocasião do encerramento do mês da Bíblia (setembro/11) ou do mês missionário (outubro/11). Quem sabe, poderia se tornar uma tradição anual!
Diário da Manhã, Opinião Pública, Goiânia, 31/07/11, p. 6 


 Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra

domingo, 10 de julho de 2011

As mortes do sistema público de saúde: quem vai responder por elas?

“Saúde perde R$ 12 bi por maquiagem de Estados” (Folha de S. Paulo, 04/07/11, Manchete, 1ª página). “Maquiagem infla gastos com saúde em R$ 12 bilhões” (Ib., Manchete, p. A4). “Estados usam despesas de outras áreas para cumprir exigência constitucional. Prestações de contas entregues a ministério incluem investimentos em presídios, educação e até aposentadorias. Ministério diz que Estados declaram mais gastos com saúde do que realizam de fato” (Ib.).
A emenda constitucional 29, de 13/09/2000, determina que os Estados invistam na saúde pública 12% de suas receitas, no mínimo. A maioria dos Estados não cumpre a legislação. “Os 27 Estados declaram gastos de R$ 115 bilhões com saúde de 2004 a 2008. Depois de examinar suas prestações de contas, o ministério concluiu que R$ 11,6 bilhões se referiam a despesas com outras áreas, que não poderiam ser usadas para cumprir a lei. Esse dinheiro corresponde a 10% dos gastos informados pelos Estados nesses cinco anos e seria suficiente para manter por um ano 13 ambulâncias do SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) em cada um dos 5,5 mil municípios do país” (Ib.).
            Que absurdo! Que irresponsabilidade! Vejam, como exemplo, as consequências desse absurdo e dessa irresponsabilidade na saúde pública, em Goiânia. “62 morreram em um mês à espera de UTI” (O Popular, 05/07/11, Manchete, 1ª página). “Duas pessoas morrem por dia à espera de vaga em UTI” (Ib., Manchete, p. 3). “Sessenta e um pacientes morreram no mês de junho em Goiânia, internados em Centros de Atendimento Integral à Saúde (Cais) ou no Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo), enquanto aguardavam vaga de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), o que corresponde a uma média de duas mortes diárias” (Ib.).
O drama da falta de vagas para internação em leitos especializados de UTI continua. Só no mês de junho, a média diária de pacientes na fila de espera foi de 14. O tempo de espera chega a quatro dias ou mais. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), Goiânia conta com 315 leitos de UTI contratados, que internam mensalmente 12 mil pessoas (Cf. Ib.).
            Há menos de um mês, escrevi um artigo com o título: “Uma saúde pública criminosa” (Cf. Diário da Manhã, Opinião Pública, 11/06/11, p. 3;  www.adital.com.br - 14/06/11). Lendo, nestes dias, as manchetes da imprensa nacional e local a respeito da saúde pública, fiquei profundamente indignado e senti a necessidade de voltar a escrever sobre o assunto. A situação da saúde pública é realmente uma calamidade e um descalabro total. É uma situação de ficar abismados com tanto desrespeito para com o povo. Pergunto: quem vai responder  judicialmente pelos 62 pacientes que, num mês, morreram no Hugo e nos Cais de Goiânia, enquanto aguardavam uma vaga de UTI?  Reparem: em média, são duas pessoas mortas por dia só em Goiânia. Trata-se de verdadeiros assassinatos do sistema público de saúde. Será que essa trágica realidade não diz nada às nossas autoridades? Parece que nós nos acostumamos a conviver com ela como algo natural.
            Deixar de prestar assistência em casos de urgência ou perigo de vida é crime de omissão de socorro. O Código Penal reza: “Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo de vida; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública: Pena - detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa” (Art. 135). “A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte” (Parágrafo único).
O secretário de Saúde do município de Goiânia, Elias Rassi Neto - para tentar reduzir o número de óbitos, a fila e o tempo de espera de uma vaga de UTI - tomou algumas medidas, assinando três portarias. A primeira (válida só para pacientes adultos e entubados) é “a mais abrangente delas” e “aumenta em 50% o valor médio da diária de UTI, que é de R$ 478,72, e vai para R$ 718,08”.
A segunda portaria “quase triplica o valor pago pela diária de UTI para queimados” e “aumenta de dois para três o número de leitos oferecidos pelo Pronto-Socorro para Queimaduras, único hospital que conta com tratamento intensivo nessa área”. Hoje, a diária de UTI para queimados “é de R$ 322,22. O valor total chegará a R$ 957,44”.
A terceira portaria “dispõe sobre a contratação de servidores de hemodiálise para pacientes internados, aguardando vagas de UTI, nos 13 Cais de Goiânia. Atualmente não existe esse tipo de serviço” (O Popular, 05/07/11, p. 3).
Essas medidas do secretário de Saúde são positivas e podem melhorar a situação dramática da saúde publica, mas não resolvem o problema pela raiz.
Permita-me, secretário, fazer alguns questionamentos. Em primeiro lugar, não se trata de “reduzir o número de óbitos”, mas se trata de acabar com os óbitos por omissão de socorro. Um só óbito por omissão de socorro é crime e os responsáveis devem ser processados, julgados e punidos.
Na renovação do convênio com os hospitais particulares, o Poder Público deveria colocar por escrito (embora não seja, absolutamente falando, necessário) que, em caso de perigo de vida, o paciente deve ser atendido imediatamente numa vaga de UTI, mesmo que seja a pagamento. Segundo acordo preestabelecido e dentro de critérios de justiça, o Poder Público arcará posteriormente com as despesas.
Deixemos de hipocrisia! As vagas de UTI nos hospitais existem; só não existem para pobres. Tenho certeza que se os familiares das 62 pessoas que morreram - dizem - por falta de vagas de UTI, tivessem tido dinheiro para pagar na hora, as vagas de UTI teriam aparecido de imediato e as 62 pessoas - que na verdade morreram não por falta de vagas de UTI, mas por falta de dinheiro para pagar - teriam tido o melhor tratamento possível. Aqui está, infelizmente, a iniquidade do sistema público de saúde, que faz parte de um sistema econômico perverso.
Quando questionado sobre se os hospitais da rede particular selecionam pacientes, rejeitando os idosos, cujos tratamentos são normalmente mais caros, o secretário preferiu não polemizar e afirmou: “Não falo como acusação. Do lado de cá, temos o paciente do SUS; do lado de lá, o mercado, com receitas e despesas. Estamos tentando equacionar o problema” (Ib.).
O secretário parece se esquecer de “um detalhe” muito importante. O “paciente do SUS” é uma pessoa humana, é uma vida humana, que tem um valor infinito, e não pode estar subordinado e nem ser colocado no mesmo nível do “mercado, com receitas e despesas”. Infelizmente, na nossa sociedade capitalista neoliberal, o mercado se tornou o grande ídolo, ao qual - se necessário - tudo pode e deve ser sacrificado, inclusive a vida dos pobres, que são os excluídos, o material descartável da nossa sociedade hipócrita, da nossa sociedade “de bem”. E tudo isso acontece dentro da mais absoluta normalidade e indiferença. È assustador!

Os que defendemos os direitos humanos e os que - em nome de nossa fé cristã - defendemos “a Fraternidade e a Vida no Planeta” (CF 2011) e temos consciência que “a criação geme em dores de parto” (Rm 8,22), não podemos nos calar e deixar de denunciar os assassinatos do sistema público de saúde. Se nós nos calamos, as pedras gritarão (Cf. Lc 19, 40).
Diário da Manhã, Opinião Pública, Goiânia, 09/07/11, p. 3 


Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra


domingo, 3 de julho de 2011

A festa do Divino Pai Eterno Uma reflexão teológico-pastoral

Celebramos no domingo depois da festa de Pentecostes, em comunhão com a Igreja universal (católica), a festa da Santíssima Trindade, que é - podemos dizer - a síntese de todas as festas. Na Arquidiocese de Goiânia, devido ao santuário de Trindade (GO), temos o privilégio - que é uma graça - de celebrarmos mais uma vez a festa da Trindade - com destaque especial ao Divino Pai Eterno - no primeiro domingo de julho, precedida da solene novena, com grande participação do povo de Goiás e do Brasil todo. A festa está se tornando cada vez mais conhecida,
Estamos também no terceiro ano de preparação do Sínodo Arquidiocesano, que tem como tema a Caridade, o Amor. Por isso - para a Igreja de Goiânia - a festa do Divino Pai Eterno se reveste, neste ano, de um sentido particular. Ela nos lembra que Deus é Amor, que Deus é Comunidade de Amor, Pai, Filho e Espírito Santo. Como proclamou o sexto Encontro Intereclesial das CEBs em Trindade (GO) há 25 anos, em julho de 1986, “a Trindade é a melhor Comunidade”.
Quando afirmamos que Deus é Amor, afirmamos, em primeiro lugar, que Deus é. “Deus disse a Moisés: ‘Eu sou Aquele que sou’. E continuou: ‘Você falará assim aos filhos de Israel: Eu Sou me enviou até vocês’” (Ex 3, 14). E ainda: “Eu garanto a vocês: antes que Abraão existisse, Eu Sou” (Jo 8, 58). Deus é. Deus é a plenitude do Ser. O ser humano (homem e mulher) - como tudo o que existe - é, porque Deus é. Deus é a fonte do ser nos seres. “Nele vivemos, nos movemos e existimos” (At, 17, 28).
Cada um de nós pode dizer: Eu sou "eu" antes que alguém possa entrar em contato comigo, mas eu não sou "eu" (no sentido estrito do verbo ser) sem a "presença ontológica" (em linguagem filosófica) ou a “presença criadora” (em linguagem teológica) de Deus que me "põe" no ser, como "põe" no ser tudo o que existe. Neste sentido, Deus é mais íntimo a mim do que eu mesmo (cf. Santo Agostinho, Confissões, III, 6, 11). "Quando eu me torno presente, 'íntimo', a mim mesmo, Deus, de certo modo, 'já' está em mim: presente em mim antes de mim mesmo" (L. Podeur. Imagem moderna do mundo e Fé cristã. Paulinas, São Paulo, 1977, p. 127). A "presença ontológica" de Deus atinge o real por dentro e não por fora; é nisso que se funda toda relação para com Deus. Pela "presença ontológica", "Deus está no mais profundo da realidade; ele é o fundo, porque é o fundamento transcendente (absoluto) de tudo" (Ib. p. 128).
            Em segundo lugar (no sentido lógico e não cronológico), depois de afirmar que Deus é, afirmamos que Deus é Amor (cf. 1Jo 4, 8). O amor é a natureza de Deus, é o ser de Deus. O ser humano é criado à imagem e semelhança de Deus. “Deus disse: ‘façamos o ser humano à nossa imagem e semelhança’” (Gn 1, 26). O ser humano é criado por amor, porque Deus é Amor. Portanto, o ser humano é amor. O amor - que é a natureza de Deus - é também a natureza do ser humano, é o ser do ser humano. “O amor é o meu peso. Para qualquer parte que vá, é ele quem me leva” (S. Agostinho. Confissões, XIII, 9).
O que significa para o ser humano ser amor? O amor define e envolve a totalidade do ser humano no mundo, a totalidade de sua existência, em todas as suas dimensões e relações, para com o mundo (material e vivente), para com os outros (semelhantes) e para com o Outro absoluto (Deus). Essas dimensões e relações são históricas, situadas (no espaço) e datadas (no tempo). Por sua vez, essas dimensões e relações históricas são dimensões e relações estruturais (sociais, econômicas, políticas, ecológicas, culturais) e relações individuais ou interindividuais (corpóreas - incluindo a sexualidade, bio-psíquicas, espirituais ou pessoais). Toda dimensão e relação do ser humano marca o ser humano todo, mas não é a totalidade do ser humano. O amor é, portanto, o jeito “humano” (não “desumano”) de ser e viver em todas as dimensões e relações do ser humano.
Ora, se o ser humano é criado por amor, é criado também para amar. O ser humano existe para amar, é a sua condição existencial. “Somos o que amamos” (S. Agostinho. Cidade de Deus, XIV, 28), isto é, nossa essência está definida pelo que amamos.
Mas o que é realmente amar? Amar é a vocação ontológica do ser humano, ou seja, a vocação do ser humano enquanto ser humano. Amando, o ser humano encontra o verdadeiro sentido da vida; amando, ele é feliz, realizado. “Ama e faze o que quiseres. Se te calas, cala-te movido pelo amor; se falas em tom alto, fala por amor; se corriges, corrige por amor; se perdoas, perdoa por amor. Tem no fundo do coração a raiz do amor: dessa raiz não pode sair senão o bem!“ (S. Agostinho. Comentário à Primeira Carta de João, VII, 8).
E o que significa para o ser humano amar? Se amar é a vocação ontológica do ser humano, amar significa “ser mais”, significa ser sempre mais ser humano e viver sempre mais intensamente (profundamente) sua humanidade, em todas as dimensões e relações. O ser humano, ser pluridimensional e pluri-relacional, é um “vir-a-ser”, um ser de busca permanente.
A vocação ontológica (a vocação do ser humano enquanto ser humano) se constitui (se realiza) e acontece na história (no tempo e no espaço). Há uma dialeticidade, ou, em outras palavras, uma interdependência entre o ontológico e o histórico. Podemos dizer que o ser humano é enquanto histórico e é histórico enquanto é. A vocação ontológica do ser humano torna-se vocação histórica. O ser humano é chamado - permito-me criar uma palavra - a “amorizar” o mundo e a sociedade na qual ele vive, isto é, a impregnar esse mundo e essa sociedade de amor.
Por ser racional e por ter a possibilidade histórica de ser livre (liberdade situada e datada), o ser humano tem também a possibilidade histórica de não-amar. O não-amar (o desamor, o egoísmo) é, porém, uma distorção da vocação ontológica do ser humano. Não-amando, o ser humano perde o sentido da vida; não-amando, ele é infeliz, frustrado.
 A vocação ontológica do ser humano, que se torna vocação histórica, torna-se também vocação meta-histórica. O ser humano histórico meta-historiciza-se (transcende-se) constantemente até à plena meta-historicização (plena transcendência), além do tempo e do espaço, além da morte.
Essa meta-historicização, até à plena meta-historicização alem da morte, acontece e se constitui para a vida (Reino de Deus, Vida eterna) ou para a morte (anti-Reino de Deus, Morte eterna).
A vida eterna, que é o Reino de Deus, começa aqui na terra e acontece em todas as dimensões e relações humanas. “Todo amor quer eternidade - o amor de Deus não só a deseja, como a realiza e é” (J. Ratzinger. Introdução ao cristianismo: preleções sobre o símbolo apostólico. Herder, São Paulo, 1970, p. 302. Citado por: J. B. Libanio, sj. Só se salva e ganha a vida eterna quem aceita Jesus? Nesse caso, só os cristãos serão salvos? Em: Vida Pastoral, julho-agosto de 2011, p. 3). “O amor promete infinito, eternidade - uma realidade maior e totalmente diferente do dia a dia da nossa existência” (Bento XVI. Encíclica “Deus caritas est”, 5). “O amor (...) visa o definitivo: o amor visa a eternidade” (Ib. 6).
Em outras palavras, “a eternidade não se ganha nem se perde, mas é o amor que vivemos aqui e ultrapassa o tempo e espaço para dentro da infinitude de Deus. Então toda pessoa que ama não ganha o céu, é já a eternidade feliz iniciada” (J. B. Libanio, o.c., ib,).
Podemos agora fazer duas perguntas. A primeira é: “Alguém que foi radicalmente egoísta, que não amou seu irmão, poderá salvar-se, quer seja cristão de batismo, quer não? A resposta soa: não. Não porque Deus o condene, mas porque ele se constituiu um ser sem amor. E ser-sem-amor é idêntico a inferno” (Ib.).
A segunda pergunta é: “Quem saiu de si, amou os irmãos, foi fundamentalmente próximo aos demais, se salva, quer seja cristão, quer não? Sim. Mais: ele já é céu aqui na terra e, depois da morte, revelar-se-á plenamente a verdade de tal vida” (Ib., p. 3-4).
Podemos então dizer: “Cristão que não ama não estabelece nenhuma relação de amor e de eternidade com Deus. Portanto, não pode conviver com um Deus que é amor, porque não quer amar. Um não cristão que ama está em íntima relação com o Deus que é amor e, por conseguinte, já começou a ser céu e o será eternamente. Mais correto é dizer que somos céu e não que vamos ao céu. E só se é céu pelo amor. E o contrário. Não perdemos a vida eterna, não vamos para o inferno, como se fosse um lugar, mas nos tornamos inferno, porque não amamos” (Ib.,p. 4). “Se amamos os irmãos, somos comunidade de amor. E a vida eterna não é nada mais que comunidade de amor entre nós na força do amor de Deus que nos sustenta no ser para sempre” (Ib.).
E Jesus de Nazaré? Ele é o Cristo, o Ungido, o Messias, o Salvador, o Filho de Deus, o Enviado do Divino Pai Eterno. Nele, nos tornamos filhos/as de Deus, filhos/as do Divino Pai Eterno, “A prova de que vocês são filhos é o fato de que Deus enviou aos nossos corações o Espírito de seu Filho que clama: Abba, Pai!” (Gl 4, 6). Jesus de Nazaré é Aquele que viveu o amor em grau máximo e nos possibilitou vivê-lo. Retomando as palavras do profeta Isaías, e fazendo delas o seu programa de vida, Jesus afirmou: “O espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa-Notícia aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos, e para proclamar um ano de graça do Senhor”. Depois Jesus declarou: “Hoje se cumpriu essa passagem da Escritura, que vocês acabam de ouvir” (Lc 4, 18-19.21). O “hoje” de que fala Jesus, não é só o “hoje” do tempo dele, mas é também o nosso “hoje”. Os cristãos/ãs, como discípulos/as, somos chamados a continuar a missão de Jesus “hoje”, no mundo e na sociedade em que vivemos.
Jesus de Nazaré veio ao mundo para anunciar a Boa-Notícia do Reino de Deus, denunciando tudo aquilo que é contrário à sua realização. O Reino de Deus “é a grande utopia (seu horizonte ideal e final), que permeia toda a Bíblia. O reconhecimento do único Deus vivo e libertador leva o povo a promover relações de partilha e fraternidade, dirigindo a sociedade e a história para a sua meta final: liberdade e vida em plenitude. Longamente preparado no Antigo Testamento, o Reino de Deus tornou-se o centro do anúncio de Jesus”. A utopia do Reino de Deus “acontece historicamente toda vez que há triunfo da justiça sobre a injustiça” (Bíblia Sagrada, Edição Pastoral. Pequeno Vocabulário: Verbetes “Reino de Deus” e “Utopia”. Edições Paulinas, 1990).
Como Deus é Amor, todos os que amam fazem acontecer o Reino de Deus, mesmo que não conheçam Jesus e não tenham com ele uma relação explícita. “Desconhecendo Jesus, mas amando, alguém participa da fé nele. E por isso já vive incoativamente a eternidade (o Reino de Deus) na medida do amor” (J.B. Libanio, o.c., p. 3).
Celebrar, pois, a festa do Divino Pai Eterno significa celebrar o Amor de Deus em nossa vida e nossa comunhão de amor para com Ele; significa amar e assumir - como romeiros do Divino Pai Eterno - o compromisso de fazer acontecer o Reino de Deus no mundo de hoje. As romarias (realizadas sobretudo durante a novena em preparação à festa, mas também durante o ano todo) devem ser um sinal do desejo que os cristãos católicos - com abertura ecumênica e respeito às diferenças - temos de caminhar juntos como discípulos missionários de Jesus Cristo para que Nele todos os povos tenham vida.
“Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14, 6). “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo. 10, 10). “Deus nos deu a vida eterna, e esta vida está em seu Filho. Quem tem o Filho, tem a vida; quem não tem o Filho de Deus, não tem a vida” (1Jo 5, 11-12). “Jesus, que tinha amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo, 13, 1). Depois de lavar os pés dos discípulos, Ele disse: “Eu lhes dei um exemplo: vocês devem fazer a mesma coisa que eu fiz” (Jo 13, 15). “Amem-se uns aos outros assim como eu amei vocês. Não existe amor maior do que dar a vida pelos amigos” (Jo 15, 12-13).
A imagem, conhecida como sendo do Divino Pai Eterno, do Santuário de Trindade (GO) é, na realidade, a imagem da Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, coroando Maria, que é, ao mesmo tempo, a mãe de Jesus e a discípula mais perfeita Dele. Maria na imagem da Trindade, sendo coroada, tem uma densidade teológica particular e significa a glória: a meta para a qual tende toda a humanidade. Significa o mergulho completo da humanidade no mistério do Amor de Deus, que é a plenitude do mistério pascal: a vida nova em Cristo, a vida segundo o Espírito, a vida eterna. Significa, enfim, a plenitude do Reino de Deus: a plena humanização de Deus e a plena divinização do ser humano (homem e mulher) na mais perfeita Comunidade de Amor. 
Termino a minha reflexão teológico-pastoral com um alerta, muito atual, para os que somos discípulos missionários de Jesus Cristo, para os que somos Igreja. A Boa Notícia do Reino de Deus (o Evangelho) “não se prega com ostensão e brilho, mas com loucura e fraqueza (cf. 1Cor 2, 1-5). O verdadeiro brilho da verdade (cf. a Oração do 13º domingo do Tempo Comum) está em nossa fraqueza, quando não mais escurecemos a luz de Deus em nós e, por nossa fraqueza, nos tornamos um convite à generosidade mais profunda do nosso semelhante. Quanta insensatez é pensar que abriremos os corações com eventos sensacionais e organizações poderosas, que quase inevitavelmente estragam as pessoas que nelas ‘funcionam’” (Pe. Johan Konings, sj. Em:  Vida Pastoral, Roteiros homiléticos, 13º domingo do Tempo Comum, maio-junho de 2011, p. 62-63).

Enfim, sejamos os cristãos/ãs - unidos a todos/as que lutam por um outro mundo possível - “profetas da vida” (Documento de Aparecida – DA, 471), em todas as dimensões e relações humanas. Este é o sentido da festa do Divino Pai Eterno!
Diário da Manhã, Opinião Pública, Goiânia, 02/07/11, p. 4 


 Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra


A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos