Apresentando-se à Igreja de Roma e ao mundo, as primeiras palavras que Francisco pronunciou - certamente inspiradas pelo Espírito Santo - são carregadas de um forte simbolismo e revolucionam, podemos dizer, todas as relações existentes na Igreja. São palavras que revelam uma entranhada empatia com o povo. Francisco coloca-se diante do povo com toda espontaneidade, simplicidade, humildade e fraternidade. Considera-se um irmão pastor, igual aos outros e às outras, que quer servir, caminhar junto com seu povo e dar a vida por ele. É o que Jesus fez. Que Ele abençoe o nosso irmão Francisco em sua nova missão!
Francisco nem usa a palavra “papa”, mas apresenta-se como bispo da Igreja de Roma, que “preside na caridade todas as Igrejas”. Reparem: “na caridade” e não na dominação ou imposição.Trata-se de uma outra eclesiologia, de uma eclesiologia que volta às fontes e entende a Igreja como Comunidade de irmãos e irmãs.
Meditemos suas primeiras palavras, que revelam um jeito novo e, ao mesmo tempo, antigo de ser Igreja: “Irmãos e Irmãs, boa noite! Vocês sabem que o dever do conclave era de dar um bispo a Roma. Parece que meus irmãos cardeais foram buscá-lo quase no fim do mundo. Mas, estamos aqui! Vos agradeço pela acolhida. A comunidade diocesana de Roma tem o seu bispo. Obrigado! Antes de tudo, gostaria de fazer uma oração pelo nosso bispo emérito, Bento XVI. Rezemos todos juntos por ele, para que Deus o abençoe e Nossa Senhora o proteja. (segue a oração do Pai Nosso, da Ave Maria e do Glória ao Pai).
E agora comecemos este caminho bispo e povo. Este é o caminho da Igreja de Roma, que é aquela que preside na caridade todas as Igrejas. Um caminho de fraternidade, de amor, de confiança entre nós. Rezemos sempre por nós, um pelo outro. Rezemos por todo o mundo, para que haja uma grande fraternidade. Desejo a vocês que este caminho de Igreja, que hoje começamos e no qual me ajudará o meu cardeal Vigário, aqui presente, seja frutuoso para a evangelização desta tão bela cidade.
Gostaria, agora, de dar a bênção, mas antes vos peço um favor. Antes que o bispo abençoe o povo, vos peço que vocês rezem ao Senhor para que me abençoe. A oração do povo pedindo a bênção pelo seu bispo. Façamos em silêncio esta oração de vocês sobre mim”! (momento de silêncio). Agora dou a benção a vocês e a todo o mundo, a todos os homens e mulheres de boa vontade (benção).
Irmãos e irmãs, vos deixo. Muito obrigado pela acolhida. Rezai por mim e até breve! Nos veremos logo: amanhã quero ir rezar à Nossa Senhora para que ela proteja Roma inteira. Boa noite e bom repouso!”. Quanta ternura, quanta bondade e quanto amor nessas palavras!
Nos primeiros dias de sua nova missão, pudemos presenciar, com o coração vibrando, a muitos gestos de quebra de protocolo e a muitas atitudes de despojamento do irmão e pastor Francisco, que mostram claramente como - segundo ele - deve ser a Igreja de Jesus de Nazaré: uma Igreja realmente evangélica, despojada de toda pompa, de toda suntuosidade, de toda ostentação e de todo poder.
Para ser fiel à sua missão no mundo, penso que a Igreja (Igreja Universal e Igrejas Particulares), periodicamente e sempre que for necessário, deve:
1. Reconhecer não só os pecados pessoais de seus membros, mas também e sobretudo o pecado estrutural da Igreja-instituição: omissões, traições, covardias, alianças comprometedoras com os Herodes de hoje, e falta de coragem profética na denúncia das injustiças e das violações dos direitos humanos.
2. Pedir publicamente perdão a todos e a todas, crentes e não crentes.
3. Renovar suas estruturas, na fidelidade às exigências do Evangelho.
4. Comprometer-se na reconstrução de uma Igreja que seja, cada vez mais, uma Igreja igualitária, de irmãos e irmãs, comunitária (Igreja-comunidade, Igreja-comunhão); uma Igreja Povo de Deus e toda ministerial; uma Igreja que busca sempre o consenso, reconhecendo e valorizando o “senso da fé” do povo cristão; uma Igreja que, a todo momento, perscruta os sinais dos tempos, interpretando-os à luz do Evangelho; uma Igreja pobre, que faz a opção pelos pobres; uma Igreja que reconhece e valoriza o diferente (uma Igreja ecumênica e macroecumênica); enfim, uma Igreja que se alia aos Movimentos e Organizações Sociais Populares e a todos aqueles e aquelas que lutam por um Mundo Novo, de justiça e irmandade, que - à luz da fé - é a utopia do Reino de Deus, acontecendo na história humana e cósmica.
Dom Aloísio Lorscheider - numa síntese muito bem formulada - oferece-nos uma fotografia nítida da Igreja que o Concílio sonhou e que nós também sonhamos. “O Vaticano II - diz ele - faz-nos passar de uma Igreja-instituição ou de uma Igreja-sociedade perfeita para uma Igreja-comunidade, inserida no mundo, a serviço do Reino de Deus; de uma Igreja-poder para uma Igreja pobre, despojada, peregrina; de uma Igreja-autoridade para uma Igreja serva, servidora, ministerial; de uma Igreja piramidal para uma Igreja-povo; de uma Igreja pura e sem mancha para uma Igreja santa e pecadora, sempre necessitada de conversão, de reforma; de uma Igreja-cristandade para uma Igreja-missão, uma Igreja toda ela missionária” (Texto citado por Dom Geraldo Majella Agnelo na contra-capa da Liturgia Diária, novembro de 2012).
Francisco, irmão e pastor, é um sinal de esperança e nos faz crer que essa Igreja é possível e vai acontecer. É a vontade de Jesus de Nazaré.
Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano,
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 20 de março de 2013
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
“A Igreja se apresenta e quer realmente ser a Igreja de todos,
em particular, a Igreja dos pobres” (João XXIII, 11 de setembro de 1962)
"Como eu gostaria de uma Igreja pobre e para os pobres" (Francisco, 16 de março de 2013)