- Declaração Final do Encontro Mundial
dos Movimentos Populares (1ª parte) -
A “Carta dos Excluídos aos Excluídos” servirá de base
para o trabalho dos Movimentos Populares em seus respectivos países. Ela está em
plena sintonia com o Discurso de Francisco aos Movimentos Populares e é também
uma fonte inspiradora para as Pastorais Sociais e Ambientais da Igreja, hoje.
Pretendo agora, com alguns comentários, destacar os 15
pontos da Carta, que inicia dizendo: “queremos fazer chegar à opinião pública
um breve resumo do que aconteceu durante estes três dias históricos”.
1. O
Encontro foi convocado pelo Pontifício Conselho Justiça e Paz (PCJP), em
colaboração com a Pontifícia Academia das Ciências Sociais (PACS), e diversos Movimentos
Populares do mundo, sob a inspiração do Papa Francisco. “Uma delegação de mais
de 100 dirigentes sociais de todos os continentes se reuniu em Roma para
debater três eixos: terra, moradia, trabalho; os grandes problemas e desafios
que enfrenta a família humana (especialmente exclusão, desigualdade, violência
e crise ambiental) a partir da perspectiva dos pobres e suas organizações”. É
um grande sinal dos tempos! É certamente um sinal visível da presença do
Espírito Santo de Deus!
2. Os
dias “se desenvolveram procurando praticar a Cultura do Encontro e integrando
companheiros, companheiras, irmãos e irmãs, de distintos continentes, gerações,
profissões, religiões, ideias e experiências. Além dos setores representativos
dos três eixos principais do Encontro, participaram um número considerável de
bispos e agentes pastorais, intelectuais e acadêmicos, que contribuíram
significativamente ao Encontro, sempre respeitando o protagonismo dos setores e
Movimentos Populares. O Encontro não esteve isento de tensões que pudéssemos assumir
coletivamente como irmãos”. Que maravilha! Que fraternidade bonita! É, sem
dúvida, o Reino de Deus acontecendo!
3. Antes
de tudo, “sempre desde a perspectiva dos pobres e dos povos pobres (neste caso,
os camponeses, trabalhadores sem direitos e habitantes de bairros populares),
foram analisadas as causas estruturais da desigualdade e da exclusão, desde
suas raízes sistêmicas globais até suas expressões locais. Compartilharam os
números horríveis da desigualdade e a concentração da riqueza nas mãos de um
punhado de milionários”. Os painelistas e palestrantes - cuja contribuição foi
muito valiosa - “concordaram que se deve buscar na natureza desigual e
predatória do sistema capitalista, que coloca o lucro acima do ser humano, a
raiz dos males sociais e ambientais. O enorme poder das empresas transnacionais
que pretendem devorar e privatizar tudo - mercadorias, serviços, pensamento -
são o primeiro violino desta sinfonia de destruição”. Que realismo! Que
clareza! Que coragem de dizer a verdade!
4. Os
participantes do Encontro afirmaram: “durante o trabalho nas oficinas concluiu-se
que o acesso pleno, estável, seguro e integral à terra, à moradia e ao trabalho
constituem direitos humanos inalienáveis, inerentes às pessoas e sua dignidade,
que devem ser garantidos e respeitados. A moradia e o bairro como um espaço
inviolável por Estados e corporações, a terra como um bem comum, que deve ser
compartilhado entre todos os que nela trabalham, evitando sua acumulação, e o
trabalho digno como eixo estruturador de um projeto de vida, foram algumas das
reivindicações compartilhadas”.
5. No
Encontro abordou-se também “o problema da violência e da guerra, uma guerra
total, ou como disse Francisco, uma terceira guerra mundial parcelada. Sem
perder de vista o caráter global destes problemas, tratou-se com particular
intensidade a situação do Oriente Médio, principalmente a agressão contra o
povo palestino e curdo. A violência que desencadeiam as máfias do
narcoterrorismo, o tráfico de armas e o tráfico de pessoas, também foram objeto
de profundo debate. Os despejos forçados pela violência, o agronegócio, a
mineração poluente e todas as formas de extrativismo, e a repressão sobre
camponeses, povos originários e afrodescendentes, estiveram presentes em todos
os debates. Também o grave problema dos golpes de Estado como em Honduras e
Paraguai e o intervencionismo de grandes potências sobre os países mais
pobres”.
6. Outra
questão abordada foi a ambiental. Ela “esteve presente num rico intercâmbio
entre a perspectiva acadêmica e a popular. Pudemos conhecer os dados mais
recentes sobre contaminação e a mudança climática, as previsões sobre futuros
desastres naturais, e as provas científicas de que o consumismo insaciável e a
prática de um industrialismo irresponsável que promove o poder econômico
explicam a catástrofe ecológica em cena. Devemos combater a cultura do descarte
e, ainda que suas causas sejam estruturais, também devemos promover uma mudança
a partir de baixo, nos hábitos e condutas de nossos povos, priorizando os
intercâmbios ao interior da economia popular e a recuperação do que este
sistema renega”.
7. Novamente
os participantes do Encontro, com palavras inquestionáveis, afirmam: “pudemos
concluir que a guerra e a violência, a exacerbação dos conflitos étnicos e a
utilização da religião para a legitimação da violência, assim como o
desmatamento, a mudança climática e a perda da biodiversidade, têm seu
principal motor a busca incessante do lucro e a pretensão criminosa de
subordinar os povos mais pobres para saquear suas riquezas naturais e humanas.
Consideramos que a ação e as palavras dos Movimentos Populares e a Igreja são
imprescindíveis para frear este verdadeiro genocídio e terricídio”.
Meditemos,
irmãos e irmãs! Não sejamos indiferentes! São apelos de Deus! (Continua no
próximo artigo).
Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral
(Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 22 de janeiro de 2015