quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Natal 2022: que o lado de Jesus seja o nosso lado!

 

Lendo e meditando o Evangelho, percebemos claramente que no Natal - e em toda a sua vida - Jesus tem lado, o dos Pobres: marginalizados, oprimidos, excluídos e descartados da sociedade. Do nascimento até a morte na cruz, Jesus se identifica e solidariza com os Pobres.

(Leia o meu artigo de dezembro de 2021: No Natal, Jesus tem lado, em:

https://www.ihu.unisinos.br/615556-no-natal-jesus-tem-lado;


Neste Natal 2022 coloco - para a nossa reflexão - três questões:
  • Primeira: Por que no Natal falamos tanto a respeito de Jesus, o Filho de Deus, o Salvador do mundo, o Emanuel (o Deus conosco) que se encarna e se torna um Ser humano como nós (uma parte da verdade) e não falamos quase nada a respeito do “como” Jesus faz isso (a outra parte da verdade)?

Apresentar uma parte da verdade como se fosse toda a verdade, falsifica a verdade! Para se encarnar, Jesus não precisava nascer numa manjedoura, mas - sobretudo por ser Filho de Deus - podia nascer num palácio.

  • Segunda: Nascendo na manjedoura de um estábulo como “sem-teto”, o que Jesus quis nos dizer? 

Jesus nos mostra que, se encarnando, assume o lado dos Pobres. É este o caminho que Jesus escolhe e que define sua identidade: estar do lado e ao lado dos Pobres. Ele não exclui ninguém. Todos e todas - inclusive, os ricos -  são convidados a entrar nesse caminho. Por exemplo, o homem rico Zaqueu - encontrando-se com Jesus - se converte e entra nesse caminho; ao contrário, o jovem rico - mesmo encontrando-se com Jesus - não tem coragem de segui-lo, não entra nesse caminho e - diz o Evangelho - vai embora triste.        

  • Terceira: Sabendo que Jesus tem lado - no Brasil, na América Latina e no mundo - onde vai ser o Natal de Jesus em 2022?

Com certeza, ele não vai ser nas mansões dos ricos, dos opressores do Povo e nem vai ser nas Igrejas luxuosas e cheias de ouro.

O Natal do “sem-teto” Jesus vai ser, antes de tudo:

o   nas Ocupações urbanas e rurais ao lado dos Pobres, que lutam pelo direito à moradia digna (terra de moradia) e pelo direito a uma agricultura familiar e comunitária ecológica (terra de trabalho). Jesus - junto com os Pobres e na pessoa dos Pobres - corre o risco de ser despejado por uma liminar injusta de um juiz.

O Natal do “sem-teto” Jesus vai ser também:

o   nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), uma Igreja de irmãos e irmãs em comunhão, na igualdade e na diversidade dos dons e serviços: o “jeito de ser Igreja” que Jesus quer;


o   nos Movimentos Sociais Populares, nos Sindicatos e Partidos Políticos de Trabalhadores que - com garra, coragem e muita fé - lutam pela Vida. “Eu vim para que todos e todas tenham Vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).

O Natal do “sem-teto” Jesus vai ser ainda:

o   nos Fóruns ou Comitês de Direitos Humanos e da Irmã Mãe Terra Nossa Casa Comum, nas Comissões de Justiça e Paz e


o   em todas as Organizações ou pessoas que estão do e ao lado dos Pobres e caminham com eles e elas na luta por um Mundo Novo.

Como ser humano e como cristão (ser humano radical), reafirmo: todo despejo - mesmo com liminar judicial - é injusto, desumano e antiético. As pessoas humanas não se despejam e não se tratam com brutalidade e crueldade. Elas devem ser respeitadas em sua dignidade. A própria palavra “despejo” é ofensiva.

Mais uma vez: uma advertência aos Juízes e juízas. Cuidado! Não deem liminares de reintegração de posse, que na realidade são liminares de despejo. Com essas liminares, vocês mandam despejar seus irmãos e irmãs Pobres e o próprio Jesus na pessoa deles e delas: os “pequeninos” do Evangelho. Lembrem-se: Deus é justo!

Fazer a memória e celebrar o Natal de Jesus significa, pois, torna-lo presente hoje.

Que - no Natal 2022 e no Ano Novo 2023 - o lado de Jesus seja o nosso lado! São estes os meus votos de Feliz Natal e Feliz 2023.

Crianças diante do presépio

Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 20 de dezembro de 2022



 


quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

O Ser Humano com o mundo

 


Vimos que o Ser humano é um “ser-no-mundo” (“ser-na-Terra”, “ser-no-Universo”) - “ser-no-espaço”, “ser-no-tempo” - e que a “mundanidade” - “espacialidade” e “temporalidade” - é a condição existencial do Ser humano e de todos os seres.

Ora, o Ser humano - por “ser-no-mundo" conscientemente (ou seja, por saber - enquanto ser racional - de “ser-no-mundo") - percebe-se a si mesmo como um “ser-com-o-mundo": com-o-mundo material e vivente e com-os-outros (semelhantes), e com-o-Outro absoluto (Deus).

O Ser humano é, portanto, um “ser-no-mundo-com-o-mundo” e, ao mesmo tempo, um “ser-com-o-mundo-no-mundo”. O “ser-no-mundo-com-o-mundo” coloca a ênfase no “ser-no-mundo” conscientemente. O “ser-com-o-mundo-no-mundo” coloca a ênfase na “consciência” de “ser-no-mundo”.

Em outras palavras, o Ser humano - por “ser-no-mundo” conscientemente - percebe-se a si mesmo como um ser “pluri-dimensional” e "pluri-relacional" (ser de dimensões e de relações). "Onde existe uma relação, ela existe para mim: o animal não se 'relaciona' com nada, simplesmente não se relaciona. Para o animal, sua relação com os outros não existe como relação" (Marx, K. e Engels, F. A Ideologia Alemã (I- Feuerbach. Hucitec, São Paulo, 10865, p. 43). "Minha relação com meu ambiente é a minha consciência" (Ib., nota**).

Ora, como o Ser humano é um ser de relações interligadas, interconectadas e interdependentes, podemos falar dele partindo da relação com-o-mundo material e vivente e com-os-outros (semelhantes), e com-o-Outro absoluto (Deus), no-mundo; ou - vice-versa - no mundo, partindo da relação do Ser humano com-o-Outro absoluto (Deus), com-os-outros (semelhantes) e com-o-mundo material e vivente.

No caso, o Ser humano é com-o-Outro absoluto (Deus), com-os-outros (semelhantes) e com-o-mundo material e vivente, no-mundo e - ao mesmo tempo - é no-mundo, com-o-Outro absoluto (Deus), com-os-outros (semelhantes) e com-o-mundo material e vivente.

No Ser humano, as relações e as dimensões se confundem, se misturam e o destaque pode ser dado a qualquer uma delas na interligação e interconexão com as outras.

Enquanto “ser-com-o-mundo”, o Ser humano percebe-se também como um “ser-com-o-espaço” e um “ser-com-o-tempo”.

Por "ser-com-o-espaço" entende-se o espaço físico (geográfico), o espaço biológico e, sobretudo, o espaço humano: espaço histórico-social (sócio-econômico-político-ecológico-cultural-religioso) e espaço histórico-individual (corpóreo, bio-psíquico e espiritual ou pessoal).

Portanto, "ser-com-o-espaço", significa para o Ser humano ser com todos estes espaços, mas principalmente com o espaço humano, que incorpora ou integra os outros espaços.  

Por "ser-com-o-tempo" entende-se o tempo que se articula em três momentos: passado, presente e futuro. A "temporalidade" não se identifica com nenhum destes momentos isoladamente, mas com a unidade ou mútua interferência de todos com todos. Assim os três momentos do tempo formam conjuntamente um todo contínuo (Cf. Peña, J. L. Ruiz de la. As novas Antropologias. Um desafio à Teologia. Loyola, São Paulo, 1988, p. 18).

Antes de tudo, o Ser humano "é-com-o-tempo" matemático - objetivo, cronológico, cosmológico. A existência do Ser humano pode ser datada cronologicamente entre o nascimento e a morte. Esse tempo, porém, não é específico do Ser humano. "O ser temporal é um estatuto objetivo da existência humana, independentemente da sua intenção pela consciência" (Vaz, H. C. de Lima. Ontologia e História. Duas Cidades, 1968, p. 267).

Em segundo lugar, o Ser humano - também e sobretudo - "é-com-o-tempo" humano, que é diferente do matemático. No tempo matemático "o presente tende a desaparecer (a desfazer-se): ele não é um momento que pode ser preso entre um futuro que ainda não é (existe) e um passado que já não é mais. No tempo humano, ao contrário, o presente é o aspecto determinante. Trata-se de um presente que fundamentalmente se estende também ao passado e ao futuro. O passado aparece e é vivido como passado, porque continua, de certa maneira, presente ao Ser humano, ou, mais exatamente, porque o Ser humano continua, de certa maneira, presente ao tempo passado. O futuro aparece como futuro, porque é antecipado no presente como apelo, projeto, possibilidade” (Gevaert, J.  Il problema dell'uomo. Introduzione all'Antropologia Filosofica. Elle Di Ci, Torino, 19814, p. 188. Cf. Heidegger, M. Ser e Tempo -  Parte II. Vozes, Petrópolis, 1989, § 68, p. 132-149).

No próximo artigo - continuando o mesmo tema - refletiremos sobre o Ser humano como “ser-com-o-mundomaterial e vivente” e “ser-com-os-outros” (semelhantes).





Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 05 de dezembro de 2022



O artigo foi publicado originalmente em:
https://portaldascebs.org.br/o-ser-humano-com-o-mundo/



quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Tomás, presente! Sua luta, é nossa luta!


 

 

 Sessão Solene
em Homenagem a Dom Tomás Balduino,
na abertura do Centenário de seu nascimento.
Câmara Federal, 28/11/22  


Neste Ato, represento a Província dos Frades Dominicanos Frei Bartolomeu de Las Casas do Brasil. Tomás era Frade Dominicano.

Antes de tudo:

  • saúdo e parabenizo os Trabalhadores e Trabalhadoras desta Casa - a Câmara Federal - que, com seu trabalho silencioso e dedicado, possibilitaram a realização desta Sessão Solene em Homenagem a Dom Tomás Balduino, o Mestre Solidário, na abertura do Centenário de seu nascimento.
  • saúdo e parabenizo também a querida Dona Nena - irmã de D. Tomás - e os familiares presentes;
  • saúdo e parabenizo, pois, o Deputado Federal Vicentinho, autor da proposta de Homenagem e demais Deputados Federais que - com o apoio da Comissão Brasileira Justiça e Paz da CNBB - nos convidaram a todos e todas para participarmos - presencialmente ou online -  dessa Sessão Solene;
  • saúdo e parabenizo, enfim, todos os irmãos e irmãs, companheiros e companheiras de caminhada e de luta, que nos acompanham.

Na minha breve mensagem destaco - entre outras -  quatro qualidades que marcaram a história de vida de Tomás (já destacadas em dezembro de 2012, por ocasião de seus 90 anos de idade, no artigo “Dom Tomás, pastor - profeta do nosso tempo”).

Destaco também - sempre entre outras - três causas que Tomás defendeu (já destacadas em maio de 2017, fazendo a memória dos primeiros três anos da Páscoa definitiva de Tomás, no artigo “Dom Tomás, sua luta continua”).

As 4 qualidades de Tomás:

  • sua profunda sensibilidade humana;
  • sua extraordinária perspicácia na escuta dos sinais dos tempos;
  • sua prática radicalmente profética;
  • e sua fé inabalável na utopia do Reino de Deus, que é a Boa-Notícia de Jesus de Nazaré, seu Projeto de vida”. 

As 3 causas de Tomás:

  • a Igreja Renovada e Libertadora;
  • a Reforma Agrária Popular;
  • e os Povos Indígenas”.

A respeito da primeira causa - a Igreja Renovada e Libertadora - Tomás, à luz do Concílio Ecumênico Vaticano II e da Conferência de Medellín, sonhou com uma Igreja renovada, libertadora e realmente evangélica; com uma Igreja Povo de Deus e toda ministerial; com uma Igreja Comunhão; com uma Igreja pobre, para os pobres, com os pobres e dos pobres: o jeito de ser Igreja das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que é hoje o jeito de ser Igreja das primeiras Comunidades Cristãs.

A respeito da segunda causa - a Reforma Agrária Popular - Tomás sempre foi solidário e deu total apoio aos trabalhadores e trabalhadoras que lutavam pelo direito à terra - terra de trabalho e terra de moradia - e pelo direito a uma agricultura familiar e comunitária agroecológica.

A respeito da terceira causa - os Povos Indígenas - Tomás sempre lutou pela demarcação das terras dos Povos Indígenas, pela valorização de sua cultura, de suas tradições e do seu jeito comunitário de viver, que é a sociedade do “bem-viver” e “bem-conviver”, sinal concreto do Reino de Deus.

Concluindo, Tomás foi um homem profundamente humano e evangélico, que doou sua vida a serviço dos Pobres, da Justiça e dos Direitos Humanos. Sua atuação marcou profundamente a Diocese de Goiás e todos os lugares por onde ele passou.

Tomás foi personagem fundamental no processo de criação do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), em 1972, e da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 1975.  Nas duas Instituições, Tomás sempre teve atuação destacada, tendo sido presidente do CIMI, de 1980 a 1984 e presidente da CPT de 1999 a 2005. A Assembleia Geral da CPT, em 2005, o nomeou Conselheiro Permanente.

Lutar por um mundo mais justo, mais igualitário, mais humano e mais fraterno, significa lutar pelo Reino de Deus, que é o Projeto de vida de Jesus de Nazaré, que é a missão da Igreja. Pelo seu testemunho de vida, a Igreja deve ser no mundo sinal visível do Reino de Deus.

Tomás, seu testemunho, sua profecia, sua esperança e sua memória continuam hoje na vida de tantos irmãos e irmãs nossos do campo e da cidade. Repetimos com você, Tomás: “Direitos Humanos não se pede de joelhos, exige-se de pé”.

Tomás, presente! Sua luta, é nossa luta!


(Dom Tomás Balduino:
Nascimento: Posse - GO, 31 de dezembro de 1922
Páscoa definitiva: Goiânia - GO, 02 de maio de 2014.
Bispo de Goiás: 1967 - 1998)
 
 
Frei Marcos Sassatelli, OP
Brasília - DF: Câmara Federal
28 de novembro de 2022








domingo, 13 de novembro de 2022

O Ser humano no mundo


 

O que é o Ser humano? De onde ele vem? Para onde ele vai? São estas as perguntas fundamentais (indagações) que todos e todas nós nos colocamos.

Podemos dizer que de imediato, o Ser humano percebe-se (descobre-se) a si mesmo como um “ser-no-mundo” (“ser mundano”: parte integrante do mundo). Enquanto tal, percebe-se também como um “ser-no-espaço” e um  “ser-no-tempo”. A “mundanidade” - “espacialidade” e “temporalidade” - é a condição existencial do Ser humano e de todos os seres. O que significa, porém, para o Ser humano “ser-no-mundo" (“ser-mundo"), “ser-no-espaço” (“ser-espaço”) e “ser-no-tempo” (“ser-tempo”)?

Por “mundo” entendemos a Terra (a Irmã Mãe Terra Nossa Casa Comum) com tudo o que nela existe, ou o Universo com tudo o que nele existe, incluindo a Terra. (Hoje, hipoteticamente, fala-se até de “Multiverso”: um conjunto de universos possíveis, incluindo o nosso, ou de “Multiversos”).

Seja num caso como no outro, a palavra “mundo” tem vários significados, mas todos fazem referência a uma totalidade:

- "A totalidade das coisas existentes (qualquer que seja o significado de existência) e neste sentido a palavra emprega-se sem adjetivos;

- A totalidade de um campo ou de mais campos de investigação (de atividade) ou de relações como quando se diz: 'mundo físico' ou 'mundo histórico' ou 'mundo artístico' ou 'mundo dos negócios' ou também 'mundo sensível', isto é, atingível pelos órgãos sensoriais ou 'mundo intelectual', isto é, atingível pelos instrumentos intelectuais. Neste sentido fala-se também de 'mundo ambiente' para indicar o conjunto das relações de um ser vivente com as coisas que o circundam ou a situação em que se encontra; mas a palavra não tem significado diverso de ambiente;

- A totalidade de uma cultura como quando se diz 'mundo antigo' ou 'mundo moderno' ou 'mundo primitivo' ou 'mundo civil';

- Uma totalidade geográfica como quando se diz 'novo mundo' (...) ou 'velho mundo' (...)" (Abbagnano, N. Mundo. Em: Dicionário de Filosofia. Mestre Jou, São Paulo, 19822, p. 657.

Os significados da palavra "mundo" apresentados e outros podem ser reduzidos aos dois primeiros: o mundo como totalidade de tudo o que existe (na Terra ou no Universo) e o mundo como totalidade particular ou totalidade de campo: a totalidade do mundo físico, a totalidade do mundo biológico, a totalidade do mundo humano, etc. Uma totalidade cultural ou uma totalidade geográfica é também uma totalidade particular ou de campo. As totalidades particulares ou de campo são as mais diversas e - quanto ao conteúdo - podem ser mais ou menos abrangentes.

Por exemplo, o "mundo humano" - como vimos - é uma totalidade particular ou de campo, mas, no mundo humano, temos totalidades mais particulares ainda como o "mundo social" (sócio-econômico, sócio-político, sócio-ecológico, sócio-cultural, sócio-religioso) e o "mundo individual" (corpóreo, bio-psíquico, espiritual ou pessoal) com suas relações sociais.

Portanto, para o Ser humano - enquanto totalidade particular ou de campo - “ser-no-mundo", “ser-mundo” (“ser-na-Terra”, “ser-Terra” ou “ser-no-Universo”, “ser-Universo”), significa ser na totalidade das coisas existentes, ser parte integrante dessa totalidade.

Como já dissemos, o mundo, por ser uma realidade concreta, é uma realidade espacial e temporal. A "espacialidade" e a "temporalidade" fazem parte da "mundanidade" e, por isso, são também constitutivas do Ser humano e de todos os seres existentes.

O que significa, pois, “ser-no-espaço” (“ser-espaço”) e “ser-no-tempo” (“ser-tempo”)? Para o Ser humano e todos os seres, “ser-no-espaço” (“ser-espaço”) significa ser em todos os espaços de sua existência; “ser-no-tempo” (“ser-tempo”) significa ser em todos os tempos de sua existência.

Por fim, o mundo como a totalidade de tudo o que existe (na Terra ou no Universo), é uma realidade objetiva, concreta; tem uma constituição ou estrutura com consistência própria, com funcionamento próprio e com sentido ou valor próprio, independentemente da consciência do Ser humano. A totalidade material e orgânica do mundo existe, funciona e tem sentido. "antes" (do ponto de vista lógico e não necessariamente cronológico) do Ser humano ter consciência de “ser-no-mundo". O Ser humano no mundo, por ser racional, pode (como veremos) dar um novo sentido ao mundo ou desrespeitar e “profanar” o sentido que o mundo já tem.

No próximo artigo refletiremos sobre o Ser humano como um “ser-com-o-mundo” (“ser-com-o-espaço” e “ser-com-o-tempo”).



Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 10 de novembro de 2022



O artigo foi publicado originalmente em:
https://portaldascebs.org.br/o-ser-humano-no-mundo/?amp=1



terça-feira, 8 de novembro de 2022

Governo Lula - Conselho Político Popular

 


Presidente Lula, parabéns pela sua vitória, que é também a vitória de muitos e muitas de nós: a vitória da Democracia, a vitória do Brasil.

Irmão e Companheiro Lula, o seu Governo - como todos os Governos democráticos - deverá, antes de tudo, cumprir a Constituição Federal, dialogando, sempre com o Congresso (Senado e Câmara), o Judiciário e - em nível Estadual e Municipal - os Governadores e os Prefeitos.

Além disso, por estarmos na mesma caminhada, a partir de minha longa experiência de Trabalho de Base e com a única intenção de colaborar, tomo a liberdade de - publicamente - dar a você Lula e aos demais membros do seu novo Governo uma sugestão concreta: criem - em caráter extraoficial - o Conselho Político Popular - CPP (um Conselho nacional permanente, com reuniões periódicas), para assessorá-los, garantindo inclusive o permanente contato com o Trabalho de Base.  

O CPP deve ser formado por representantes - eleitos por eles e elas - dos Movimentos Sociais Populares, Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras, Partidos Políticos Populares, Organizações dos Povos Indígenas e Quilombolas, Comitês ou Fóruns de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos e da Irmã Mãe Terra Nossa Casa Comum e outras Organizações Populares (com seus “intelectuais orgânicos”), que - mesmo tendo, em determinados aspectos, visões diferentes (deverão ser respeitadas e valorizadas) - estão unidos e unidas na luta por um Projeto Político alternativo ao Projeto Político Capitalista Neoliberal: o Projeto Político Popular.

Lula, pessoalmente, penso que a sua atuação política e a dos demais do seu Governo devem acontecer em duas grandes frentes de trabalho: a conjuntural e a estrutural.

  • Na frente conjuntural, vocês devem enfrentar corajosamente a situação (que se tornou dramática) de fome, de miséria, de pobreza e falta de condições de vida digna, em que vive a maioria doe trabalhadores e trabalhadoras. Trata-se de uma situação tão perversa e tão desumana, que clama diante de Deus e não pode esperar.     
  • Na frente estrutural, vocês devem dar passos históricos concretos marcantes e significativos no caminho que - a médio e longo prazo - levará:

o   à superação do Projeto Político Capitalista Neoliberal, que é de uma desigualdade e injustiça legalizadas e institucionalizadas gritantes e (o que é pior) legitimadas - hipócrita e diabolicamente - em nome da Natureza (é natural!) e de Deus (é vontade de Deus!);

e, ao mesmo tempo:

o   à implantação do Projeto Político Popular, que quer ser, cada vez mais, igualitário, justo, humano, ético, fraterno, comunitário (verdadeiramente “socialista”).  


Irmão e Companheiro Lula, você e os demais do seu Governo - assessorados pelo CPP - devem também fazer permanentemente a leitura - análise e interpretação - dos Sinais dos Tempos desde os Pobres (na ótica dos Pobres) e ter, em cada momento histórico, a consciência crítica dos passos “possíveis” a serem dados e das estratégias “possíveis” a serem utilizadas para fazer acontecer, no Brasil e no mundo, o Projeto Político Popular.

Lula, cuidado com as artimanhas dos poderosos! Seu Governo não pode cair na tentação de ser um “Governo reformista”, que trai as expectativas dos trabalhadores e trabalhadoras e que - mesmo amenizando, com programas sociais de assistência, situações de extrema pobreza - acaba fortalecendo o Projeto Político Capitalista Neoliberal (Ultra - neoliberal).

No entusiasmo da vitória, falou-se e escreveu-se muito sobre o seu novo Governo como um “Governo de conciliação”. Mais uma vez, cuidado! A expressão é ambígua e - de certa forma - perigosa. Entre o Projeto Político Capitalista Neoliberal e o Projeto Político Popular, não há possibilidade de “conciliação” e nem de “aliança” (a não ser meramente formais). São Projetos objetivamente opostos. Só poderá haver, em casos muitos especiais e por razões diferentes, “acordos pontuais”.

E ainda: não confundamos “luta de classe” com “ódio de classe”. Por defenderem Projetos Políticos opostos, entre a classe dos trabalhadores e a classe dos capitalistas há luta de classe, mas não necessariamente ódio de classe. Aliás, o ser humano consciente de sua dignidade e, mais ainda, o cristão ou cristã não odeia ninguém, ama a todos e a todas.

Jesus nos ensina que devemos amar até os nossos inimigos (ora, se devemos amar até os nossos inimigos, quer dizer que eles existem) e o educador Paulo Freire nos recorda que a única maneira de amar os opressores é lutar contra o Projeto de Vida que eles defendem.

Por fim, ouçamos as palavras do Papa Francisco. No 2º Encontro Mundial dos Movimentos Populares, ele pergunta: “Reconhecemos que este Sistema (o Sistema Capitalista Neoliberal) impôs a lógica do lucro a todo o custo, sem pensar na exclusão social e nem na destruição da natureza?” E responde: “Se é assim - insisto - digamo-lo sem medo: queremos uma mudança, uma mudança real, uma mudança de estruturas. Este Sistema é insuportável: não o suportam os Camponeses, não o suportam os Trabalhadores, não o suportam as Comunidades, não o suportam os Povos.... E nem sequer o suporta a Terra, a Irmã Mãe Terra, como dizia São Francisco” (Santa Cruz de la Sierra - Bolívia, 07-09/07/15. O grifo é meu).

Peço a Deus, Lula, que seu Governo “tenha lado”: o lado de Jesus de Nazaré, o lado dos Pobres (marginalizados, oprimidos, excluídos e descartados) de nossa sociedade brasileira. Estamos com você! Conte conosco!

O caminho está aberto! Com muita esperança, sigamos em frente!

                                             http://porsimas.blogspot.com/2022/11/charge-de-jorge-braga.html
                                                                            (ou também: Jorge Braga. O Popular, 04/11/22, p. 2)


 

Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 07 de novembro de 2022


quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Democracia popular

 

Antes de votarmos nas eleições do segundo turno, lembremos a “Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito”:


  • lançada oficialmente no dia 11 do mês de agosto deste ano na Faculdade de Direito da USP em São Paulo, com atos realizados no mesmo dia em quase todas as capitais do país e outras cidades, e
  • assinada por mais de um milhão de pessoas , incluindo representantes de Organizações sociais (e o autor destas linhas).

Ela nos convida a lutar urgentemente em defesa da democracia, contra toda ameaça de volta a um regime de governo ditatorial e fascista e - nesse momento tão grave que estamos vivendo - não podemos nos omitir.


         A Carta denuncia:


  • Vivemos em um país de profundas desigualdades sociais, com carências em serviços públicos essenciais, como saúde, educação, habitação e segurança pública. Temos muito a caminhar no desenvolvimento das nossas potencialidades econômicas de forma sustentável. O Estado apresenta-se ineficiente diante dos seus inúmeros desafios. Pleitos por maior respeito e igualdade de condições em matéria de raça, gênero e orientação sexual ainda estão longe de ser atendidos com a devida plenitude”. E ainda:
  • “Estamos passando por momento de imenso perigo (repito: imenso perigo) para a normalidade democrática, risco às Instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições. Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o Estado Democrático de Direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira”. 

Por fim, com firmeza, declara:

  • “No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado. A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições. Em vigília cívica contra as tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona: Estado Democrático de Direito Sempre!".

A mensagem da Carta é uma denúncia e, ao mesmo tempo, um alerta que nos faz refletir a todos e a todas.

Além disso, precisamos continuar lutando para que a democracia (que - permitam-me um neologismo - no Capitalismo neoliberal é, na realidade, uma “elitocracia”) se torne cada vez mais “democracia popular”. Isso será plenamente possível somente com a superação do Projeto Capitalista e a implantação do Projeto Popular (fraterno, comunitário e socialista), onde todas as pessoas sejam reconhecidas como iguais em dignidade e valor e tenham os mesmos direitos; e onde também os direitos da Irmã Mãe Terra Nossa Casa Comum sejam respeitados.

No 2º Encontro Mundial dos Movimentos Populares (Santa Cruz de la Sierra - Bolívia, 07-09/07/15), em seu discurso, o papa Francisco pergunta: “Reconhecemos que este sistema impôs a lógica do lucro a todo o custo, sem pensar na exclusão social nem na destruição da natureza?”. E responde: “Se é assim - insisto - digamo-lo sem medo: queremos uma mudança, uma mudança real, uma mudança de estruturas. Este sistema é insuportável: não o suportam os camponeses, não o suportam os trabalhadores, não o suportam as comunidades, não o suportam os povos.... E nem sequer o suporta a Terra, a Irmã Mãe Terra, como dizia São Francisco” (o grifo é meu).

O papa continua insistindo: “Queremos uma mudança nas nossas vidas, nos nossos bairros, no vilarejo, na nossa realidade mais próxima; mas uma mudança que atinja também o mundo inteiro, porque hoje a interdependência global requer respostas globais para os problemas locais. A globalização da esperança, que nasce dos povos e cresce entre os pobres, deve substituir esta globalização da exclusão e da indiferença”. Meditemos!

Termino com as palavras da jovem Manuela de Morais Ramos, presidenta do Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito da USP: “É preciso ousar sonhar e caminhar no sentido da luta por uma democracia ainda inexistente no país. Não queremos a democracia da fome, a democracia das chacinas e tampouco a democracia dos ricos. Queremos a antítese da democracia que temos hoje, em outros termos, a democracia da diversidade, a democracia dos trabalhadores, uma democracia real. Queremos a democracia dos povos!” (Ato em defesa da Democracia, 11 de agosto de 2022).

(Cf. https://www.brasildefato.com.br/2022/08/10/lancamento-da-carta-aos-brasileiros-reune-inumeras-personalidades).

Lembrando as palavras do papa Francisco, da Manuela e, sobretudo, conscientes da nossa responsabilidade, no segundo turno das eleições para presidente votemos pela “democracia popular”, votemos 13!

                                                                                               Brasil de Fato, 10/08/22

                                                                                                Brasil de Fato, 10/08/22


Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 19 de outubro de 2022



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quinta-feira, 13 de outubro de 2022

O Ser humano

 

“A Ética da Libertação é assumida como uma perspectiva e uma alternativa; ambas - perspectiva e alternativa - partem de uma situação concreta, de uma realidade histórica”, lida - analisada e interpretada - desde os Pobres. Essa situação concreta é, para nós, a América Latina e o Caribe (mas vale também para a situação concreta da África, da Ásia e da Europa). Delas - perspectiva e alternativa - “a Ética da Libertação recebe seus elementos essenciais e assume, a partir desta situação, os problemas universais do Ser humano e da sociedade" (Caldera, A. S. Filosofia e Crise. Pela Filosofia latino-americana. Vozes, Petrópolis, 1984, p. 25). 

Na realidade, a Ética da Libertação (toda Ética é da Libertação:  liberta de tudo aquilo que impede a Vida) faz parte da Antropologia filosófica e/ou teológica da Libertação.

Na primeira série de artigos sobre a Ética da Libertação, as reflexões teológico-pastorais são vividas e tematizadas em torno do eixo: O Ser humano.

Neste - o primeiro da série - apresento um quadro geral, que é, ao mesmo tempo, um roteiro, dos temas que serão desenvolvidos posteriormente:

  • O Ser humano “no-mundo” (“no-espaço” e “no-tempo”): a “mundanidade” (“espacialidade” e “temporalidade”) do Ser humano e de todos os seres.
  • O Ser humano “com-o-mundo” (“com-o-espaço” e “com-o-tempo”): a "mundanidade" ("espacialidade" e "temporalidade") consciente, própria do Ser humano, ser pluri-dimensional e pluri-relacional (ser de relações).

              º “Com-o-mundo material e vivente” e “com-os-outros” (semelhantes).

              º “Com-o-Outro absoluto” (Deus).

  • O Ser humano histórico: a “historicidade” do Ser humano. 

              º O Ser humano social: a "socialidade" do Ser humano histórico.

              º O Ser humano individual: a “individualidade” do Ser humano histórico. 

                    . O Ser humano corpóreo: a "corporeidade” do Ser humano individual.

                    . O Ser humano bio-psíquico: a “bio-psiquicidade” do Ser humano individual.

                O Ser humano espiritual ou pessoal: a “espiritualidade” ou “pessoalidade” do Ser humano individual.

  • O Ser humano meta-histórico: a “meta-historicidade” ("meta-socialidade" e "meta-individualidade") do Ser humano. 
              º O Ser humano meta-histórico “já e ainda não” no mundo (no espaço e no tempo):  a meta-historicidade relativa.

         º O Ser humano meta-histórico “além da morte” na eternidade: a meta-historicidade absoluta (plena).

Termino com uma oração: “Assim como aqui (em assembleia) nos reunistes, ó Pai, à mesa do vosso Filho em união com a Virgem Maria, Mãe de Deus (e nossa), e com todos os santos e santas, reuni no Mundo Novo, onde brilha a vossa paz, os homens e as mulheres de todas as classes e nações, de todas as raças e línguas, para a ceia da comunhão eterna, por Jesus Cristo, nosso Senhor” (Oração Eucarística VIII).

Na sociedade e - mais ainda - na Igreja precisamos acabar com as classes. Todos e todas (incluindo a comunidade LGBTQIA+) - mesmo sendo pessoas humanas únicas e diferentes (of. a Teoria da Evolução de Darwin) - somos iguais em dignidade e valor.

Todos e todas somos filhos e filhas do mesmo Pai-Mãe que é Deus. Todas e todos somos irmãos e irmãs em Cristo.

É este o projeto de vida - de sociedade e de mundo - de Jesus de Nazaré: a Boa Notícia do Reino de Deus. É este o Projeto de Vida Popular (verdadeiramente fraterno, comunitário, socialista). Por fim, é este o Projeto de Vida humano, ético e cristão.


 

                                         www.fatosdesconhecidos.com.br/características-que-te-fazem-um-ser-humano-único


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Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 10 de outubro de 2022



O artigo foi publicado originalmente em:
https://portaldascebs.org.br/o-ser-humano/















A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos