Quem leu a reportagem do Jornal
"O Popular" do dia 13 de dezembro/09 sobre os Fundos Municipais dos
Direitos da Criança e do Adolescente (FMDCA) e tem um mínimo de sensibilidade
humana ou de senso ético, não pode deixar de ficar profundamente indignado.
Trata-se de um crime, praticado pelos poderes públicos municipais, que clama
por justiça,.
"Mais de R$ 5,4 milhões estão
parados em fundos criados exclusivamente para assegurar os direitos de crianças
e adolescentes. O dinheiro, que deveria ser utilizado em
programas voltados para a defesa da infância, fica parado nas contas
bancárias sem qualquer previsão de gasto ou, então, retorna para as prefeituras
custearem outras despesas da administração, ao arrepio da lei. Quando são
gastos, em grande parte dos casos, esses recursos acabam destinados de forma
indevida, sem representar um avanço dos programas de amparo à infância e à
juventude em Goiás" (p. 4 ).
Por causa do descaso e da
irresponsabilidade dos poderes públicos municipais, a violência contra os
adolescentes e jovens aumenta a cada dia que passa. Assistimos passivamente a
um verdadeiro extermínio da nossa juventude. Cito só dois exemplos. Nos bairros
São Domingos e Boa Vista, da Região Noroeste de Goiânia, de janeiro até
dezembro de 2009, foram assassinados 25 adolescentes e jovens, entre os quais,
uma criança que foi vítima de bala perdida enquanto estava saindo de sua Igreja
com a família. Algumas pesquisas afirmam que, na grande Goiânia, são
assassinados em média de 15 a 20 adolescentes e jovens por semana. É uma
realidade que grita diante de Deus. A Constituição brasileira nos lembra que os
direitos das crianças e dos adolescentes devem ser assegurados "com
absoluta prioridade" e que as crianças e os adolescentes devem ser
colocados a salvo "de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão" (Art. 227).
A desculpa que as autoridades
costumam dar é que não existem (ou existem poucas) Organizações
Não-Governamentais (ONG) ou outras Entidades que sejam idóneas e tenham todos
os requisitos legais necessários para receberem verbas públicas. É verdade que
Organizações Não-Governamentais e outras Entidades da sociedade civíl podem
colaborar com o poder público e fazer um trabalho complementar, mas a obrigação
principal e do próprio poder público. É ele que, em caráter absolutamente
prioritário, deve implementar políticas públicas em defesa dos direitos das
crianças, adolescentes e jovens.
No município de Goiânia - além dos
Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs), muito precários e
insuficientes, e das Escolas de Ensino Fundamental, na maioria das vezes, de
péssima qualidade - só existem alguns Centros de Referência e Assistência
Social (CRAS), muito mal organizados e que não atendem, nem minimamente, as
urgentes necessidades das nossas crianças, adolescentes e jovens. Não temos
programas educativos que respondam de verdade aos desafios da realidade das
crianças, adolescentes e jovens. O que as crianças, adolescentes e jovens dos nossos
bairros vão fazer depois das aulas? Quem se preocupa em criar possibilidades de
trabalho para os jovens?
A
psicóloga Elisabeth Monteiro afirma: "o jovem que se sente
valorizado e respeitado na família e que é útil para a sociedade (estimulado a
conhecer desde cedo o valor do trabalho ou a participar de ações voluntárias,
por exemplo) tem autoestima elevada e dificilmente segue por um caminho que
faça mal a outra pessoa ou a si mesmo" (Folha de São Paulo, Equilíbrio,
Entrevista: Em defesa dos adolescentes, 17/12/09, p.3).
Não havendo - a não ser em casos muito
especiais - programas educativos que levem as nossas crianças, adolescentes e
jovens a ter autoestima e a discobrir o verdadeiro sentido da vida, só resta a
tentação do dinheiro fácil, entrando no mundo da violência e das drogas.
Costuma-se apontar as famílias
desestruturadas como causa do envolvimento dos adolescentes e jovens com as
drogas. As famílias têm, é verdade, sua parte de responsabilidade, mas a
principal responsável e a nossa sociedade injusta, que coloca no centro de tudo
o dinheiro e o lucro, e não a pessoa humana.
No final de novembro - com o apoio da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) - as Pastorais da Juventude do
Brasil (Pastoral da Juventude - PJ, Pastoral da Juventude Estudantil - PJE,
Pastoral da Juventude Rural - PJR e Pastoral da Juventude do Meio Popular -
PJMP) lançaram oficialmente a Campanha
Nacional contra a Violência e o Extermínio de Jovens. A Campanha vem sendo
organizada desde maio/09, conta com o apoio de inúmeras Organizações de todo o
país e tem como marca várias mãos abertas indicando um "basta" a toda
forma de violência. Estão previstas pela Campanha várias iniciativas, como a
realização de seminários estaduais e marchas locais em 2010 e a organização de
uma grande marcha nacional em 2011.
A Coordenação Nacional da Pastoral da
Juventude (CNPJ) e a Comissão Nacional de Assessores da Pastoral da Juventude
(CNAP) nos lembram que a Campanha "só ganhará força se abraçada por todos
e todas em suas Comunidades locais, em um trabalho em rede que pretende debater
e sensibilizar a sociedade e o poder público, sobre a morte que os/as jovens
têm sofrido todos os dias, nas diferentes realidades do Brasil. Não podemos nos
calar diante deste quadro de morte, ao contrário nossos grupos de jovens, as
pessoas que lutam e sonham pelo Reino de Deus, são convocados/as a denunciar
toda essa exclusão" (www.juventudeemmarcha.org.br).
"Glória a Deus no mais alto
dos céus, e PAZ na terra aos homens e mulheres por Ele amados" (Lc 2,14).
Fr. Marcos Sassatelli,
Frade Dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da
UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos
Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do
Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do
Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador
Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia,
26 de dezembro de 2009