O Projeto de Jesus de Nazaré
A Quaresma é um tempo de renovação
e mudança de vida. Nesse tempo, há 60 anos, acontece no Brasil a Campanha
da Fraternidade, que continua depois durante o ano todo, deixando sua
valiosa contribuição.
A CF lembra-nos que para sermos cristãos
e cristãs, seguidores e seguidoras de Jesus de Nazaré, precisamos viver como
irmãos e irmãs de verdade (e não só dizer que somos irmãos e irmãs).
O Tema da CF24 é: “Fraternidade
e Amizade Social” e o Lema: “Vocês são todos e todas irmãos e
irmãs” (Mt. 23,8).
Neste ano, a CF - inspirada na Carta
Encíclica “Fratelli Tutti” do Papa Francisco - destaca a “Amizade
Social”, ou seja, “o Amor presente nas relações sociais”
(Texto-Base, 17).
Para vivermos como irmãos e irmãs, o
Amor deve estar presente não somente nas relações pessoais ou interpessoais,
mas também nas relações sociais: conjunturais e, sobretudo, estruturais.
Nas
relações pessoais ou interpessoais - como, por exemplo, nas relações
entre os membros de uma mesma família - é fácil perceber a falta de amor,
reconhecê-la e superá-la.
Nas
relações sociais - conjunturais e sobretudo estruturais - é muito mais
difícil perceber a falta de amor. São relações que - ao longo da
história - foram legalizadas, institucionalizadas e, quase sempre,
legitimadas com argumentos religiosos deturpados e manipulados.
Na sociedade capitalista neoliberal
na qual vivemos, a falta de Fraternidade e Amizade Social é uma realidade
conjuntural e, sobretudo, estrutural permanente, que - por ser (como vimos)
institucionalizada, legalizada e legitimada - é considerada “normal”
pelas chamadas “pessoas de bem”.
Infelizmente, por causa da dominação
ideológica, essa maneira de ver a realidade foi introjetada também na
cabeça dos oprimidos e oprimidas. É o resultado de uma propaganda, perversa,
iníqua, desumana, antiética e anticristã, que é uma afronta à dignidade humana
dos Pobres!
No mundo, mais de 800 milhões de pessoas
passam fome (quase 10% de toda a população). Destes, 33 milhões somente no
Brasil. O que isso nos diz?
É
impressionante constatar que nessa falta de Fraternidade e Amizade Social
- uma “normalidade” legalizada - existem muitas pessoas, inclusive
cristãos e cristãs, que falam e/ou escrevem sobre o crescimento do mercado
de luxo, com orgulho, como se fosse uma conquista muito boa do ponto de
vista humano e ético.
A título de exemplo, cito a cidade de
Goiânia: “Mercado de luxo cresce e atrai investimentos para a cidade”. Goiânia
“entrou no radar das marcas de luxo e superluxo. A capital tem recebido cada
vez mais unidades próprias de grandes grifes de renome nacional e
internacional, que são atraídas pelo grande potencial de consumo de produtos de
alto padrão pela população das classes A e B”. “Entre os maiores consumidores,
estão grandes empresários, muitos deles do agronegócio, e profissionais
liberais” (O Popular, 11/03/24, p. 8). Com certeza, entre esses consumidores
não têm Pobres!
Fico muito triste e profundamente indignado
quando vejo que na minha - ou nossa - Igreja Católica não é muito diferente.
Como exemplo, cito a construção grandiosa e luxuosa de todo o complexo - que
inclui um Centro Administrativo - do 2º Novo Santuário de Trindade e a Campanha
para trazer da Polônia os sinos do Novo Santuário, entre os quais “o maior do
mundo” (Cf. O Popular, 13/03/24, p. 11).
Que absurdo! Com certeza, essa não é a
Igreja que Jesus de Nazaré sonhou, quis e quer.
Os
entusiastas e os amantes do luxo e da grandiosidade, lembrem-se que do ponto de
vista ético e - mais ainda - ético-cristão - “ninguém tem direito ao supérfluo,
quando o outro/a não tem o necessário” (S. Tomás de Aquino). E lembrem-se
também que “a gloria de Deus é o ser humano vivo” (Santo Irineu de Lião).
Hoje mesmo ouvi essas palavras: “o Papa
ocupa o mais alto cargo da Igreja Católica”. Errado! Na Igreja de Jesus
de Nazaré não existem altos ou baixos cargos. Só existem dons e ministérios
ou serviços que - mesmo diferentes - são iguais em dignidade e valor.
Essa hierarquia de cargos não é evangélica.
“Existem dons diferentes, mas o Espírito
é o mesmo; diferentes serviços, mas o Senhor é o mesmo; diferentes modos de
agir, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos/as. Cada um/a recebe o dom
de manifestar o Espírito para o bem de todos/as” (1Cor. 12,4-7).
Por fim, só haverá verdadeira Fraternidade
e Amizade Social quando reconhecermos de fato (e não só com palavras) essa verdade!
Sejamos, hoje, seus profetas e profetizas! (CF24: Vejam o meu outro
artigo, em: https://freimarcos.blogspot.com/2024/02/amizade-social-como-graca-social.html, ou no
Portal das CEBs, no IHU e no Brasil de Fato).
Feliz
Páscoa! Páscoa é Vida Nova! Páscoa é “Mundo Novo”!
Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia, 20 de março de 2024