“Não
deixemos entrar no nosso coração a cultura do descartável,
porque
nós somos irmãos. Ninguém é descartável!”
(Visita à Comunidade de Varginha -
Manguinhos, 25/07/13)
Do dia 23 a 28 de julho deste ano,
aconteceu no Rio de Janeiro, a 28ª Jornada
Mundial da Juventude (JMJ). O lema da Jornada foi “Ide e fazei
discípulos entre todas as nações!” (Mt 28, 19). Compareceram aos diversos
atos da JMJ cerca de 3,7 milhões de pessoas, a grande maioria jovens.
Francisco, com toda simplicidade,
humildade e ternura, apresentou-se como um irmão no meio dos irmãos e irmãs.
Seu testemunho nos edificou e sua palavra nos questionou.
No dia 24, na Homilia no Santuário de
Aparecida, Francisco afirmou: "Hoje, mais ou menos todas as pessoas, e
também os nossos jovens, experimentam o fascínio de tantos ídolos que se
colocam no lugar de Deus e parecem dar esperança: o dinheiro, o poder, o
sucesso, o prazer". "Frequentemente uma sensação de solidão e de
vazio entra no coração de muitos e conduz à busca de compensações, destes
ídolos passageiros".
Pedindo que os cristãos/ãs sejam
"luzeiros da esperança", continuou dizendo: "tenhamos uma
posição positiva sobre a realidade". "Encorajemos a generosidade que
caracteriza os jovens, acompanhando-lhes no processo de se tornarem
protagonistas da construção de um mundo melhor". E ainda: "os jovens
não precisam apenas de coisas, precisam sobretudo que lhes seja proposto
aqueles valores imateriais que são o coração espiritual de um povo, a memória
de um povo".
No dia 25, na Visita à Comunidade de
Varginha, Francisco declarou: “Queria lançar um apelo a todos os que possuem
mais recursos, às autoridades públicas e a todas as pessoas de boa vontade
comprometidas com a justiça social: não se cansem de trabalhar por um mundo
mais justo e mais solidário! Ninguém pode permanecer insensível às
desigualdades que ainda existem no mundo! Cada um, na medida das próprias
possibilidades e responsabilidades, saiba dar a sua contribuição para acabar
com tantas injustiças sociais! Não é a cultura do egoísmo, do individualismo,
que frequentemente regula a nossa sociedade, aquela que constrói e conduz a um
mundo mais habitável, mas sim a cultura da solidariedade; ver no outro não um
concorrente ou um número, mas um irmão”.
Lembrou, ainda, que a Igreja é “advogada
da justiça e defensora dos pobres diante das intoleráveis desigualdades sociais
e econômicas, que clamam ao céu” (Documento de Aparecida, 395),
E, dirigindo-se aos jovens, afirmou: “Vocês,
queridos jovens, possuem uma sensibilidade especial frente às injustiças, mas
muitas vezes se desiludem com notícias que falam de corrupção, com pessoas que,
em vez de buscar o bem comum, procuram o seu próprio benefício. Também para
vocês e para todas as pessoas repito: nunca desanimem, não percam a confiança,
não deixem que se apague a esperança. A realidade pode mudar, o homem pode
mudar. Procurem ser vocês os primeiros a praticar o bem, a não se acostumarem
ao mal, mas a vencê-lo. A Igreja está ao lado de vocês, trazendo-lhes o bem
precioso da fé, de Jesus Cristo, que veio ‘para que todos tenham vida, e vida
em abundância’ (Jo 10,10)”.
No mesmo dia 25, em sua Saudação na
Acolhida aos Jovens, Francisco afirmou: “queridos jovens: se queremos que a
Cruz tenha realmente sentido e plenitude, como vocês mesmos desejam e merecem,
digo a cada um e a cada uma de vocês: ‘bote fé’ e a vida terá um sabor novo,
terá uma bússola que indica a direção; ‘bote esperança’ e todos os seus dias
serão iluminados e o seu horizonte já não será escuro, mas luminoso; ‘bote
amor’ e a sua existência será como uma casa construída sobre a rocha, o seu
caminho será alegre, porque encontrará muitos amigos que caminham com você.
‘Bote fé’, ‘bote esperança’, ‘bote amor!’”.
Já, no domingo dia 28, durante a Missa
de Envio, falando de coração aberto, convidou os jovens a serem discípulos em
missão e afirmou: "Não tenham medo de ser generosos com Cristo, de
testemunhar o seu Evangelho, a sua fé". “Ide, sem medo, para servir”. "Sabem
qual é o melhor instrumento para evangelizar os jovens? Outro jovem! Este é o
caminho a ser percorrido por vocês!". "O Senhor procura a todos, quer
que todos sintam o calor da sua misericórdia e do seu amor". "Não
tenham medo! Quando vamos anunciar Cristo, Ele mesmo vai à nossa frente e nos
guia. Ao enviar os seus discípulos em missão, Jesus prometeu: ‘Eu estou com
vocês todos os dias’". “Jesus não nos trata como escravos, mas como homens
livres, amigos, como irmãos; e não somente nos envia, mas nos acompanha, está
sempre junto de nós nesta missão de amor”.
Francisco diz ainda que, para servir,
é necessário cantar ao Senhor Deus um canto novo. “Qual é este canto novo? Não
são palavras, nem uma melodia, mas é o canto da nossa vida, é deixar que a
nossa vida se identifique com a vida de Jesus, é ter os seus sentimentos, os
seus pensamentos, as suas ações. E a vida de Jesus é uma vida para os demais. É
uma vida de serviço”.
No Encontro com os Voluntários da JMJ,
no mesmo dia 28, o nosso irmão Francisco lembrou aos jovens: “Na cultura do
provisório, do relativo, muitos pregam que o importante é ‘curtir’ o momento,
que não vale a pena comprometer-se por toda a vida, fazer escolhas definitivas,
‘para sempre’, uma vez que não se sabe o que reserva o amanhã. Em vista disso
eu peço que vocês sejam revolucionários, eu peço que vocês vão contra a
corrente; sim, nisto peço que se rebelem: que se rebelem contra esta cultura do
provisório que, no fundo, crê que vocês não são capazes de assumir
responsabilidades, crê que vocês não são capazes de amar de verdade. Eu tenho confiança
em vocês, jovens, e rezo por vocês. Tenham a coragem de ‘ir contra a corrente’.
E tenham também a coragem de ser felizes!”.
Na diversidade das culturas, que a
todos e a todas nos enriquecem, a JMJ (mesmo com suas limitações e ambiguidades)
foi uma manifestação pública de fé e de comunhão universal. Mas sabemos que isso
não basta. Ser discípulos/as missionários/as de Jesus de Nazaré é um jeito de
viver 24 horas, dia e noite. Portanto, jovens, mãos à obra. Vão para as ruas.
No Encontro com os Jovens argentinos
na Catedral, o irmão Francisco declarou: “espero uma confusão na Jornada
Mundial da Juventude. Mas quero confusão e agito nas dioceses, que vocês saiam
às ruas. Quero que a Igreja vá para as ruas. Quero que nos defendamos de tudo
que seja acomodação e ficar fechado em torno de nós mesmos. As paróquias devem
sair às ruas. Se não, acabam se transformando numa ONG. E a Igreja não pode ser
uma ONG”.
Falando dos jovens, na Entrevista
exclusiva da GloboNews, exibida no O Fantástico dia 28, Francisco afirmou: “um jovem que não protesta não me agrada.
Porque o jovem tem a ilusão da utopia e a utopia não é sempre ruim. A utopia é
respirar e olhar adiante. O jovem é mais espontâneo, não tem tanta experiência
de vida, é verdade. Mas às vezes a experiência nos freia. E ele tem mais
energia para defender suas ideias. O jovem é essencialmente um inconformista. E
isso é muito lindo! É preciso ouvir os jovens, dar-lhes lugares para se
expressar, e cuidar para que não sejam manipulados”.
Irmão Francisco, sua palavra e,
sobretudo, seu testemunho é um sinal de muita esperança para os jovens e para
todos/as nós, discípulos/as missionários/as de Jesus de Nazaré. Obrigado por ter,
com toda simplicidade, assinado “Francisco” na sua primeira Encíclica “Lumen
Fidei” (A Luz da Fé), sem títulos honoríficos e pomposos. É um gesto muito
revelador.
Embora, Francisco, sua pessoa nos
edifique a todos e a todas, muitos/as de nós, motivados pelo Evangelho, temos
um sonho: desejamos ardentemente que as estruturas centrais da Igreja mudem, para
que o bispo da Igreja de Roma - que, como o irmão sempre fala, preside na
caridade (não, na lei) todas as Igrejas - não seja mais chefe de Estado (rei ou
monarca absoluto), mas somente pastor. Jesus não fundou nenhum Estado e quando
o povo queria proclamá-lo rei, ele dava um jeito de se esconder. O Vaticano
podia deixar de ser Estado e ser entregue à UNESCO, para que cuide do seu
patrimônio cultural.
Para que o nosso irmão Francisco e seus
sucessores - que esperamos sejam eleitos um dia com uma maior
representatividade da Igreja de Roma e de todas as Igrejas - possam cumprir sua
missão, precisam ter, como qualquer bispo, a liberdade de viajar quando quiserem
e para onde quiserem, de acordo com a necessidade pastoral, sem o aparato externo
reservado aos chefes de Estado. Para que sejamos uma Igreja realmente
evangélica, precisamos de mudanças profundas e radicais. Que o Espírito Santo
nos ilumine!
“Um sonho que se sonha só, é só um
sonho que se sonha só, mas sonho que se sonha junto é realidade” (Raul Seixas).
Fr. Marcos
Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em
Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor
aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 08 de agosto de 2013