No artigo “Não à
politicagem” (O Popular, 03/02/21, p. 3) o professor Jônathas Silva fez um
relato de sua atuação no cargo de Secretário de Segurança Pública do Estado de
Goiás, no período 2002/2006. Afirma: “Nunca fiz politicagem. Ao contrário,
optei por fazer uma autêntica política de segurança pública, como previa o
programa do governo, que foi legitimado no processo eleitoral pela maioria
absoluta dos votos dos eleitores, que elegeram o governador (Marconi Perillo),
no contexto de uma proposta social democrática”.
O artigo é uma auto-exaltação.
O professor apresenta-se como um modelo a ser seguido. “Não fiz política com
segurança pública, mas uma política de segurança pública”.
Infelizmente, Jônathas Silva
esqueceu um “detalhe”: o despejo da Ocupação “Sonho Real” do Parque Oeste Industrial,
que foi um verdadeiro massacre. No dia
16 do mês corrente completam-se 16 anos desse lamentável acontecimento: a pior barbárie
praticada em toda a história de Goiânia e uma das piores do Brasil. Cada ano
fazemos a memória da data - lembrada também pelo Livro-Agenda Latino-americana
Mundial - para que nunca mais se repita uma iniquidade humana como essa.
O despejo da Ocupação “Sonho Real” do Parque Oeste Industrial, foi uma
operação militar de guerra do governo Marconi Perillo - comandada pelo então
Secretário de Segurança Pública Jônathas Silva - chamada, fria e cinicamente, “Operação
triunfo”. Como se não bastasse, para que o requinte da brutalidade e da
crueldade humana fosse ainda maior, ela foi precedida da “Operação inquietação”:
10 dias - de 0 a 6 horas - assustando os moradores e provocando traumas nas
crianças com as chamadas bombas de efeito moral (que de “moral” não tem nada).
Em resumo, a história da “Operação Triunfo” consistiu
no seguinte: em uma hora e quarenta e cinco minutos, cerca de 14 mil pessoas
(reparem: 14 mil pessoas) foram despejadas de suas moradias de maneira
violenta, truculenta, sem nenhum respeito pela dignidade da pessoa humana e jogadas
na rua. A Operação produziu duas vítimas fatais (Pedro e Vagner), 16 feridos à
bala, tornando-se um desses paraplégico (Marcelo Henrique) e 800 pessoas
detidas (suspeita-se com razão que o número dos mortos e feridos seja bem maior).
Essa história, professor Jônathas, o senhor
não conta no seu artigo. Trata-se de um crime cruel, perverso e totalmente
desumano cometido pelo senhor - então Secretário de Segurança Pública - e por
Marconi Perillo - então governador do Estado de Goiás, com a conivência de Iris
Rezende - então prefeito de Goiânia. Infelizmente, o crime - que clama por
justiça - continua impune até hoje. Lembre-se, professor Jônathas, que a
(In)Justiça humana falha, mas a Justiça de Deus nunca falha.
O governo estadual da época foi totalmente
subserviente e submisso aos interesses especulativos dos “coronéis urbanos”
(leia: donos das grandes imobiliárias). Só os adoradores do deus dinheiro - que
consideram a propriedade privada um direito absoluto - são capazes de uma
barbárie como essa.
No caso da Ocupação
“Sonho Real” do Parque Oeste Industrial, mesmo do ponto de vista meramente
jurídico - sem precisar recorrer à questão da justiça e da ética - existiam
todos os argumentos legais e constitucionais para a desapropriação da área.
Inclusive, o governador Marconi Perillo - poucos dias antes do despejo -
afirmou em entrevista coletiva que estava decidida a desapropriação. Lembro que
o povo fez até festa.
Poucos dias depois,
cedendo à pressão dos “coronéis urbanos” - que não queriam dar a vitória ao
povo para não criar um precedente - o governador, covardemente e demostrando
ser um homem sem palavra, voltou atrás e aconteceu o que todos nós sabemos.
Termino com as palavras do papa Francisco: “A
Bíblia lembra-nos que Deus escuta o clamor do seu povo e também eu quero voltar
a unir a minha voz à voz de vocês: terra,
teto e trabalho (os três “T”) para todos os nossos irmãos e irmãs. Disse-o
e repito: são direitos sagrados.
Vale a pena, vale a pena lutar por eles. Que o clamor dos excluídos seja
escutado na América Latina e em toda a terra” (2º Encontro Mundial dos
Movimentos Populares. Santa Cruz de la Sierra - Bolívia, julho de 2015).
Que a voz dos Movimentos Populares e do nosso
irmão o papa Francisco seja também a nossa voz!
Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral
(Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia, 16 de fevereiro de 2021