“O Vaticano II
faz-nos passar de uma Igreja-autoridade
para uma Igreja serva, servidora,
ministerial” (Dom Aloísio Lorscheider).
A passagem que o Concílio sonhou está
acontecendo. A Igreja - sempre com avanços e recuos - já deu diversos passos nesse
sentido, mas ainda tem um longo percurso a fazer para ser - no mundo de hoje -
a Igreja que Jesus quis.
A proposta de vida
de Jesus de Nazaré é revolucionária. É uma proposta de amor radical. A
igualdade, a justiça (a partilha) e a fraternidade (a vida de irmãos e irmãs)
são os pilares dessa proposta. Não podemos permitir que ela seja farisaicamente
deturpada, amenizada e instrumentalizada para defender os interesses dos
poderosos.
Do ponto de vista
histórico, surpreende e impressiona ver com que facilidade a Igreja consegue se
adaptar às exigências de sistemas sociais desumanos e anticristãos, convivendo
com eles e dando seu apoio pela ação ou pela omissão.
Como exemplo, basta
lembrar o caso da escravidão no Brasil do século 19. A Igreja aceita e legitima
- na sociedade e em suas estruturas internas - a instituição da escravidão.
“Acaba confiando praticamente a catequese do negro ao próprio senhor de
escravos e este paradoxo marcará a posição da Igreja no Brasil perante o
escravo. Sua pastoral vai se orientar mais para o senhor do que para o escravo”
(CEHILA. História da Igreja no Brasil, tomo II/2, Vocês, Petrópolis, 1980, p.
264).
A Igreja prega a submissão
como sendo a virtude do escravo e a benevolência, a virtude do
senhor. Que aberração! É essa a “opção pelos pobres”? A Igreja trai - total e
radicalmente - o Evangelho de Jesus de Nazaré. Sem dúvidas, trata-se de uma das
faces mais perversas e hipócritas do pecado estrutural da Igreja: uma
verdadeira “situação de pecado” eclesial e, sobretudo, eclesiástica.
“Na história, não
faltaram exemplos de padres (os profetas da época) que se insurgiram contra a
legitimidade mesma da escravidão, mas estes foram implacavelmente afastados
pelo poder religioso e temporal” (Ib. p. 265).
A Igreja na qual acreditamos - e que por ela
lutamos - é a Igreja-comunidade dos seguidores e seguidoras de Jesus: Igreja
pobre, para os pobres, com os pobres e dos pobres. Essa Igreja é - toda ela -
servidora, ministerial.
Tradicionalmente,
“na reflexão teológica e pastoral, têm-se distinguido (sem serem exclusivos) os
seguintes grupos de ministérios: a) ministérios simplesmente ‘reconhecidos’
(às vezes, impropriamente, chamados ministérios ‘de fato’), quando ligados a um
serviço significativo para a comunidade, mas considerado não tão permanente,
podendo vir a desaparecer, quando variarem as circunstâncias; b)
ministérios ‘confiados’, quando conferidos ao seu portador por algum
gesto litúrgico simples ou alguma forma canônica; c) ministérios ‘instituídos’
(leitores, acólitos), quando
a função é conferida pela Igreja através de um rito litúrgico chamado
‘instituição’; d) ministérios ‘ordenados’ (também chamados apostólicos
ou pastorais), quando o carisma é, ao mesmo tempo, reconhecido e
conferido ao seu portador através de um sacramento específico, o sacramento da
Ordem (diáconos, presbíteros ou padres, bispos), que visa a constituir os
ministros da unidade da Igreja na fé e na caridade, de modo que a Igreja se
mantenha na tradição dos Apóstolos e, através deles, fiel a Jesus, ao seu
Evangelho e à sua missão. O ministério ordenado, numa eclesiologia de
totalidade e numa Igreja toda ministerial, não detém o monopólio (reparem: não
detém o monopólio!) da ministerialidade da Igreja. Não é, pode-se dizer, a
‘síntese dos ministérios’, mas o ‘ministério da síntese’” (CNBB. Missão e
Ministérios dos Cristãos Leigos e Leigas - 62, 1999, n. 87).
O ministério
ordenado é o da coordenação (presidência)
da Comunidade, na animação da vida fraterna (de irmãos e irmãs), no
discernimento dos sinais dos tempos e no cumprimento de sua missão no mundo.
Para responder humana e cristãmente aos desafios da realidade, os
ministérios poderão ser reformulados e - muitos deles - mudados, criando novos
ministérios. Esperamos que, no chamado e no exercício de todos os ministérios,
venham a ser reconhecidos - o quanto antes - direitos iguais aos homens e às
mulheres, como aconteceu recentemente com os ministérios de leitores e
acólitos.
Por fim, os ministérios - embora diferentes e de maior ou menor
responsabilidade - têm o mesmo valor e a mesma importância. O que confere “qualidade”
aos ministérios é o amor, a profundidade do amor. Meditemos o texto do Lava-pés:
Jo 13,1-17.
Papa Francisco na Quinta-Feira Santa no cárcere “Regina Coeli” (2018)
Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral
(Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia, 01 de janeiro de 2021
https://portaldascebs.org.br/2021/01/27/ser-igreja-ministerial/
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