sexta-feira, 7 de novembro de 2025

O Ser Humano meta-histórico “além da morte” (4)

 


(Continua o tema do artigo anterior sobre o Ser Humano - parte 4)

Em síntese, podemos dizer: historicamente falando, é o Ser humano todo (ser histórico-social e histórico-individual: corpo, vida, espírito ou pessoa) que "morre", isto é, que deixa a modalidade de ser histórica - em via de meta-historicização - e "passa" para a modalidade de ser meta-histórica - em sentido pleno - ou, em linguagem teológica, "ressuscita"; - meta-historicamente falando, é o Ser humano todo que "vive" (é) no Amor (Vida plena) ou no Des-amor (Morte plena).

Tanto historicamente como meta-historicamente (em sentido pleno: “além da morte”), o Ser humano é (existe) pela "presença ontológica" (em linguagem filosófica) ou "presença criadora" (em linguagem teológica) do Absoluto (Deus), que é (existe) por si mesmo. Por isso, a existência (vida) humana - histórica, em via de meta-historicização e meta-histórica, em sentido pleno (“além da morte”) - é "dom" do Absoluto. Do ponto de vista ontológico, se Deus (o Absoluto) não fosse (não existisse), nada e ninguém seria (existiria).

Portanto, reafirmamos que a meta-historicidade “além da morte” (na linguagem comum, usa-se também a palavra "imortalidade", embora seja inadequada) é simultaneamente meta-historicidade social (estrutural) com dimensão individual e meta-historicidade individual com dimensão social.

Não se pode justificar adequadamente a meta-historicidade individual, "se não se faz ver que a comunidade - que vem sendo construída na história - salva-se (realiza-se) quanto ao essencial, não obstante a ruptura da morte” (GEVAERT, J. Il Problema dell'Uomo. Introduzione all'Antropologia filosofica. Elle Di Ci, 19814, p. 277).

“Aprouve a Deus salvar (realizar) e santificar os Seres humanos, não individualmente (somente), excluída qualquer ligação entre eles, mas constituindo-os em Povo (Comunidade) que O conhecesse na verdade e O servisse (amasse) santamente (perfeitamente, radicalmente)” (CONCÍLIO VATICANO II. A Igreja - LG, 9).

“Eu vim para que todos e todas tenham Vida e a tenham em plenitude” (Jo 10,10).

No Ser humano e com o Ser humano, toda a criação participa do processo de meta-historicização até à plenitude. “Sabemos que a criação toda geme e sofre dores de parto até agora. E não somente ela, mas também nós, que possuímos os primeiros frutos do Espírito, gememos no íntimo, esperando a adoção, a libertação para o nosso corpo. Na esperança, nós já fomos salvos. Ver o que se espera já não é esperar: como se pode esperar o que já se vê? Mas, se esperamos o que não vemos, é na perseverança que o aguardamos" (Rm 8, 22-25).

O cientista (como o Físico, o Biólogo, o Psicólogo ou outro), enquanto tal, não pode provar - pela verificação experimental - e nem afirmar - com conhecimento de causa - que o Ser humano individual é ou não é um ser espiritual ou pessoal.

Esse mesmo cientista (como vimos a respeito da “presença ontológica” ou “presença criadora” de Deus) não pode provar que o Ser humano histórico (social e individual) é ou não é um ser meta-histórico “além da morte” (aberto à transcendência plena, absoluta); que o Ser humano histórico e - com ele - o mundo todo existem (são) ou não existem (não são) pela "presença ontológica" ou "presença criadora" do Outro absoluto (Deus); e que o Outro absoluto (Deus) existe (é) ou não existe (não é) por si mesmo.

Destas questões não temos e nunca teremos "provas científicas". Em outras palavras, estas questões não "cabem" no nível da verificação experimental e, portanto, não podem ser conhecidas "cientificamente"; elas surgem - brotam, emergem, irrompem - da existência humana no mundo com o mundo como um todo e, para buscarmos ter delas uma compreensão sempre mais profunda - mas histórica - precisamos recorrer à inteligência reflexiva (meditativa), ou seja, ao "conhecimento filosófico" e/ou "teológico".

O conhecimento filosófico e/ou teológico parte do conhecimento científico (e, muitas vezes, também do conhecimento comum), incorpora seus dados, vai além dele e volta para ele (motivando e incentivando a pesquisa) num processo contínuo. É este o movimento do conhecimento (pensamento) humano (voltaremos sobre o assunto, falando da Práxis teórico-prática).

Por fim, o processo dialético permanente de meta-historicização “já e ainda não” e “além da morte” se dá na e pela Práxis meta-histórica (voltaremos sobre o assunto, falando da Práxis meta-histórica).

 (No próximo artigo sobre o Ser Humano, continua o mesmo tema: parte 5)


Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)   
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br - Cel. e WA: (62) 9 9979 2282  
 
Goiânia, 06 de novembro de 2025










O artigo foi publicado originalmente em:

https://portaldascebs.org.br/o-ser-humano-meta-historico-alem-da-morte-4/ (23/10/25) 

segunda-feira, 3 de novembro de 2025

Opção pelos Pobres - Reflexões teológico-pastorais



É com muita esperança que - no dia 9 de outubro deste ano de 2025 - recebamos, a primeira Exortação Apostólica do Papa Leão XIV: a "Dilexi te" (Eu te amei: Ap. 3,9), datada do dia 4 do mesmo mês, festa de S. Francisco de Assis.

Ela é um chamado à Igreja para que redescubra o Amor para com os Pobres com mensagem central do Evangelho. O documento aprofunda a reflexão sobre a relação entre a Fé cristã e a Opção pelos Pobres, convidando os cristão e cristãs a reconhecerem nele e nelas o rosto de Cristo e lutarem para superar todas as formas de marginalização exploração, opressão, exclusão e descarte.

Dou graças a Deus por tudo que o Papa Francisco fez - com seu testemunho de vida e com seu ensinamentos - pela renovação da Igreja e que o seu sucessor o Papa Leão XIV - com o jeito próprio de sua personalidade - pretende continuar.

Mesmo com tudo isso, a Igreja precisa mudar muito ainda para se tornar uma Igreja de irmãos e irmãs, realmente a evangélica: uma Igreja Pobre, desde os Pobres, com os Pobres, dos Pobres e para os Pobres. Jesus nunca quis uma Igreja Estado, uma Igreja de poder e de luxo.

Um exemplo da vida cotidiana da Igreja: nestes últimos anos - ao menos até 2021 - na Arquidiocese de Goiânia, a procissão do Corpo de Cristo passava nas Avenidas e Ruas centrais da Cidade, levando a Eucaristia num ostensório de ouro maciço e com paramentas luxuosos ao lado de irmãos e irmãs nossos - moradores em situação de rua - dormindo deitados na calçada. Não é contradição! Confesso que, pessoalmente, me sentia muito mal.

Mesmo reconhecendo - por experiência própria - que, nas Comunidades Cristãs Pobres (CEBs), temos muitas pessoas que são verdadeiros santos e santas, infelizmente a Igreja Instituição, em sua história, incorporou as piores contribuições do Imperialismo, do Feudalismo, do Escravismo e do Capitalismo. Ainda na escravidão do século XIX, a Igreja ensina que a virtude do escravo era a submissão e a virtude do dono de escravos era a benevolência. Não é um absurdo? Não é um comportamento totalmente antievangélico? Dá para entender?

Hoje a Igreja - oficialmente - condena os exageros do Capitalismo, mas não condena o Capitalismo como tal: um Sistema estruturalmente desumano, antiético e antievangélico. Com esse pecado estrutural de omissão, a Igreja Instituição acaba sendo conivente com o Sistema Capitalista.

"Para desempenhar sua missão, a Igreja a todo momento (reparem: a todo momento), tem o dever de escutar (perscrutar) os Sinais do Tempos e interpretá-los à luz do Evangelho (ou seja, desde os Pobres, na ótica dos Pobres), de tal modo que possa responder, de maneira adaptada a cada geração, às interrogações eternas sobre os significados da Vida presente e futura e de suas relações mútuas". "É necessário, por consguinte, conhecer e entender (repare: conhecer e entender) o Mundo no qual vivemos, suas esperanças, suas aspirações e sua índole frequentemente dramática" (Conc.Vatic. II - GS 4).

Escutar, pois, os Sinais dos Tempos, significa ouvir os apelos de Deus nos acontecimentos, sintonizar com eles e colocá-los em prática, ou seja, vivê-los.

A Igreja, em sua Ação evangelizadora, ou seja, no Anúncio da Boa Notícia do Reino de Deus, deve ser servidora e samaritana, viver a compaixão e a misericórdia - que é o amor acontecendo - e estar sempre do e ao lado dos Pobres.  

A Escuta dos Sinais dos Tempos à luz do Evangelho - se for verdadeira - é escuta desde os Pobres, na ótica dos Pobres e leva necessariamente à Opção pelos Pobres (empobrecidos, marginalizados, oprimidos, explorados, excluídos e descartados), que é uma Opção profundamente profética e libertadora - e não meramente ideológica, embora o ideológico seja uma mediação necessária, pelo fato de o Ser humano ser histórico, situado (no espaço) e datado (no tempo).

Fazemos a Opção pelos Pobres, para - a partir deles e delas e junto com eles e elas - participar do processo de Libertação do Ser humano todo e de todos os Seres humanos no Mundo com o Mundo - a Irmã Mãe Terra Nossa Casa Comum - segundo o Projeto de Deus.

Os Direitos Humanos são os Direitos dos Pobres e - sendo dos Pobres - são de todos e de todas.  

O nosso referencial é Jesus de Nazaré e sua prática. Jesus nasceu como sem teto na manjedoura de um estábulo, foi trabalhador carpinteiro com seu pai José. Em sua vida pública, anunciou a Boa Notícia do Reino de Deus aos Pobres, até sua morte na cruz com a acusação de estar subvertendo o povo. Todos e todas somos convidados a entrar nesse caminho. Zaqueu, homem rico, se converteu e entrou. O jovem rico - ao menos no momento do seu encontro com Jesus - não teve coragem e foi embora triste.

Jesus declarou: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa Notícia aos Pobres (reparem: não diz ‘preferencialmente’ aos Pobres); enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos, e para proclamar um ano de graça do Senhor” (Lc 4,18-19). E ainda: “Eu vim para que todos e todas tenham Vida e a tenham em plenitude” (Jo 10,10).

Reafirmo: a Opção pelos Pobres, “não é preferencial”, ou seja, uma alternativa entre duas ou mais alternativas, mas única. Ela nos leva a descobrir o verdadeiro sentido de nossa vida de seres humanos (homens e mulheres, cristãos e cristãs: radicalmente homens e mulheres) no mundo e com o mundo: a Irmã Mãe Terra Nossa Casa Comum.

É somente a Opção pelos Pobres que nos faz verdadeiramente felizes. 

Por fim, a Igreja - sendo Pobre, desde os Pobres, para os Pobres, com os Pobres e dos Pobres - ela é de todos e de todas. Que assim seja!

 





Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP), Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br - Cel. e WA: (62) 9 9979 2282 - https://freimarcos.blogspot.com/
 
Goiânia, 03 de novembro de 2025



A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos