domingo, 28 de janeiro de 2024

O Ser humano histórico-social (2)



  (Continua o tema do artigo anterior, da série de artigos sobre o Ser humano)

Para entender o funcionamento de uma sociedade histórica concreta, é sempre necessário fazer uma análise estrutural e conjuntural ao mesmo tempo.


Uma estrutura social (sócio-econômico-político-ecológico-cultural-religiosa) é entendida, por sua vez, como modo de produção. "O modo de produção é uma estrutura global, é uma combinação específica de três estruturas regionais, que aparecem como instâncias ou níveis: a estrutura econômica, a estrutura jurídico-política e a estrutura ideológica. A estrutura econômica forma a infraestrutura, enquanto a jurídico-política e a ideológica formam a superestrutura" (MENDONÇA, N. Domingues, O uso dos conceitos. Uma questão de interdisciplinariedade. Vozes, Petrópolis, 19852, p. 62).


Em sentido dialético (não mecanicista), o econômico (infraestrutura, base, modo de produção material: de bens materiais, de vida material) é - em última instância - sempre determinante (não o único determinante). Nem sempre, porém, detém (exerce) o papel dominante.


Às vezes, o jurídico-político ou o ideológico assumem a função de dominação. "Isso se dá pela interação dialética existente entre as várias estruturas, permitindo que umas ou outras se sobressaiam mais em determinados momentos históricos, e possam ser detectadas como as que dominam todo um período (...). Mas (...) a estrutura determinante, em última instância, continua sendo a infraestrutura econômica, e a ela cabe determinar os limites da superestrutura, pois, ao mesmo tempo que produz os bens materiais, reproduz as relações de produção específicas de cada modo de produção" (GEBRAN, P. Conceito de modo de produção. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1978, p. 14-15. Citado por: MENDONÇA, N. Domingues, o. c., p. 62).


Por exemplo, no modo de produção antigo, o político detém o papel dominante, que, por sua vez, é determinado pelo funcionamento da estrutura econômica própria deste modo de produção. No modo de produção feudal é o ideológico (sob forma de religioso - catolicismo) que domina, mas determinado também pelo funcionamento da estrutura econômica da época.


"O que está claro é que nem a Idade Média podia viver do catolicismo, nem o Mundo Antigo da política. Ao contrário, é a maneira como ganhavam a vida (como asseguravam a subsistência) que explica porque, numa época, desempenhava o papel principal a política e, na outra, o catolicismo" (MARX, K. O Capital. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 19805, L. I, Vol. I, Cap. I, p. 91, Nota 32).


No modo de produção capitalista (e no próprio modo de produção do chamado socialismo real, que, na prática, é um capitalismo de Estado), o econômico detém não só um papel determinante, mas também dominante. O mundo moderno é, por assim dizer, dominado pelos interesses materiais.


A "determinação em última instância" ou a "supremacia última" do econômico em relação ao jurídico-político e ao ideológico não deve ser entendida de maneira reducionista, mecanicista e linear (visão economicista, determinismo econômico), mas dialética.


Elimina-se, assim, "a ideia de uma causalidade mecânica pela qual um nível, a economia, seria a causa e os outros níveis, as superestruturas, seus efeitos. A noção de 'determinação em última instância' permite substituir essa concepção por uma ideia dialética de causalidade, pela qual o fator em última instância determinante não exclui a determinação pelas superestruturas que, como causas secundárias, podem produzir efeitos e 'reagir' sobre a base" (LARRAIN, J. Base e Superestrutura. Em: Dicionário do Pensamento Marxista. Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 19882, p. 28).

Numa leitura - análise e interpretação - crítica e objetiva, é essa a nossa realidade.

(Continua no próximo artigo)


Compartilhando:

para uma visão mais aprofundada e abrangente

dos temas tratados, leia:

Editora Lutas Anticapital: Marília - SP, 2023 (p. 384)



Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Goiânia, 15 de janeiro de 2024

 

 

O artigo foi publicado originalmente em:

https://portaldascebs.org.br/o-ser-humano-historico-social-2/

(no dia 02/01/24)


terça-feira, 16 de janeiro de 2024

Projetos Políticos do Governo Federal - 2ª parte

 


Dirijo-me agora - como companheiro e irmão de caminhada, na luta e na militância - aos Movimentos Populares Socioambientais (socioeconômicos, sociopolíticos, socioecológicos, socioculturais e sociorreligiosos), aos Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras, aos Partidos Políticos Populares, aos Coletivos de mulheres, às Entidades de Jovens Estudantes, aos Comitês ou Fóruns de Defesa dos Direitos Humanos e da Irmã Mãe Terra Nossa Casa Comum, às Comissões de Justiça e Paz e a todas as Organizações Populares. E ainda, às Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e às Pastorais Socioambientais (Pastoral da Terra, Pastoral Operária, Pastoral do Migrante, Pastoral dos Moradores e Moradoras em situação de Rua e outras).

Com a única intenção de dar a minha pequena contribuição na leitura crítica - análise e interpretação - de nossa práxis (prática e teoria dialeticamente unidas) popular, apresento agora - com toda sinceridade - alguns questionamentos e três propostas na ótica dos pobres.

Questionamentos:

  • Por que, depois de quase quatro Governos Federais do PT e Partidos Políticos aliados, chegamos a ter o Governo Bolsonaro?
  • Por que abandonamos o Trabalho de Base: nos Partidos Políticos Populares, nos Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras e nas Comunidades?
  • Por que fazemos “aliança” com Partidos Capitalistas de direita e extrema direita? Não é contraditório? “Aliança” não é “comunhão de projetos”?
  • Será que os nossos Partidos Políticos Populares - ditos de esquerda - não são na realidade Partidos Capitalistas Neoliberais com retoques?
  • Por que nos sentimos tão à vontade no uso da linguagem tipicamente capitalista, como - por exemplo - chamando a Confederação Nacional da Indústria de “setor produtivo”? Para nós e os nossos Partidos, o “setor produtivo” não são os trabalhadores e as trabalhadoras diretamente ligados à produção?
  • Por que falamos tanto de “Democracia”, quando sabemos que no Projeto Político Capitalista - Neoliberal e Ultraneoliberal - a “Democracia” não existe? Se existisse “Democracia”, será que 1% da população brasileira concentraria 50% dos bens do Brasil? E será que os 33 milhões de brasileiros e brasileiras que passam fome não teriam o direito de pegar os alimentos onde eles se encontram?
  • O que existe de fato não é uma “oligarquia” ou - permitam-me um neologismo - uma “elitocracia”?
  • Os Projetos Políticos Capitalistas Neoliberal e Ultraneoliberal - mesmo não sendo uma “Ditadura fascista” - não são uma “Ditadura civil” legalizada e institucionalizada? Por que não falamos a verdade?

Propostas:

1. Trabalho de Base

  • Voltemos, com garra e fé, ao Trabalho de Base, nas Comunidades (CEBs), nos Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras e nos Partidos Políticos Populares.
  • É o único caminho que nos faz esperançar e, ao mesmo tempo, experienciar a vida de igualdade, justiça e irmandade. E também é o único caminho que nos leva a dar passos históricos concretos, fazendo acontecer um Novo Projeto Político para o Brasil: um Projeto Popular, Comunitário, Socialista e - porque não dizer - verdadeiramente Comunista. Para quem entendeu o autêntico sentido do Evangelho, Jesus de Nazaré foi o único 100% comunista. 

2. Acordos políticos pontuais

  • Em nossa luta política de trabalhadores e trabalhadoras, vamos ser vivencialmente coerentes na prática e ideologicamente claros na teoria, para que todos e todas saibam qual é o nosso Projeto Político.
  • Por ser uma ideologia política uma teoria situada (no espaço) e datada (no tempo), fazer “aliança” com Projetos Políticos ideologicamente opostos ao nosso, é impossível.
  • Ora, tendo presente o princípio marxista “não fazemos aquilo que queremos, mas aquilo que as condições objetivas permitem que façamos” e também o princípio ético “o comportamento ético é o comportamento mais humano possível numa situação histórica concreta, socioambiental e/ou individual”, podemos e devemos - em situações especiais - fazer “acordos pontuais”, mas nunca “aliança”, que - mesmo se for só formal - é uma traição do povo pobre: marginalizado, oprimido, explorado e descartado

3. Unidade nas diferenças

  • Na nossa militância política - em todas as lutas populares de curto, médio e longo prazo - vamos valorizar a unidade na defesa do Projeto Político Popular e as diferenças no processo de sua realização, que nos abrem sempre novos horizontes com novas estratégias a serem utilizadas e que nos levam a dar passos concretos na realização histórica do nosso Projeto Político.
  • Unidos e unidas, continuemos a luta! A vitória já é nossa!

 

 

O Popular: Ato público em defesa da Democracia, 08/01/24 (Goiânia-GO)

“Democracia Popular já!”



Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 13 de janeiro de 2024


Projetos Políticos do Governo Federal - 1ª parte

 


Há tempo, no Governo Federal do Brasil (e também em outros países da América Latina e do mundo) alternam-se dois Projetos Políticos Capitalistas: o Projeto Político Capitalista Neoliberal (como o Projeto Político dos Governos Federais de Fernando Henrique Cardoso - PSDB, de Lula e Dilma Rousseff - PT, com os Partidos aliados) e o Projeto Político Capitalista Ultraneoliberal (como o Projeto Político do Governo Federal de Bolsonaro - PL).
O Projeto Político Capitalista Neoliberal - dito de esquerda ou centro-esquerda - é na realidade o Projeto Político de uma “frente ampla” de partidos que vai da esquerda à direita. Apesar disso - sem mudanças estruturais e dentro do possível - esse Projeto investe nas Políticas socioambientais e na defesa dos Direitos Humanos. É um Projeto Político que se fundamenta e se sustenta nas ambiguidades e contradições do Sistema Capitalista.
De um lado, ele “ameniza” (não acaba) os efeitos da estrutura injusta, desumana e antiética do Sistema Capitalista com programas de assistência social e promoção humana, que - em situações de extrema vulnerabilidade como situações de fome, falta de moradia, falta de trabalho ou situações de trabalho superexplorado e trabalho escravo - são práticas políticas positivas, necessárias e urgentes. Os trabalhadores e as trabalhadoras que se encontram nessas situações não podem esperar que mudem as estruturas e o Sistema Capitalista.

De outro lado, essa “amenização” acaba reformando e fortalecendo o sistema capitalista, diminuindo ou acabando com as greves dos trabalhadores e das trabalhadoras por melhores salários e melhores condições de vida. Isso é negativo e enfraquece a organização desses mesmos trabalhadores e trabalhadoras, na luta por um Novo Brasil.

No Projeto Político Capitalista Neoliberal há ainda, sobretudo em determinadas situações, o perigo que grupos políticos organizados tramem um Golpe de Estado, transformando - com o uso da violência policial e de todo tipo de violência - o Projeto Político Capitalista Neoliberal num Projeto Ditatorial “Fascista”, como no Golpe civil-militar de 1964 e na tentativa de Golpe de 08/01/23, invadindo e vandalizando as sedes dos Três Poderes, em Brasília.
Ora, no Projeto Político Capitalista Ultraneoliberal - que representa um retrocesso em relação ao Neoliberal - assistimos à erosão dos Direitos Humanos e ao desmonte das Políticas Socioambientais.
Por fim, seja o Projeto Político Capitalista Neoliberal - como o Ultraneoliberal - são baseados em “uma Escola de pensamento e uma doutrina de economia voltadas para a defesa da ausência do Estado na esfera economicista das sociedades”. Os Projetos defendem a autorregulamentação do mercado. As características do Liberalismo são “a propriedade privada e a livre concorrência. Historicamente, essa corrente econômica surgiu com o advento do Capitalismo, em oposição ao Mercantilismo”. No Brasil, “a adoção de práticas neoliberalistas (ou ultraneoliberalistas) é muito forte, como por meio de privatizações de Estatais” (https://mundoeducacao.uol.com.br/geografia/liberalismoeconomico.htm).

O Capitalismo, em todos os seus desdobramentos (Liberal e Ultraliberal, Neoliberal e Ultraneoliberal) é - em maior ou menor grau - um “Sistema econômico iniquo” (Documento de Aparecida, 385), que “exclui, degrada e mata”. Os trabalhadores e as trabalhadoras - e os pobres em geral - “não são somente excluídos e excluídas, mas descartados e descartadas” (Papa Francisco). Por isso, ele é estruturalmente injusto, desumano e antiético: a face mais perversa e iniqua do Pecado Social ou Pecado Estrutural.
 


 

Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Goiânia, 13 de janeiro de 2024


A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos